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O trabalho surgiu a partir de análises de células humanas feitas em 2012. Na ocasião, os cientistas detectaram alterações no DNA relacionadas à produção de ácidos graxos. A partir desse achado, resolveram analisar grupos com históricos alimentares distintos. “Um dos focos é compreender a evolução humana e suas implicações para a saúde humana. Sabemos que a adaptação genética da dieta ao local em que se vive não é rara durante a transformação da espécie. Por isso, resolvemos analisar grupos diferentes”, explicou ao Correio Kaixiong Ye, um dos autores do estudo e pesquisador da Universidade de Cornell, nos Estados Unidos.
Os cientistas compararam o DNA de duas populações: moradores da cidade de Pune, na Índia, que tinham um histórico de alimentação sem carne, e norte-americanos carnívoros da cidade de Kansas. Durante as observações, a equipe encontrou uma mutação chamada rs66698963 no grupo indiano. Essa falha genética aumenta a produção do ácido araquidônico, uma ômega-6 com efeitos anti-inflamatórios, mas que, em excesso, pode ter resultado reverso.
Ye explica que os efeitos também são observado em quem, mesmo descendente de vegetarianos, não segue a dieta restritiva.“O ácido araquidônico pode ser absorvido diretamente pelo óleo vegetal, pelas carnes e pelos frutos do mar. Uma pessoa que consome grande quantidade desses alimentos e tenha a mutação pode ter o acúmulo da substância que causa inflamações”, explica. “A incompatibilidade entre o nosso genoma e nosso estilo de vida leva às doenças.”
Novos hábitos
Os pesquisadores explicam que, para evitar os riscos de doenças inflamatórias em pessoas com a mutação rs66698963, a melhor saída é a mudança alimentar. “Óleos como o azeite, rico em ômega-9; o de girassol, que tem alta quantidade de ácido oleico; o de cártamo; o de soja; e o de amendoim são mais seguros para as pessoas com ancestrais vegetarianos”, destacou Tom Brenna, um dos autores do estudo e pesquisador da Universidade de Cornell.
Shila Minari, nutricionista esportiva funcional na clínica Viva Nutrição, em Brasília, observa que a proporção de óleos consumidos precisa ser equilibrada. A maioria das pessoas, porém, vegetarianas ou não, consome mais o ômega-6, presente em uma quantidade maior de alimentos. “Elas deixam de ingerir o ômega-3, encontrado em sementes, por exemplo, e que também é bastante importante. O ideal é ingerir as proporções corretas, seja por meio da mudança de alimentação, seja pelo consumo de suplementos”, orienta.
Gustavo Guida, geneticista do Laboratório Exame, em Brasília, observa que saber da existência da mutação pode servir de estímulo para mudanças na dieta. “Essas alterações são variantes importantes de serem estudadas para que os hábitos alimentares possam sem construídos a partir delas. Para saber disso, são necessários testes genéticos, que, no passado, até eram bastante caros, mas agora custam menos e, quem sabe no futuro, poderão ser usados com facilidade a fim de se descobrir essas alterações”, diz.
O especialista ressalta ainda que os dados obtidos pelos cientistas dos Estados Unidos precisam ser avaliados com cuidado, por se tratarem de uma população com características específicas. “O estudo pode parecer um pouco exagerado, pois dá a impressão de que o vegetarianismo pode provocar essa mutação. Mas é algo que ocorre nesse grupo. Os dados são de uma população que tem um histórico antigo desse hábito alimentar. Assim como essa mutação foi identificada, outras podem estar presentes no DNA, o que também faz diferença no surgimento de uma doença. Por isso, uma análise genética detalhada é necessária”, analisa.
Os autores da pesquisa pretendem estudar outras populações para avaliar a distribuição da mutação em escala global. “Também pretendemos compreender os detalhes entre ela e as enfermidades cardíacas e o câncer de cólon. De forma mais ampla, acreditamos que muitas adaptações dietéticas aconteceram durante a evolução humana e estamos tentando descobrir mais sobre elas”, adianta Ye.