Colo quando o bebê chora ou chupeta para acalmá-lo? Escola com o fim da licença-maternidade ou esperar a chegada dos 3 anos? Parto normal ou cesariana? Banho em família ou cada um com a sua privacidade? Não importa o dilema da maternidade e da paternidade, as decisões tomadas no cuidado e educação dos filhos são, além de pautadas pelos valores familiares e culturais, confrontadas com o conhecimento produzido sobre infância, desenvolvimento infantil e com as transformações da sociedade. Por que o mundo não para. O que já foi consenso, começa a ser questionado. O que já foi tabu, começa a ser enfrentado. Optar pelo passado ou apostar no futuro, é, por isso, uma decisão política. Alguns preferem abrir o caminho, outros se sentem mais seguros na retaguarda.
Quando o humorista dinamarquês Torben Chris publicou em seu Facebook, no final do ano passado, uma imagem que mostrava ele e a filha tomando banho juntos em uma banheira, o ator não podia imaginar que a publicação correria o mundo e se acumulariam centenas de críticas agressivas ao seu post, incluindo a de pedófilo. “Crianças e adultos podem ficar nus juntos. Se não pudéssemos nos ver pelados, teríamos nascido com roupas. Ficar nu com seu filho não é rude. É natural. Um pai com a filha no banho não é pedofilia, é divertido”. Essa foi a reposta do ator que afirmou ainda ter se assustado com as acusações.
O fato de Torben ser homem e pai de uma menina provavelmente foi o gatilho que fez com que essa imagem ganhasse tamanha repercussão. Apesar de o banho coletivo de pais e mães com seus filhos já ser hábito para muitas famílias, a reação agressiva que se travou no ambiente virtual se sustenta na cultura. Isso por que ainda é raro o homem assumir o cuidado com suas crianças. O relatório Progresso das Mulheres no Mundo 2015-2016, elaborado pela Organização das Nações Unidas (ONU), mostra que elas ainda fazem quase duas vezes e meia mais trabalho doméstico e de cuidados com os filhos e filhas que seus companheiros.
Instrumento de aprendizagem
Fato é que se para algumas famílias o banho coletivo é um hábito, mas para tantas outras, ainda é tabu. “Onde é um hábito, não há tabu. O hábito é um comportamento rotineiro, que faz parte da história da pessoa, enquanto o tabu é uma crença estabelecida ou imposta que tem uma conotação moral e, em geral, é aceita sem ser questionada. Às vezes, o que era um tabu deixa de sê-lo, quando aos poucos se torna um hábito”, explica a psiquiatra e psicanalista Gilda Paoliello. Para ela, se o banho coletivo é um hábito da família vivido com naturalidade, não há problemas em pais e mães tomarem banho com seus filhos e suas filhas.
Psicopedagoga e psicanalista, Cristina Silveira acredita que, paulatinamente, tal tabu tem sido derrubado. “Já houve épocas em que seria culturalmente inadmissível um homem dar banho nos seus filhos, principalmente se a criança fosse do sexo feminino. Felizmente, os pais estão se envolvendo mais nos cuidados dos bebês e das crianças em casa”, pondera.
Para Paoliello, o próprio papel do homem como cuidador ainda é socialmente um tabu e uma exceção. “Nos casos do banho conjunto entre pai e filha, a conotação moral é ainda sustentada no fato de que os cuidados com as crianças estarem sobre a responsabilidade das mulheres: mães, tias, avós e babás. A partir do momento em que a mulher reparte com o homem a responsabilidade do sustento da casa, os homens deveriam também assumir mais a responsabilidade em cuidar dos filhos”, salienta.
A psicóloga Aretha Castro, 32 anos, é mãe de Marina, 6, e Carolina, 4, e conta que o hábito do banho coletivo começou com as meninas ainda muito pequenas, aos 6 meses, quando a família viajava e elas tomavam banho ‘de chuveirão’ no colo da mãe ou do pai. “Para quem cuida sozinha das crianças, o tempo é curto. Se não tomo com elas, fico sem banho, porque durmo antes de cansaço”, relata.
Aretha diz que, no início, tomava banho com as filhas de calcinha. “Mas depois percebi que era bobagem. A Marina já me perguntou por que eu tenho pelo e ela não. Expliquei que era coisa de adulto e foi tranquilo. Também troco de roupa corriqueiramente na frente delas. Acredito que dessa forma, a percepção sobre o próprio corpo e o corpo do outro pelas crianças vêm com naturalidade”, diz.
A psicóloga diz que se fosse mãe de um menino, agiria da mesma maneira, mas reconhece certa dificuldade em lidar com a nudez do marido diante das filhas. “Quando as meninas eram menores, o banho coletivo era com a família toda”, recorda-se. No entanto, a pedido dela, o marido parou de tomar banho com as filhas recentemente. “Eu comecei a me importar com o fato de ele tomar banho pelado com elas. Acredito que ele também. A Marina começou a fazer perguntas sobre o corpo dele e me senti constrangida. Ele dá banho nelas e, caso precise entrar no chuveiro junto com as crianças, é sempre de cueca ou short”, relata.
Por outro lado, Aretha diz que o marido não se sente desconfortável na tarefa de cuidados com o corpo das filhas. “Quando a gente sai, já está estabelecido que quem leva ao banheiro para fazer xixi ou cocô é ele. Ele entende como uma tarefa dele”, diz.
De ajudante a cuidador
Cristina Silveira afirma que o lugar do pai autoritário tem sido substituído pela do pai que começa a reivindicar seu espaço nesses momentos de cuidado e troca de afeto com as crianças: dar banho, dar mamadeira, trocar de roupas, reuniões em escolas. “Logicamente ainda existe muito preconceito quando os homens auxiliam nessas funções rotineiramente ou cotidianamente. Tal fato pode levá-los, inclusive, a serem alvos de críticas ou mesmo de elogios exagerados. Ou seja, para a grande maioria, essa situação ainda não é considerada normal”, salienta.
Estimulação corporal
Além da questão de gênero, a decisão pelo banho coletivo vem ainda acompanhada de outras reflexões. Naturalizar o corpo e pensá-lo como o arcabouço da nossa existência ou o que nos permite estar no mundo como pessoa pode ser um ensinamento interessante para meninos e meninas? Vivemos numa sociedade que hipervaloriza aparência e beleza, além de hiperssexualizar e objetificar o corpo feminino. Pais e mães que lidam de forma natural e aceitam seus corpos estariam, em alguma medida, ajudando na consolidação da autoestima de seus filhos e de suas filhas?
