Ao contrário de pesquisas epidemiológicas, em que consultas clínicas e exames verificam o estado dos participantes, esse estudo observou como as pessoas percebem a própria saúde bucal. Os autores utilizaram dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) de 2013, que contou, pela primeira vez, com um bloco dedicado ao tema. Respondida por mais de 60 mil pessoas, ela oferece um panorama de indicadores que podem ser monitorados ao longo do tempo. A condição da boca foi avaliada como boa ou muito boa por 67,4% das pessoas.
As mulheres, de forma geral, são mais cuidadosas. Mas os resultados, nem sempre melhores. Elas compõem o maior percentual (13,3%) de indivíduos sem nenhum dente (11%).
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Peres sublinha que, em quase todas as sociedades, as mulheres estão em condição socioeconômica inferior. “A interação entre esses dois fatores, basicamente sociais, políticos e culturais, hipoteticamente, resultam no quadro. Por isso desigualdades sociais em saúde estão na raiz das causas das doenças e dos agravos”, esclarece o pesquisador.
Implantodontista, periodontista e protesista, Jefferson Setti acrescenta outra explicação: na gestação, surgem mais problemas odontológicos, como cáries e placas bacterianas. “Parte disso resulta dos cuidados inadequados, pois a mulher passa mal e vomita, mas nem sempre se atenta à limpeza oral e aos cuidados adequados. Elas sofrem mais na menopausa também. Alterações nos níveis de vitamina D influenciam a descalcificação dos dentes, por exemplo”, detalha o diretor da Acom Odontologia, em Brasília.
Guilherme Máximo Xavier, professor de saúde coletiva em odontologia e vigilância em saúde da Universidade Católica de Brasília (UCB), completa que, além dos enjoos, a gestante apresenta alterações hormonais que a deixam mais propensa a infecções e inflamações, aumentando as chances de gengivites e periodontites. “Há risco de os agravos, que podem realmente resultar em extrações, induzir problemas na gestação, se não forem tratados. Estudos mostram que mães com má saúde bucal podem ter filhos abaixo do peso ou prematuros”, esclarece.
Xavier acredita que a realidade das brasileiras pode ser influenciada pelo programa Estratégia Saúde da Família, do Sistema Único de Saúde (SUS). “Não é comum, mas, quando há presença de dentista na equipe mínima, há marcação de consultas odontológicas de pré-natal.
Prótese
Sem os dentes naturais, brasileiros e brasileiras recorrem cada vez mais a próteses: 33,3% dos adultos dizem utilizá-las, sendo a maioria mulheres (37,9%), idosos (68,6%), pessoas sem instrução ou com nível fundamental incompleto (47,8%) e residentes nas regiões Sul (38,6%) e Sudeste (33,8%). A lógica é que o acesso às dentaduras é maior nas regiões economicamente desenvolvidas, onde populações que mais sofrem com a perda de dentes têm mais acesso a elas. Segundo dados da Associação Brasileira da Indústria Médica, Odontológica e Hospitalar (Abimo), cerca de 800 mil implantes e 2,4 milhões de componentes de próteses dentárias são colocados por ano no país.
Para Marco Aurélio Peres, o estudo reforça como as condições de educação, renda e trabalho influenciam a melhoria da saúde. Se por um lado a Austrália tem a maior cobertura de água fluoretada, com cerca de 92% da população beneficiada pela medida, o Brasil tem o SUS, que é uma grande conquista. Na Austrália, a assistência odontológica é universal apenas para crianças e adolescentes.
“Temos conferências específicas para tratar do tema com participação de profissionais, gestores e da população. Também conseguimos avanços importantes no acesso e no uso do flúor na água e na pasta de dentes e dos serviços de saúde de atenção primária e especialidades no âmbito do SUS. Conquistas impensáveis quando me formei 30 anos atrás. Nas últimas décadas, verificamos a educação sobre a cárie dentária em crianças e adolescentes e a redução importante das perdas dentárias parciais e totais em jovens e adultos”, comemora.
Higiene e educação
“Vivemos em uma sociedade em que o pensamento de que perder dentes é normal. Porém, com higiene bucal, escovação e uso de fio dental, o idoso pode envelhecer com todos os dentes e uma boca saudável. Dentes só se perdem por doença, sendo a cárie e a doença periodontal as maiores responsáveis. Precisamos instruir os profissionais como cidadãos, para melhorar a saúde bucal do país, que é responsabilidade do Estado, das entidades e dos órgãos civis, da família, da escola e da universidade. Costumo dizer que todas as pessoas ‘são da saúde’, mas nem todas se profissionalizaram nisso. Isso porque todo ser humano tem o poder de cuidar do outro. Informações importantes devem ser levadas aos cidadãos para que saibam se cuidar e cuidar do outro. Educação e saúde são indissociáveis.”
Guilherme Máximo Xavier, professor na Universidade Católica de Brasília (UCB)
Obturação em xeque
As obturações nem sempre são a melhor solução para um dente cariado. É o que defendem cientistas da Universidade de Sidney, na Austrália, em um artigo publicado, recentemente, na revista Community Dentistry and Oral Epidemiology. Eles apostam em um protocolo, baseado em “higiene preventiva”, para tratar as lesões iniciais. Em experimentos, a técnica reduziu em 30% a 50% a necessidade de obturação.
O tratamento tem quatro etapas: aplicação de alta concentração de flúor verniz no dente cariado, atenção à escovação em casa, restrição de lanches entre as refeições e de bebidas com adição de açúcar, e monitoramento de risco. Segundo Wendell Evans, integrante do estudo, nos últimos 50 anos, pesquisas têm mostrado que a cárie não progride rapidamente. Dura, em média, de quatro a oito anos até ela sair da parte externa do dente, o esmalte, e chegar à camada mais interna, a dentina.
É justamente esse período longo de degradação que viabiliza o tratamento proposto por eles. “Essa pesquisa sinaliza a necessidade de uma grande mudança na forma como a cárie dentária é gerida pelos dentistas”, ressalta Evans. “Nosso estudo mostra que uma abordagem preventiva tem grandes benefícios em comparação à prática corrente.”.