O crescimento do interesse pelo tema revela também o aumento dos espaços ocupados pelas feministas, em especial, na internet. Antes estereotipadas, elas ganharam o apoio de estrelas e famosos. Um exemplo é a cerimônia do Oscar 2016, em que Lady Gaga cantou para o mundo Till It Happens To You, canção sobre assédio e abuso, pautas históricas da luta contra o machismo.
“Um Oscar inteiro falando de racismo e da falta de negros naquele lugar mostra como em todo o mundo tem havido um despertar social, muito por causa do barulho que se faz na internet. O feminismo faz parte desse movimento”, avalia a feminista Luíse Bello, gerente de conteúdo e comunidades da ThinkOlga, organização não governamental de ativismo online.
Em 2015, a organização lançou a hashtag #primeiroassedio, após uma explosão de comentários sexistas a respeito de uma menina de 12 anos, que participava de um programa de televisão. A hashtag foi usada mais de 100 mil vezes no Twitter e fez milhares de mulheres relatarem o primeiro caso de assédio sexual ocorrido com elas. A média de idade relatada no primeiro abuso foi 9 anos. Durante a campanha, foram feitas mais de 11 mil buscas no Google sobre o que é assédio.
“Foi uma oportunidade de educação de muitas mulheres sobre o que é assédio, como ele acontece e o que fazer quando acontece”, acredita Luíse Bello.
Ela defende que o movimento apelidado por especialistas e imprensa como “primavera feminina”, em alusão à Primavera Árabe – onda de manifestações e protestos ocorridos no Oriente Médio e no Norte da África, a partir do final de 2010 – não tem volta.
“Essa estação não vai acabar e vai virar verão. A partir do momento que temos mais mulheres se reconhecendo feministas, atentas a essas causas sociais, se posicionando e lutando pelos seus direitos, não tem retorno.
Para ela, as questões centrais dos debates são as mesmas do feminismo de sempre, mas agora ganharam espaço. “Uma vez que você expande o território feminino de conquistas e poder, ninguém vai tirar o que alcançamos, por exemplo, não vão voltar atrás ao nosso direito ao voto.”
Luíse conta que teve uma criação tradicional. “Sofrendo influências da mídia, de beleza: 'você tem que ser magra, malhar, trabalhar, ser mãe e esposa'”. Ela diz que não se identificava feminista, mas apoiava as demandas. “A gente pensa que, para ser feminista, tem que participar de um movimento ou fazer alguma coisa. E não é isso. Se você concorda que homens e mulheres devem ter direitos iguais na sociedade, você é feminista.”
Aos 26 anos, ela avalia que “se tornar” feminista a ajudou a entender seu papel na sociedade. “Me ajudou a entender que eu traço o meu destino e posso fazer minhas escolhas sem ser julgada. Eu tenho direitos, liberdade de viver minha vida, escolher minha profissão, usar meu cabelo como quiser, ter o corpo que tiver, e não ser obrigada a viver de acordo com padrões. E estar bem assim.”.
Qual a maior barreira para que as mulheres alcancem a igualdade?
Luíse Bello: A gente vive em uma sociedade que não se assume machista, vivemos em estado de negação sobre os problemas que o machismo traz para a sociedade. Então o maior desafio é ter a consciência de que machismo afeta sim a vida das mulheres, que estamos morrendo na mão de parceiros, que muitos homens ainda nos veem como propriedade.
Como a internet ajudou o feminismo a ganhar força, tornando-se tema cotidiano para muitos?
Luíse: A internet ajudou muito o feminismo a ganhar o apoio de mulheres que não eram iniciadas. O movimento ganhou uma nova roupagem e se tornou mais palatável. É o mesmo feminismo que sempre existiu, mas a internet aproximou as causas feministas da realidade das mulheres, mostrou como ele pode ser útil e faz parte de coisas que as mulheres já vivem, mas não refletiam que eram problemas de igualdade de gênero. É muito poderoso o que tem acontecido nos últimos dois anos.
As brasileiras estão mais integradas com as causas feministas do que em outros países?
Luíse: A internet facilita a manifestação, derruba fronteiras e une mulheres de todo mundo, conhecemos os problemas dos outros países, acompanhando a internet, ficamos sabendo do que acontece, isso também fortalece o feminismo.
A reação negativa ao movimento é forte?
Luíse: Muitos espaços já não admitem o machismo e o racismo, tudo é questionado. Tem gente que reclama disso, que acha que o mundo está ficando politicamente correto e que as pessoas estão vendo racismo em tudo. Mas a ideia é essa mesmo, mostrar que o machismo, o racismo e a misoginia estão presentes em tudo e é isso que precisa mudar para melhorar a sociedade. Ainda existe muita violência online contra as feministas declaradas, ainda assim acredito que a força da internet em prol do feminismo é muito maior que qualquer revolta. Mas existem muitas feministas que são perseguidas na internet sim, pelo fato de questionarem privilégios masculinos. A internet é um ambiente muito belicoso para todos os gêneros, mas as mulheres sofrem mais porque o machismo também se estende para a internet..