Gilda Paoliello afirma que o corpo é um veículo de aprendizagem. “É com o corpo, com as sensações nele despertadas, que a criança descobre o mundo, aprende a criar conceitos abstratos sobre ela própria e para as outras pessoas. A criança aprende pela percepção e conjunto expressivo dos adultos: o tom da voz, a atitude corporal, a mímica, o toque”, afirma.
A especialista explica que, na formação do feto, a pele e o sistema nervoso têm origem conjunta. “Eles se diferenciam do mesmo folheto embrionário. Após o nascimento, as sensações impressas na pele do bebê pelo toque serão transmitidas pelo sistema nervoso para os centros cerebrais onde se constrói o esquema corporal e a própria imagem. É a pele que dá a noção de conjunto e unidade às várias partes de nosso corpo. Também é a pele que delimita o dentro e o fora, funcionando como limite e ponto de contato com o mundo. Além disso, é através da imagem corporal do outro, das identificações que a criança faz com esse outro que o ‘eu’, a identidade, e a sexualidade são construídas”, observa.
Dessa forma, segundo ela, uma criança com pobre estimulação corporal terá dificuldades em construir sua identidade e estabelecer seus limites. “Por isso Freud diz que o ‘eu’ é, antes de tudo, corporal. O contato que se faz rotineiramente no bebê no banho, mamadas e troca de fraldas deve ser estendido às crianças mais crescidas, através de toques e brincadeiras, e possibilitando novos padrões de relacionamentos. Esse hábito pode, inclusive, diminuir a agressividade da criança. Abracem suas crianças, brinquem, rolem no chão. Isso fará bem a elas e aos pais e às mães”, salienta.
Cristina Silveira lembra ainda que a criança se reconhece como ser independente do outro à medida que passa a reconhecer o próprio corpo. “O primeiro momento em que isso acontece se dá nos primeiros meses de vida, quando o bebê percebe que a mãe não é ele. Ou seja, a criança se reconhece corporeamente e psiquicamente separados dessa mãe e se identifica como pessoa, como ego. A partir daí, essa noção e experiência do próprio corpo, torna-se a cada dia mais clara e intensa com a descoberta dos braços, dos pés e assim por diante”, esclarece.
A psicóloga Aretha Castro acredita que se sentir confortável com a nudez diante dos filhos e filhas ajuda a desmistificá-la. “Quem se esconde demais está dizendo que o corpo nu não pode fazer parte da convivência. Eu entendo que quando você impede que a criança compreenda que a mãe tem um corpo, que o pai tem um corpo, de certa forma você está dizendo que esse corpo não é acessível. Então, o corpo da criança também não será, nem para ela própria”, pontua.
Construindo o autoestima
Aretha conta que, quando Carolina nasceu, ela era extremamente magra, mas depois que a caçula desmamou, com dois anos e meio, ganhou peso. “Meu corpo mudou. Eu passei por um processo de lidar com esse corpo. Fui fazer atividade física, diminuí o sedentarismo, mas o meu corpo mudou em razão das duas gestações. Apesar de ser uma questão com a qual estou lidando, tento apresentá-la às meninas com muita leveza. A questão do peso ou da flacidez não é defeito. Eu não falo perto delas, por exemplo, 'a mamãe está gorda', 'a mamãe está feia' ou 'a mamãe precisa perder a barriga'. Esse tipo de conversa, a meu ver, não tenho que ter com elas. Comprei recentemente um biquíni de cintura alta e a Marina falou ao me ver: 'Mamãe, você está linda'. Percebo que ela elogia pessoas na tevê que não têm um padrão de corpo estético de magreza, como o idealizado. Ela entende a diferença como bonito e eu acho que tem muito ver com o fato de eu não esconder o meu corpo, de não sentir vergonha dele”, conta.
A mãe de Marina e Carolina também acredita que “aceitar o próprio corpo - esse corpo que é tão criticável o tempo todo - ajuda que minhas filhas aceitem os delas como eles são. Não adianta eu dizer 'goste de você do jeito que você é' se eu não me gostar. Pessoalmente, é um exercício para mim e tento transmitir a elas que temos que lidar com nosso corpo de forma amorosa”, afirma.
Para ela, todas essas questões vão culminar com o entendimento do direito ao próprio corpo. “A criança precisa saber que corpo é dela, que ninguém pode colocar a mão se ela não quiser. Por isso, sempre peço autorização para tocar o corpo das minhas filhas, é um processo que precisa correr em paralelo. Quando vou lavar o bumbum, aviso: 'Mamãe vai limpar, tudo bem? Você quer lavar ou quer que a mamãe lave?'”, exemplifica.
Como mãe de menina, Aretha também se preocupa com a questão da objetificação do corpo feminino perpetuado pelo machismo. “O risco da objetificação é quando a pessoa não entende que aquele corpo é dela. Se o corpo é dela, o corpo é sujeito. Então, se o corpo é meu, o corpo do outro é do outro, pertence ao outro e não pode me ser objeto, é sujeito do outro”, pondera.
Para ela, são ensinamentos que caminham juntos: o respeito pelo corpo do outro e ter ciência do direito ao próprio corpo. “Não acho que tudo é tão pensado ou calculado. É prático. Não tenho vergonha do meu corpo e pronto. Mas acho que todos esses valores vão gerar benefícios em longo prazo. São questões que estão interligadas e fazem parte de um conjunto. O banho coletivo começou por uma questão de praticidade, mas tem problematização por trás sim”, acredita.
Gilda Paoliello afirma que a familiaridade com o próprio corpo e o corpo do outro permite o conhecimento e aceitação da própria imagem, mas também ajuda na construção da identidade. “Essa relação de cumplicidade e respeito transmite confiança à criança”, explica. Por outro lado, se num primeiro momento as crianças não têm uma visão erótica dessas manifestações, posteriormente elas terão e, segundo a especialista, podem querer viver essas descobertas de forma íntima, em sua privacidade.
