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A Organização Mundial da Saúde (OMS) define saúde mental como o estado de bem-estar que permite ao indivíduo reconhecer as próprias habilidades, além de lidar com o estresse costumeiro e se recuperar dele, sendo produtivo para a comunidade. Pesquisadores do Centro Nacional de Medicina do Esporte e do Exercício, ligada à Universidade Loughborough, no Reino Unido, buscaram compreender o que contribui, na juventude, para uma saúde mental estável na vida adulta. A partir das investigações, a equipe liderada por Mark Hammer encontrou uma relação do bem-estar mental mais pobre aos 42 anos com o tempo que adolescentes de 16 anos gastam em frente a uma tela, como a da televisão ou a do computador. Os detalhes dos estudo foram divulgados recentemente na revista científica Preventive Medicine.
Entre os jovens, 35,3% relataram dedicar mais de três horas a esses equipamentos depois da escola. Desse percentual, a maioria era do sexo masculino, não fumava, consumia álcool moderadamente e não praticava esportes. Tinham também menor nível de escolaridade. Os dados foram obtidos no Estudo de Coorte Britânico de 1970 (BCS70, na sigla em inglês), que acompanhou a vida de 17.284 ingleses, escoceses e galeses. Ao todo, os participantes foram avaliados oito vezes ao longo da vida: aos 5, 10, 16, 26, 30, 34, 38 e 42 anos. No estudo de Hammer, foram considerados dados de participantes com 16 anos, obtidos em 1986, e, aos 42 anos, levantados entre 2012 e 2013.
Em 1986, 166.898 adolescentes responderam a questões sobre comportamentos relacionadas à saúde — como o sedentarismo, avaliado pelo tempo gasto com o dever de casa ou três tipos de diversão: televisão, filmes de vídeo e jogos de computador. Como há 30 anos o acesso a computadores era restrito, a tevê representou a distração mais comum: 91,1% disseram não brincar com jogos eletrônicos após a escola. Na etapa final, aos 42 anos, 56,9% dos indivíduos da amostra original, ou 9.842 pessoas, foram questionados sobre o tempo diário dedicado às telas.
Ao contrário do observado em outros estudos, as associações encontradas por Hammer entre mais tempo de tela na adolescência e maior angústia psicológica na vida adulta foram independentes de o adolescente participar ou não de atividades esportivas. “Isso pode sugerir que a relação entre tempo de tela e saúde mental não é simplesmente explicada pelo engajamento em atividades físicas”, disse o autor.
Isso porque fazer o dever de casa, uma das atividades sedentárias avaliadas no estudo, foi inversamente associada com sofrimento psíquico na idade adulta, o que inclui dificuldades nas relações interpessoais e na funcionalidade para resolver questões rotineiras, como as do trabalho ou as domésticas. “Assim, o contexto do sedentarismo, ou seja, tempo de tela ou leitura, parece ser relevante para as associações entre comportamento sedentário e saúde mental”, acredita Mark Hammer.
Falta de estímulos
Outros estudos tiveram resultados semelhantes aos de Mark Hamer. Um deles é o do pediatra e pesquisador da Universidade de Pittsburgh (EUA) Brian Primack. Publicada em 2009 na Jama Psychiatry, a pesquisa de Primack encontrou correlação entre exposição total à tevê e a outras mídias e maior incidência de sintomas depressivos na vida adulta, especialmente em homens.
Segundo a psiquiatra Helena Moura, a participação em atividades físicas diariamente pode ser ofuscada pelo tempo sedentário. No caso desse estudo, três horas de distração em frente à televisão foram suficientes para prejudicar a saúde mental na idade adulta. “Ou seja: não adianta matricular o seu filho em uma aula de basquete e deixá-lo sedentário todo o resto do dia. O que esse estudo mostrou foi que o benefício não vem só do exercício físico, mas também do engajamento em uma atividade mental produtiva, estimulante, como realizar o dever de casa”, diz a membro da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP).
Moura acredita que estudos na mesma linha, mas com crianças e adolescentes atuais, podem esclarecer se é apenas a influência da tela, e não a falta de estímulo, que afeta negativamente o bem-estar mental na vida adulta. “Hoje, desenhos e programas de televisão, além dos jogos, são didáticos e ensinam, por exemplo, outros idiomas às crianças. Isso me faz questionar se esse tipo de distração também é prejudicial. Pelo sim, pelo não, é bom não ficar parado, pois já sabemos que a atividade física e mental é positiva, ao contrário do sedentarismo.”
Prejuízo em desenvolvimento
Comportamentos sedentários aprendidos durante a infância e a adolescência costumam perdurar na vida adulta. Estima-se que adultos gastem de 60% a 70% do tempo que passam acordados em atividades sedentárias, o que, para eles, eleva o risco de problemas cardiovasculares, depressão, obesidade, hipertensão e até mesmo de doenças mentais relacionadas à velhice, como Alzheimer. Na avaliação do neuropediatra Christian Muller, os “hábitos preguiçosos”, especialmente os relacionados às diversões digitais, começam a estabelecer raízes na infância.
“Embora os jogos de tablet também ofereçam estímulos cognitivos, como identificar formas, eles não oferecem o estímulo motor. A criança só mexe o dedo e pode ter dor de cabeça, alteração visual, dor articular e problemas de postura. Os pais precisam saber que esses dispositivos são ansiogênicos: aumentam o problema da ansiedade e, retirados da criança, agravam o transtorno em vez de melhorá-lo”, esclarece Mulller, que é presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria do Distrito Federal.
No entanto, para algumas famílias, meios de entretenimento digital são itens obrigatórios. Um estudo da Universidade de Michigan publicado, em janeiro, na Jama Pediatrics mostrou que crianças com dificuldades sociais e emocionais em casas de baixa renda são mais propensas a serem “criadas” pela tecnologia móvel, que as acalma e mantém a paz e a tranquilidade no lar. “Descobrimos que, quanto menos controle e mais frustração sentida pelos pais sobre o comportamento dos filhos, mais provável será que recorram a dispositivos móveis para ajudar a acalmar as suas crianças”, diz Jenny Radesky, principal autora do estudo. “Isso beira o cruel”, considera Muller.
Depois dos 2 anos
Um estudo publicado no Jama Pediatrics no mês passado por pesquisadores da Universidade do Norte do Arizona mostrou que brinquedos eletrônicos estão associados com prejuízo na quantidade e na qualidade de palavras aprendidas pelas crianças em relação a jogos, livros ou brinquedos tradicionais. Diante das evidências, a Academia Americana de Pediatria sugere que, abaixo dos 2 anos, a criança não tenha contato com eletrônicos.
Eles estão liberados a partir dessa idade, desde que o tempo gasto brincando com todos os equipamentos juntos não exceda duas horas, ou seja, as duas horas devem ser divididas entre o tablet, o videogame e a tevê. “Repito sempre que os pais não podem se esconder atrás do trabalho. O equilíbrio é o principal. É melhor não ter filhos se não tiver tempo para cuidar e brincar com eles”, aconselha o neuropediatra.