“Nós podemos até achar que nossos traços de personalidade não têm qualquer relação com quão bem raciocinamos ou lembramos as coisas, mas descobrimos que ter uma atitude hostil e habilidades pobres de enfrentamento causa um efeito sobre a capacidade de raciocínio que equivale a mais de uma década de envelhecimento”, conta Lenore Launer, coautora do estudo e pesquisadora dos Institutos Nacionais de Saúde (NIH, na sigla em inglês), nos EUA.
Na pesquisa, 3.126 pessoas foram questionadas sobre sua personalidade e principais habilidades, além da capacidade de memória e de lidar com o estresse. Para avaliar a hostilidade, os cientistas perguntaram aos participantes, que tinham, em média, 25 anos, sobre a frequência de comportamentos agressivos, falta de confiança nos outros e sentimentos negativos associados às relações sociais. Também investigaram a dificuldade que tinham em lidar com situações em que muitos obstáculos dificultam o sucesso.
Os voluntários foram, então, divididos em grupos de acordo com seus níveis de hostilidade e dificuldade de lidar com situações estressantes. Duas décadas e meia depois, quando a média de idade era de 50 anos, as pessoas que ainda podiam ser contatadas foram submetidas a testes de raciocínio e memória, nos quais aqueles que apresentavam na juventude níveis altos de hostilidade e de dificuldade de lidar com desafios apresentaram pior desempenho.
Por exemplo, no exame em que os indivíduos eram orientados a recordar uma lista de 15 palavras, os mais hostis lembravam, em média, 0,16 palavra a menos do que os mais tranquilos. O desempenho dos pouco resistentes ao estresse foi ainda pior quando comparados aos resilientes, com média de 0,3 palavra a menos.
Os resultados se mantiveram quando os investigadores ajustaram fatores como depressão, eventos negativos da vida e discriminação. Mesmo quando fatores de risco cardiovascular que costumam afetar a cognição, como diabetes e pressão arterial elevada, foram considerados, os resultados permaneceram os mesmos para o traço de habilidade de enfrentamento.
Associação
Por ser um estudo observacional, Launer ressalva que não se pode garantir que há uma relação de causa e efeito entre os traços de personalidade e as habilidades cognitivas. Os resultados, contudo, revelam uma forte associação. “Se essa ligação for encontrada em outros estudos, será importante investigarmos se mudanças que promovam interações sociais positivas e habilidades de enfrentamento reduzem o risco de problemas de memória e raciocínio na meia-idade”, afirma a autora.
Estudos anteriores ao de Launer encontraram resultados semelhantes, informa Susan Everson-Rose, professora-associada do Departamento de Medicina da Universidade de Minnesota, nos EUA. Estudiosa do campo, ela explica que a exposição ao estresse agudo e crônico pode afetar a aprendizagem e a memória. “Mas a maioria das evidências vêm de estudos com animais ou observações clínicas. Quase não há estudos de base populacional investigando a relação do estresse com alterações de cognição ao longo do tempo”, diz a especialista.
Em um de seus trabalhos, publicado em janeiro de 2014 na revista Psychosomatic Medicine, Everson-Rose acompanhou 6.207 pessoas por mais de seis anos. Ela constatou que as mais estressadas apresentaram declínio acelerado da função cognitiva a partir de 65 anos. “Por isso, nossos estudos, além desse mais recente, também mostraram que compreender como os efeitos do estresse afetam a cognição e como a prevenção do estresse excessivo protege do declínio cognitivo em meia-idade e idade avançada por ter importância substancial para a saúde pública”, considera.
Novas experiências
Margie Lachman, da Universidade Brandeis, também nos EUA, é outra pesquisadora que se dedica a compreender melhor a relação entre traços de personalidade e performance cognitiva. Cientistas buscam esclarecer melhor essas conexões desde o século passado, especialmente a partir da década de 1960. “A associação do neuroticismo com problemas de cognição já é bem relatada. E a abertura a novas experiências está positivamente relacionada à cognição, assim como a extroversão está associada a maior velocidade de pensamento e boa memória de longo prazo, mas pior raciocínio e habilidade verbal”, afirma.
Outros trabalhos apontaram, por exemplo, que a agradabilidade está associada a problemas de raciocínio, má orientação espacial e desempenho ruim da cognição geral. As evidências, contudo, ainda são inconsistentes. Em março de 2014, na revista Personality and Individual Differences, Lachman publicou um artigo que buscou dar mais robustez a associações entre personalidade, idade e função cognitiva.
Após analisar resultados de testes rápidos aplicados em 154 adultos de 22 a 84 anos, ela notou que aspectos emocionais negativos da personalidade, como neuroticismo e depressão, foram relacionados a uma menor capacidade de raciocínio.
A especialista concorda com Launer e Everson-Rose ao dizer que o maior conhecimento sobre quais características são associadas com a cognição permitirá que cientistas e médicos encontrem maneiras de adaptar intervenções e recomendações para otimizar a saúde cognitiva. “Teorias indicam que o declínio na cognição é comum após uma certa idade, mas existem grandes diferenças individuais na velocidade e na frequência dessa queda. Meu estudo demonstra a contribuição das diferenças individuais de personalidade para a cognição ao longo da vida adulta, preparando o palco para que trabalhos futuros busquem formas de promover e manter o funcionamento adaptativo e a saúde cognitiva ideal durante a vida adulta.”.