Filhos saudáveis e confiantes
A procuradora federal Gabriela Ayres Furtado, 38 anos, mãe de Miguel, 6 anos, e Nina, 4, concorda que a preocupação em não esconder o corpo dos filhos a todo momento pode ajudá-los a ter uma relação saudável com o próprio corpo e fortalecê-los em relação às pressões de padrões de beleza que já atingem o universo masculino. A cada dois minutos no Brasil, um homem faz plástica. Levantamento da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP) mostra que, entre 2009 e 2014, a quantidade de procedimentos realizadas por brasileiros passou de 72 mil para 276 mil ao ano. “Ontem mesmo a Nina estava questionando no banho o tamanho dos seus pés, que eles eram maiores que o da coleguinha e que elas tinham a mesma idade. O discurso é sempre o de aceitar do jeito que está”, afirma Gabriela.
Cristina Silveira explica que a aceitação ou não da própria imagem pela criança acontecerá à medida que os pais e outras pessoas próximas enxergarem seus filhos e filhas como saudáveis e confiantes. “Os adultos são para a criança um espelho, no qual elas se enxergam através dessas avaliações e impressões que são repassadas à ela”, acredita.
Dessa forma, segundo a psicopedagoga e psicanalista, é através desse olhar e dessas reações e avaliações do uso do corpo pelo adulto que serão construídos os valores internalizados pela criança. “O adulto é um modelo de conduta e de reações em quem a criança irá se amparar, ela irá compreender o uso do corpo através do olhar e das atitudes dos próprios pais. Enquanto são pequenas e vivem suas experiências no núcleo familiar, esses valores em relação ao corpo serão identificados e internalizados acompanhando a cultura familiar. Mas ao adentrarem no mundo escolar, a cultura e os valores da sociedade, podem modificar ou intensificar tal compreensão e internalização de valores sociais”, reforça.
Cristina Silveira reforça a importância de a criança se sentir respeitada e amada. “Os pais não devem tocar o corpo de seus filhos com gestos bruscos, manifestar sensação de repulsa, nojo, ou mesmo criticá-lo. A criança deve saber que o corpo precisa ser cuidado e tratado com respeito”, diz.
Segundo ela, pais e mães precisam estar atentos para perceber se o limite da privacidade da criança não está sendo invadido já que o direito ao próprio corpo é um ensinamento importante para meninos e meninas e o respeito, a base de todo relacionamento saudável emocionalmente. “Não é por que uma criança é inocente e seu corpo é pequeno que esse ser humano não precisa ser respeitado como tal. Se o banho em família e a nudez dos pais começam a ser motivo de constrangimento ou faz com que a criança se sinta exposta, o que deve ser feito é interromper o banho coletivo”, recomenda.
Curiosidade
Cristina Silveira diz que é a partir dos 4 ou 5 anos que a criança está apta a identificar as diferenças do próprio corpo e do corpo do adulto e certamente ela irá fazer perguntas sobre a sexualidade. “É a partir daí que os pais devem avaliar o quanto conseguirão tratar o assunto com a naturalidade devida”, pondera.
Gabriela Ayres Furtado afirma lidar muito bem com as perguntas que os pequenos fazem. “Lembro de uma vez que o Miguel se enfiou debaixo de mim e perguntou: 'é por aqui que sai o xixi?'. Ele já teve a fase de achar estranho pelo no corpo do adulto, mas respondo a tudo como se ele estivesse me perguntando por que a minha orelha é furada e a dele não. Meu marido já tem mais dificuldade em lidar com a curiosidade dos dois em relação ao corpo”, conta.
A mãe de Miguel e Nina diz que o limite para qualquer assunto com a criança é construído socialmente, mas também uma decisão do pai e da mãe. “Ensinar sobre os limites do corpo e sobre o acesso a ele, passa pela compreensão também de outros limites como até o de não aceitar comida de qualquer pessoa que ofereça. As crianças aprendem muito por repetição das atitudes dos adultos. Nunca precisei dizer a eles, por exemplo, que é preciso fechar a porta quando se vai usar o banheiro de um shopping. Lá em casa temos esse hábito. Miguel e Nina têm acesso ao banheiro quando eu e meu marido estamos usando, mas isso não dificulta a noção deles de que é um momento de intimidade”, diz.
Autonomia
Gilda Paoliello reforça que, nas famílias onde o hábito do banho coletivo se dá de forma natural, a criança também vai, naturalmente, caminhar para uma autonomia em relação aos cuidados que a levará a buscar um espaço de intimidade, que o adulto deve respeitar. “É esta umas das funções da educação: ensinar a criança a ser livre e conhecer os limites da liberdade, através do respeito ao outro”, diz a psicanalista.
De acordo com a especialista, a apropriação do próprio corpo permite que a criança tenha maior autonomia também para preservá-lo. “A criança aprende a reconhecer o que quer ou não, o que lhe causa prazer, quem pode mexer no seu corpo ou não, para quem pode mostrá-lo. Sabendo dos seus limites, a criança aprende a respeitar o próprio corpo e, consequentemente, o corpo do outro”, salienta.
Hora de encerrar o banho conjunto
Um sinal de que é chegada a hora de encerrar o ciclo do banho coletivo é quando as perguntas e atitudes da criança em relação ao corpo do adulto e às diferenças causarem intimidações. “A criança é um ser em mutação, não há malícias nas perguntas, elas são intrínsecas ao desenvolvimento. Mas se causam constrangimento aos pais é uma sinalização de que o ‘serzinho’ deve iniciar uma nova etapa em seus hábitos, agora não mais em comum com o adulto, mas supervisionada. Essas mudanças devem ser apresentadas à criança como uma conquista, nunca como perda, castigo ou culpa. O respeito é uma forma importantíssima de carinho e cuidado”, salienta Gilda Paoliello.
Outro ponto fundamental é a coerência entre o que se pensa ou sente e o que se faz. Segundo a especialista, os adultos, com frequência, transmitem dupla mensagem e colocam em palavras coisas que nem sempre correspondem a atitude corporal, atos ou expressão de afeto. “As crianças são verdadeiros radarzinhos. Mesmo que não tenham percepção consciente da incoerência, elas fazem o registro que é ressignificado posteriormente. Incoerência deixa a criança confusa e insegura”, pondera.
Caso o desejo de tomar banho sozinho se manifeste antes que a criança desenvolva todas as habilidades para se higienizar corretamente, a sugestão é explicar que ela ainda precisa aprender a si cuidar e que pai ou mãe estão ali para ensiná-la.
E fora de casa?
Se você é um adulto responsável por alguma criança – mesmo que não rotineiramente – lembre-se que pedir licença para tocar o corpo de meninos e meninas é uma forma delicada de mostrar que a criança é respeitada. A regra vale tanto para quando for ajudar uma criança no banho ou no momento de higiene após a ida ao banheiro. Para a psiquiatra e psicanalista Gilda Paoliello, o adulto deve sempre se colocar no lugar da criança e permitir que ela se sinta acolhida em suas dúvidas.
Em relação aos banhos fora de casa, a especialista recomenda que as especificidades em relação aos hábitos da família e da criança sejam esclarecidas entre os adultos que, de alguma forma, ficarem responsáveis por ela. “A palavra deve circular livremente para não haver mal-entendido ou mal-estar”, reforça.
Por outro lado, a visita da criança à casa de um amigo ou amiga - e até de familiares - é também uma oportunidade para orientá-la. “Ela precisa saber que nem sempre encontrará fora de casa o que recebe da mãe e do pai. A família também deve ter cuidado para não alimentar paranóias na criança para não levá-la a considerar o outro sempre como uma ameaça. Meninos e meninas necessitam reconhecer essas diferenças, tanto para proteger-se como para respeitá-las”, afirma Paoliello.
É comum também que o banho fora de casa venha acompanhado do desejo da criança em se banhar na companhia do amigo, amiga, primo ou prima. Nessa situação, Cristina Silveira considera importante a supervisão de um adulto. “Seja na escola ou em casas de colegas, as crianças terão experiências sociais que podem diferir daquelas aprendidas em casa. Pode acontecer de uma das crianças querer experimentar o corpo da outra sem nenhuma noção de perigo ou que possa estar invadindo a privacidade do colega. Quem irá dar a medida e o limite social nessas situações é sempre o adulto, que deve mediar essas experiências”, conclui.
Gabriela Ayres Furtado conta que Miguel e Nina já dormiram na casa de amiguinhos e, consequentemente, já tomaram banho sem a sua supervisão. “Geralmente, nessas situações é a mãe do colega ou a babá que dá o banho. Da mesma forma que eu dou quando recebo alguma criança na minha casa. São famílias muito conhecidas e eu não me importaria se fosse o pai que desse o banho. Acredito que vai muito da convivência que os casais têm entre si, mas no geral, não me incomodaria em ser o homem – pai de um colega dos meus filhos – o responsável por esse cuidado com as crianças”, afirma.
Gabriela admite que não é toda família que vai lidar com tranquilidade com a situação de um homem dando banho no seu filho ou filha, principalmente se for uma menina. “A gente tem a tendência maior em aceitar o corpo da mãe exposto em razão até da amamentação e do parto. O pai ainda enfrenta certo preconceito pra exercer essa paternidade e a sociedade vive um pânico exagerado com medo de pedofilia. Para mim, o banho coletivo em família tem um quê de praticidade, sem dúvida nenhuma. Mas é também uma questão de posicionamento em relação a diversos temas, um momento rico de afeto, cuidado e aprendizado”, sintetiza.
Mais polêmica
Torben Chris não foi o primeiro famoso a protagonizar uma discussão nas redes sociais sobre o banho coletivo. O brasileiro Roberto Justus também se irritou com as críticas que a sua atual esposa, a modelo Ana Paula Siebert, recebeu em seu perfil no Instagram depois que ela publicou uma foto, também na banheira, com a sua afilhada Valentina e a enteada Rafaela Justus. As três tomavam banho juntas. Rafaela é filha de Justus com Ticiane Pinheiro.
O publicitário e empresário não se abateu: "Não costumo me manifestar, mas não aguentei. Fui eu que fiz a foto. E a Rafinha se divertiu demais! Quanta gente ridícula e mal amada! Quanta bobagem! Elas se adoram e brincaram de biquíni na banheira de espuma. Desnecessárias são as opiniões equivocadas de pessoas que não tem mais o que fazer a não ser implicar com os outros”.
Para a publicitária e idealizadora do projeto Na pracinha, Flávia Pellegrini, 36 anos, mãe de Cecília, 5, e Olívia, 1, é a conotação sexual fortemente atrelada à nudez que alimenta o tabu em relação ao banho coletivo. Sem empregada ou babá, ela e as filhas tomam banho em conjunto usualmente. “É pela diversão, mas também pela praticidade. É um momento em família, de descontração, carinho e cuidados. Não tenho problema em ficar nua na frente das meninas e respondo as perguntas de Cecília naturalmente”, diz.
Apesar de seu companheiro dar banho em Cecília e Olívia, o pai nunca tomou banho com as garotinhas. “Achamos desnecessário incentivar essa curiosidade no momento. Acreditamos que quando elas estiverem um pouco maiores seja importante explicar melhor as diferenças do corpo da mulher e do homem. Na escola, o uso do banheiro é separado por gênero e decidimos seguir o mesmo comportamento para evitar contradições”, explica.
Eliane de Souza é membro da Sociedade Mineira de Pediatria
Quais as principais recomendações e cuidados para o banho do recém-nascido?
O cuidado com o banho do recém-nascido começa com a preparação do que será necessário: a separação da roupa da criança e o que será usado no pós-banho como o creme protetor da região de fraldas. Depois de tudo preparado, é o momento de colocar a água na banheira e verificar a temperatura. Se não tiver termômetro, coloque a face interna do punho na água. Nunca coloque a criança na banheira sem antes verificar a temperatura.
Quando o bebê já se senta, não se deve deixá-lo, em hipótese alguma, sozinho na banheira ou sobre algum móvel para buscar alguma coisa que faltou.
Se for dar dois banhos no bebê, não se deve usar sabonete no segundo, apenas na genitália e região anal. Mesmo os sabonetes adequados para as crianças podem ressecar a pele do bebê que é muito delicada e sensível.
Em que fase o bebê já pode tomar banho de chuveiro no colo do pai ou da mãe? Existe alguma recomendação?
A partir do sexto mês de idade, quando a criança já tem um controle do pescoço e da coluna tóraco-lombar. É preciso ter atenção para não cair com a criança e evitar que o bebê beba a água do banho. As crianças com idade entre 2 a 5 anos são muito curiosas e esse interesse faz parte do desenvolvimento. Se os pais e as mães sentirem constrangimento pela curiosidade da criança ou se houver insistência do filho ou filha em tocar a genitália dos cuidadores, recomendo que esses banhos cessem.
Qual o marco do desenvolvimento que mostra que a criança já pode sair da banheira e tomar banho em pé no chuveiro?
O marco é a marcha, quando a criança anda sem dificuldades.
Quando a criança pode/deve começar a tomar banho sozinha?
A partir de 5 anos, a criança já deve ser estimulada a tomar banho sozinha, mas com a supervisão dos cuidadores.
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O fato de Torben ser homem e pai de uma menina provavelmente foi o gatilho que fez com que essa imagem ganhasse tamanha repercussão. Apesar de o banho coletivo de pais e mães com seus filhos já ser hábito para muitas famílias, a reação agressiva que se travou no ambiente virtual se sustenta na cultura. Isso por que ainda é raro o homem assumir o cuidado com suas crianças. O relatório Progresso das Mulheres no Mundo 2015-2016, elaborado pela Organização das Nações Unidas (ONU), mostra que elas ainda fazem quase duas vezes e meia mais trabalho doméstico e de cuidados com os filhos e filhas que seus companheiros.
Instrumento de aprendizagem
Fato é que se para algumas famílias o banho coletivo é um hábito, mas para tantas outras, ainda é tabu. “Onde é um hábito, não há tabu. O hábito é um comportamento rotineiro, que faz parte da história da pessoa, enquanto o tabu é uma crença estabelecida ou imposta que tem uma conotação moral e, em geral, é aceita sem ser questionada. Às vezes, o que era um tabu deixa de sê-lo, quando aos poucos se torna um hábito”, explica a psiquiatra e psicanalista Gilda Paoliello. Para ela, se o banho coletivo é um hábito da família vivido com naturalidade, não há problemas em pais e mães tomarem banho com seus filhos e suas filhas.
Psicopedagoga e psicanalista, Cristina Silveira acredita que, paulatinamente, tal tabu tem sido derrubado. “Já houve épocas em que seria culturalmente inadmissível um homem dar banho nos seus filhos, principalmente se a criança fosse do sexo feminino. Felizmente, os pais estão se envolvendo mais nos cuidados dos bebês e das crianças em casa”, pondera.
Para Paoliello, o próprio papel do homem como cuidador ainda é socialmente um tabu e uma exceção. “Nos casos do banho conjunto entre pai e filha, a conotação moral é ainda sustentada no fato de que os cuidados com as crianças estarem sobre a responsabilidade das mulheres: mães, tias, avós e babás. A partir do momento em que a mulher reparte com o homem a responsabilidade do sustento da casa, os homens deveriam também assumir mais a responsabilidade em cuidar dos filhos”, salienta.
A psicóloga Aretha Castro, 32 anos, é mãe de Marina, 6, e Carolina, 4, e conta que o hábito do banho coletivo começou com as meninas ainda muito pequenas, aos 6 meses, quando a família viajava e elas tomavam banho ‘de chuveirão’ no colo da mãe ou do pai. “Para quem cuida sozinha das crianças, o tempo é curto. Se não tomo com elas, fico sem banho, porque durmo antes de cansaço”, relata.
Aretha diz que, no início, tomava banho com as filhas de calcinha. “Mas depois percebi que era bobagem. A Marina já me perguntou por que eu tenho pelo e ela não. Expliquei que era coisa de adulto e foi tranquilo. Também troco de roupa corriqueiramente na frente delas. Acredito que dessa forma, a percepção sobre o próprio corpo e o corpo do outro pelas crianças vêm com naturalidade”, diz.
A psicóloga diz que se fosse mãe de um menino, agiria da mesma maneira, mas reconhece certa dificuldade em lidar com a nudez do marido diante das filhas. “Quando as meninas eram menores, o banho coletivo era com a família toda”, recorda-se. No entanto, a pedido dela, o marido parou de tomar banho com as filhas recentemente. “Eu comecei a me importar com o fato de ele tomar banho pelado com elas. Acredito que ele também. A Marina começou a fazer perguntas sobre o corpo dele e me senti constrangida. Ele dá banho nelas e, caso precise entrar no chuveiro junto com as crianças, é sempre de cueca ou short”, relata.
Por outro lado, Aretha diz que o marido não se sente desconfortável na tarefa de cuidados com o corpo das filhas. “Quando a gente sai, já está estabelecido que quem leva ao banheiro para fazer xixi ou cocô é ele. Ele entende como uma tarefa dele”, diz.
De ajudante a cuidador
Cristina Silveira afirma que o lugar do pai autoritário tem sido substituído pela do pai que começa a reivindicar seu espaço nesses momentos de cuidado e troca de afeto com as crianças: dar banho, dar mamadeira, trocar de roupas, reuniões em escolas. “Logicamente ainda existe muito preconceito quando os homens auxiliam nessas funções rotineiramente ou cotidianamente. Tal fato pode levá-los, inclusive, a serem alvos de críticas ou mesmo de elogios exagerados. Ou seja, para a grande maioria, essa situação ainda não é considerada normal”, salienta.
Estimulação corporal
Além da questão de gênero, a decisão pelo banho coletivo vem ainda acompanhada de outras reflexões. Naturalizar o corpo e pensá-lo como o arcabouço da nossa existência ou o que nos permite estar no mundo como pessoa pode ser um ensinamento interessante para meninos e meninas? Vivemos numa sociedade que hipervaloriza aparência e beleza, além de hiperssexualizar e objetificar o corpo feminino. Pais e mães que lidam de forma natural e aceitam seus corpos estariam, em alguma medida, ajudando na consolidação da autoestima de seus filhos e de suas filhas?
Gilda Paoliello afirma que o corpo é um veículo de aprendizagem. “É com o corpo, com as sensações nele despertadas, que a criança descobre o mundo, aprende a criar conceitos abstratos sobre ela própria e para as outras pessoas. A criança aprende pela percepção e conjunto expressivo dos adultos: o tom da voz, a atitude corporal, a mímica, o toque”, afirma.
A especialista explica que, na formação do feto, a pele e o sistema nervoso têm origem conjunta. “Eles se diferenciam do mesmo folheto embrionário. Após o nascimento, as sensações impressas na pele do bebê pelo toque serão transmitidas pelo sistema nervoso para os centros cerebrais onde se constrói o esquema corporal e a própria imagem. É a pele que dá a noção de conjunto e unidade às várias partes de nosso corpo. Também é a pele que delimita o dentro e o fora, funcionando como limite e ponto de contato com o mundo. Além disso, é através da imagem corporal do outro, das identificações que a criança faz com esse outro que o ‘eu’, a identidade, e a sexualidade são construídas”, observa.
Dessa forma, segundo ela, uma criança com pobre estimulação corporal terá dificuldades em construir sua identidade e estabelecer seus limites. “Por isso Freud diz que o ‘eu’ é, antes de tudo, corporal. O contato que se faz rotineiramente no bebê no banho, mamadas e troca de fraldas deve ser estendido às crianças mais crescidas, através de toques e brincadeiras, e possibilitando novos padrões de relacionamentos. Esse hábito pode, inclusive, diminuir a agressividade da criança. Abracem suas crianças, brinquem, rolem no chão. Isso fará bem a elas e aos pais e às mães”, salienta.
Cristina Silveira lembra ainda que a criança se reconhece como ser independente do outro à medida que passa a reconhecer o próprio corpo. “O primeiro momento em que isso acontece se dá nos primeiros meses de vida, quando o bebê percebe que a mãe não é ele. Ou seja, a criança se reconhece corporeamente e psiquicamente separados dessa mãe e se identifica como pessoa, como ego. A partir daí, essa noção e experiência do próprio corpo, torna-se a cada dia mais clara e intensa com a descoberta dos braços, dos pés e assim por diante”, esclarece.
A psicóloga Aretha Castro acredita que se sentir confortável com a nudez diante dos filhos e filhas ajuda a desmistificá-la. “Quem se esconde demais está dizendo que o corpo nu não pode fazer parte da convivência. Eu entendo que quando você impede que a criança compreenda que a mãe tem um corpo, que o pai tem um corpo, de certa forma você está dizendo que esse corpo não é acessível. Então, o corpo da criança também não será, nem para ela própria”, pontua.
Construindo o autoestima
Aretha conta que, quando Carolina nasceu, ela era extremamente magra, mas depois que a caçula desmamou, com dois anos e meio, ganhou peso. “Meu corpo mudou. Eu passei por um processo de lidar com esse corpo. Fui fazer atividade física, diminuí o sedentarismo, mas o meu corpo mudou em razão das duas gestações. Apesar de ser uma questão com a qual estou lidando, tento apresentá-la às meninas com muita leveza. A questão do peso ou da flacidez não é defeito. Eu não falo perto delas, por exemplo, 'a mamãe está gorda', 'a mamãe está feia' ou 'a mamãe precisa perder a barriga'. Esse tipo de conversa, a meu ver, não tenho que ter com elas. Comprei recentemente um biquíni de cintura alta e a Marina falou ao me ver: 'Mamãe, você está linda'. Percebo que ela elogia pessoas na tevê que não têm um padrão de corpo estético de magreza, como o idealizado. Ela entende a diferença como bonito e eu acho que tem muito ver com o fato de eu não esconder o meu corpo, de não sentir vergonha dele”, conta.
A mãe de Marina e Carolina também acredita que “aceitar o próprio corpo - esse corpo que é tão criticável o tempo todo - ajuda que minhas filhas aceitem os delas como eles são. Não adianta eu dizer 'goste de você do jeito que você é' se eu não me gostar. Pessoalmente, é um exercício para mim e tento transmitir a elas que temos que lidar com nosso corpo de forma amorosa”, afirma.
Para ela, todas essas questões vão culminar com o entendimento do direito ao próprio corpo. “A criança precisa saber que corpo é dela, que ninguém pode colocar a mão se ela não quiser. Por isso, sempre peço autorização para tocar o corpo das minhas filhas, é um processo que precisa correr em paralelo. Quando vou lavar o bumbum, aviso: 'Mamãe vai limpar, tudo bem? Você quer lavar ou quer que a mamãe lave?'”, exemplifica.
Como mãe de menina, Aretha também se preocupa com a questão da objetificação do corpo feminino perpetuado pelo machismo. “O risco da objetificação é quando a pessoa não entende que aquele corpo é dela. Se o corpo é dela, o corpo é sujeito. Então, se o corpo é meu, o corpo do outro é do outro, pertence ao outro e não pode me ser objeto, é sujeito do outro”, pondera.
Para ela, são ensinamentos que caminham juntos: o respeito pelo corpo do outro e ter ciência do direito ao próprio corpo. “Não acho que tudo é tão pensado ou calculado. É prático. Não tenho vergonha do meu corpo e pronto. Mas acho que todos esses valores vão gerar benefícios em longo prazo. São questões que estão interligadas e fazem parte de um conjunto. O banho coletivo começou por uma questão de praticidade, mas tem problematização por trás sim”, acredita.
Gilda Paoliello afirma que a familiaridade com o próprio corpo e o corpo do outro permite o conhecimento e aceitação da própria imagem, mas também ajuda na construção da identidade. “Essa relação de cumplicidade e respeito transmite confiança à criança”, explica. Por outro lado, se num primeiro momento as crianças não têm uma visão erótica dessas manifestações, posteriormente elas terão e, segundo a especialista, podem querer viver essas descobertas de forma íntima, em sua privacidade.
Filhos saudáveis e confiantes
A procuradora federal Gabriela Ayres Furtado, 38 anos, mãe de Miguel, 6 anos, e Nina, 4, concorda que a preocupação em não esconder o corpo dos filhos a todo momento pode ajudá-los a ter uma relação saudável com o próprio corpo e fortalecê-los em relação às pressões de padrões de beleza que já atingem o universo masculino. A cada dois minutos no Brasil, um homem faz plástica. Levantamento da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP) mostra que, entre 2009 e 2014, a quantidade de procedimentos realizadas por brasileiros passou de 72 mil para 276 mil ao ano. “Ontem mesmo a Nina estava questionando no banho o tamanho dos seus pés, que eles eram maiores que o da coleguinha e que elas tinham a mesma idade. O discurso é sempre o de aceitar do jeito que está”, afirma Gabriela.
Cristina Silveira explica que a aceitação ou não da própria imagem pela criança acontecerá à medida que os pais e outras pessoas próximas enxergarem seus filhos e filhas como saudáveis e confiantes. “Os adultos são para a criança um espelho, no qual elas se enxergam através dessas avaliações e impressões que são repassadas à ela”, acredita.
Dessa forma, segundo a psicopedagoga e psicanalista, é através desse olhar e dessas reações e avaliações do uso do corpo pelo adulto que serão construídos os valores internalizados pela criança. “O adulto é um modelo de conduta e de reações em quem a criança irá se amparar, ela irá compreender o uso do corpo através do olhar e das atitudes dos próprios pais. Enquanto são pequenas e vivem suas experiências no núcleo familiar, esses valores em relação ao corpo serão identificados e internalizados acompanhando a cultura familiar. Mas ao adentrarem no mundo escolar, a cultura e os valores da sociedade, podem modificar ou intensificar tal compreensão e internalização de valores sociais”, reforça.
Cristina Silveira reforça a importância de a criança se sentir respeitada e amada. “Os pais não devem tocar o corpo de seus filhos com gestos bruscos, manifestar sensação de repulsa, nojo, ou mesmo criticá-lo. A criança deve saber que o corpo precisa ser cuidado e tratado com respeito”, diz.
Segundo ela, pais e mães precisam estar atentos para perceber se o limite da privacidade da criança não está sendo invadido já que o direito ao próprio corpo é um ensinamento importante para meninos e meninas e o respeito, a base de todo relacionamento saudável emocionalmente. “Não é por que uma criança é inocente e seu corpo é pequeno que esse ser humano não precisa ser respeitado como tal. Se o banho em família e a nudez dos pais começam a ser motivo de constrangimento ou faz com que a criança se sinta exposta, o que deve ser feito é interromper o banho coletivo”, recomenda.
Curiosidade
Cristina Silveira diz que é a partir dos 4 ou 5 anos que a criança está apta a identificar as diferenças do próprio corpo e do corpo do adulto e certamente ela irá fazer perguntas sobre a sexualidade. “É a partir daí que os pais devem avaliar o quanto conseguirão tratar o assunto com a naturalidade devida”, pondera.
Gabriela Ayres Furtado afirma lidar muito bem com as perguntas que os pequenos fazem. “Lembro de uma vez que o Miguel se enfiou debaixo de mim e perguntou: 'é por aqui que sai o xixi?'. Ele já teve a fase de achar estranho pelo no corpo do adulto, mas respondo a tudo como se ele estivesse me perguntando por que a minha orelha é furada e a dele não. Meu marido já tem mais dificuldade em lidar com a curiosidade dos dois em relação ao corpo”, conta.
A mãe de Miguel e Nina diz que o limite para qualquer assunto com a criança é construído socialmente, mas também uma decisão do pai e da mãe. “Ensinar sobre os limites do corpo e sobre o acesso a ele, passa pela compreensão também de outros limites como até o de não aceitar comida de qualquer pessoa que ofereça. As crianças aprendem muito por repetição das atitudes dos adultos. Nunca precisei dizer a eles, por exemplo, que é preciso fechar a porta quando se vai usar o banheiro de um shopping. Lá em casa temos esse hábito. Miguel e Nina têm acesso ao banheiro quando eu e meu marido estamos usando, mas isso não dificulta a noção deles de que é um momento de intimidade”, diz.
Autonomia
Gilda Paoliello reforça que, nas famílias onde o hábito do banho coletivo se dá de forma natural, a criança também vai, naturalmente, caminhar para uma autonomia em relação aos cuidados que a levará a buscar um espaço de intimidade, que o adulto deve respeitar. “É esta umas das funções da educação: ensinar a criança a ser livre e conhecer os limites da liberdade, através do respeito ao outro”, diz a psicanalista.
De acordo com a especialista, a apropriação do próprio corpo permite que a criança tenha maior autonomia também para preservá-lo. “A criança aprende a reconhecer o que quer ou não, o que lhe causa prazer, quem pode mexer no seu corpo ou não, para quem pode mostrá-lo. Sabendo dos seus limites, a criança aprende a respeitar o próprio corpo e, consequentemente, o corpo do outro”, salienta.
Hora de encerrar o banho conjunto
Um sinal de que é chegada a hora de encerrar o ciclo do banho coletivo é quando as perguntas e atitudes da criança em relação ao corpo do adulto e às diferenças causarem intimidações. “A criança é um ser em mutação, não há malícias nas perguntas, elas são intrínsecas ao desenvolvimento. Mas se causam constrangimento aos pais é uma sinalização de que o ‘serzinho’ deve iniciar uma nova etapa em seus hábitos, agora não mais em comum com o adulto, mas supervisionada. Essas mudanças devem ser apresentadas à criança como uma conquista, nunca como perda, castigo ou culpa. O respeito é uma forma importantíssima de carinho e cuidado”, salienta Gilda Paoliello.
Outro ponto fundamental é a coerência entre o que se pensa ou sente e o que se faz. Segundo a especialista, os adultos, com frequência, transmitem dupla mensagem e colocam em palavras coisas que nem sempre correspondem a atitude corporal, atos ou expressão de afeto. “As crianças são verdadeiros radarzinhos. Mesmo que não tenham percepção consciente da incoerência, elas fazem o registro que é ressignificado posteriormente. Incoerência deixa a criança confusa e insegura”, pondera.
Caso o desejo de tomar banho sozinho se manifeste antes que a criança desenvolva todas as habilidades para se higienizar corretamente, a sugestão é explicar que ela ainda precisa aprender a si cuidar e que pai ou mãe estão ali para ensiná-la.
E fora de casa?
Se você é um adulto responsável por alguma criança – mesmo que não rotineiramente – lembre-se que pedir licença para tocar o corpo de meninos e meninas é uma forma delicada de mostrar que a criança é respeitada. A regra vale tanto para quando for ajudar uma criança no banho ou no momento de higiene após a ida ao banheiro. Para a psiquiatra e psicanalista Gilda Paoliello, o adulto deve sempre se colocar no lugar da criança e permitir que ela se sinta acolhida em suas dúvidas.
Em relação aos banhos fora de casa, a especialista recomenda que as especificidades em relação aos hábitos da família e da criança sejam esclarecidas entre os adultos que, de alguma forma, ficarem responsáveis por ela. “A palavra deve circular livremente para não haver mal-entendido ou mal-estar”, reforça.
Por outro lado, a visita da criança à casa de um amigo ou amiga - e até de familiares - é também uma oportunidade para orientá-la. “Ela precisa saber que nem sempre encontrará fora de casa o que recebe da mãe e do pai. A família também deve ter cuidado para não alimentar paranóias na criança para não levá-la a considerar o outro sempre como uma ameaça. Meninos e meninas necessitam reconhecer essas diferenças, tanto para proteger-se como para respeitá-las”, afirma Paoliello.
É comum também que o banho fora de casa venha acompanhado do desejo da criança em se banhar na companhia do amigo, amiga, primo ou prima. Nessa situação, Cristina Silveira considera importante a supervisão de um adulto. “Seja na escola ou em casas de colegas, as crianças terão experiências sociais que podem diferir daquelas aprendidas em casa. Pode acontecer de uma das crianças querer experimentar o corpo da outra sem nenhuma noção de perigo ou que possa estar invadindo a privacidade do colega. Quem irá dar a medida e o limite social nessas situações é sempre o adulto, que deve mediar essas experiências”, conclui.
Gabriela Ayres Furtado conta que Miguel e Nina já dormiram na casa de amiguinhos e, consequentemente, já tomaram banho sem a sua supervisão. “Geralmente, nessas situações é a mãe do colega ou a babá que dá o banho. Da mesma forma que eu dou quando recebo alguma criança na minha casa. São famílias muito conhecidas e eu não me importaria se fosse o pai que desse o banho. Acredito que vai muito da convivência que os casais têm entre si, mas no geral, não me incomodaria em ser o homem – pai de um colega dos meus filhos – o responsável por esse cuidado com as crianças”, afirma.
Gabriela admite que não é toda família que vai lidar com tranquilidade com a situação de um homem dando banho no seu filho ou filha, principalmente se for uma menina. “A gente tem a tendência maior em aceitar o corpo da mãe exposto em razão até da amamentação e do parto. O pai ainda enfrenta certo preconceito pra exercer essa paternidade e a sociedade vive um pânico exagerado com medo de pedofilia. Para mim, o banho coletivo em família tem um quê de praticidade, sem dúvida nenhuma. Mas é também uma questão de posicionamento em relação a diversos temas, um momento rico de afeto, cuidado e aprendizado”, sintetiza.
Mais polêmica
Torben Chris não foi o primeiro famoso a protagonizar uma discussão nas redes sociais sobre o banho coletivo. O brasileiro Roberto Justus também se irritou com as críticas que a sua atual esposa, a modelo Ana Paula Siebert, recebeu em seu perfil no Instagram depois que ela publicou uma foto, também na banheira, com a sua afilhada Valentina e a enteada Rafaela Justus. As três tomavam banho juntas. Rafaela é filha de Justus com Ticiane Pinheiro.
O publicitário e empresário não se abateu: "Não costumo me manifestar, mas não aguentei. Fui eu que fiz a foto. E a Rafinha se divertiu demais! Quanta gente ridícula e mal amada! Quanta bobagem! Elas se adoram e brincaram de biquíni na banheira de espuma. Desnecessárias são as opiniões equivocadas de pessoas que não tem mais o que fazer a não ser implicar com os outros”.
Para a publicitária e idealizadora do projeto Na pracinha, Flávia Pellegrini, 36 anos, mãe de Cecília, 5, e Olívia, 1, é a conotação sexual fortemente atrelada à nudez que alimenta o tabu em relação ao banho coletivo. Sem empregada ou babá, ela e as filhas tomam banho em conjunto usualmente. “É pela diversão, mas também pela praticidade. É um momento em família, de descontração, carinho e cuidados. Não tenho problema em ficar nua na frente das meninas e respondo as perguntas de Cecília naturalmente”, diz.
Apesar de seu companheiro dar banho em Cecília e Olívia, o pai nunca tomou banho com as garotinhas. “Achamos desnecessário incentivar essa curiosidade no momento. Acreditamos que quando elas estiverem um pouco maiores seja importante explicar melhor as diferenças do corpo da mulher e do homem. Na escola, o uso do banheiro é separado por gênero e decidimos seguir o mesmo comportamento para evitar contradições”, explica.
Eliane de Souza é membro da Sociedade Mineira de Pediatria
Quais as principais recomendações e cuidados para o banho do recém-nascido?
O cuidado com o banho do recém-nascido começa com a preparação do que será necessário: a separação da roupa da criança e o que será usado no pós-banho como o creme protetor da região de fraldas. Depois de tudo preparado, é o momento de colocar a água na banheira e verificar a temperatura. Se não tiver termômetro, coloque a face interna do punho na água. Nunca coloque a criança na banheira sem antes verificar a temperatura.
Quando o bebê já se senta, não se deve deixá-lo, em hipótese alguma, sozinho na banheira ou sobre algum móvel para buscar alguma coisa que faltou.
Se for dar dois banhos no bebê, não se deve usar sabonete no segundo, apenas na genitália e região anal. Mesmo os sabonetes adequados para as crianças podem ressecar a pele do bebê que é muito delicada e sensível.
Em que fase o bebê já pode tomar banho de chuveiro no colo do pai ou da mãe? Existe alguma recomendação?
A partir do sexto mês de idade, quando a criança já tem um controle do pescoço e da coluna tóraco-lombar. É preciso ter atenção para não cair com a criança e evitar que o bebê beba a água do banho. As crianças com idade entre 2 a 5 anos são muito curiosas e esse interesse faz parte do desenvolvimento. Se os pais e as mães sentirem constrangimento pela curiosidade da criança ou se houver insistência do filho ou filha em tocar a genitália dos cuidadores, recomendo que esses banhos cessem.
Qual o marco do desenvolvimento que mostra que a criança já pode sair da banheira e tomar banho em pé no chuveiro?
O marco é a marcha, quando a criança anda sem dificuldades.
Quando a criança pode/deve começar a tomar banho sozinha?
A partir de 5 anos, a criança já deve ser estimulada a tomar banho sozinha, mas com a supervisão dos cuidadores.