Até que um dia João descobriu, conversando com um parente, a substância que mudou a sua vida: a ibogaína, derivada da raiz da planta iboga, nativa do Gabão e de Camarões, na África.
A experiência vivida pelo professor repete-se em clínicas e instituições do Brasil e foi alvo de um estudo da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). A equipe, liderada pelo psiquiatra Dartiu Xavier da Silveira, testou a ibogaína em 75 pacientes, homens e mulheres que, além de receberem a substância, participaram de sessões de psicoterapia. Ao fim de um ano, 51% dos homens e 100% das mulheres tiveram um resultado positivo com a ibogaína. “As taxas de sucesso, maiores que 60%, chamam a atenção. Os tratamentos tradicionais apresentam índices de 30% apenas”,compara Silveira. O estudo brasileiro foi o primeiro a detectar os efeitos da planta africana em relação ao vício em estimulantes, como a cocaína. Estudos anteriores trataram derivados do ópio, que diminuem a atividade do cérebro.
Rogério Souza, mestre em medicina chinesa e naturopata, explica que o uso de drogas altera o funcionamento das conexões entre os neurônios, as sinapses, desequilibrando as proporções entre os neurotransmissores.O ibogaína, por sua vez, coloca o cérebro em um estado muito semelhante de equilíbrio e funcionamento de quando o paciente nasceu, ou seja, o dependente químico volta a ter o mesmo padrão que tinha antes de se viciar. “Ela produz uma grande quantidade do hormônio GDNF, que estimula a criação de conexões neuronais, auxiliando o paciente a perder a vontade de usar drogas. Também atua nos níveis de serotonina e dopamina, neurotransmissores responsáveis pelas sensações de prazer. No momento em que o paciente tem contato com a droga ilícita, ela perde a sua eficiência”, detalha.
Também diretor do Instituto Brasileiro de Terapias Alternativas (IBTA), em Paulínia, no interior de São Paulo, Souza conta que a ibogaína sempre esteve presente em rituais africanos, até que, na década de 1960, começou a ser testada com êxito em dependentes químicos nos Estados Unidos. No Brasil, a substância chegou há 10 anos. No IBTA, ela é ministrada em cápsulas e o ciclo de tratamento dura cinco dias, sem a necessidade de internação.
“Não há milagre, mas são necessários apenas cinco dias para mudar totalmente a química do cérebro. A gente vai ensiná-lo a agir como sempre agiu. A ibogaína faz com que a pessoa passe a olhar a própria vida sob um outro ângulo, promovendo momentos de reflexão e introspecção”, diz Souza. Além das cápsulas, o paciente participa de terapias alternativas diárias e tem encontros regulares com médicos, que também se reúnem com os familiares.
Psicoterapia
O psiquiatra Dartiu Xavier ressalta que, no tratamento, o indivíduo toma a cápsula da ibogaína, cujos efeitos duram até oito horas, em um ambiente hospitalar.
Apesar dos bons resultados, podem haver recaídas. Rogério Souza diz que, para aquele que segue a orientação correta do tratamento, a chance de dar certo é muito grande. “A gente só não interfere no direito de escolha. A pessoa tem que querer, se esforçar e estar disposta a se recuperar. Dessa maneira, tudo favorece”, atesta.
Foi o que ocorreu com João. O professor admite que, logo depois do tratamento com a ibogaína, chegou a ter uma recaída. No entanto, o efeito da droga no seu organismo foi tão ruim que resolveu nunca mais usá-la. “Consegui largar as drogas graças à ibogaína, à minha força de vontade e acredito que também com a ajuda de um poder superior. Estou limpo há nove meses e não sinto nenhuma vontade de usar qualquer substância química”, celebra.
*Nome fictício
Dartiu Xavier, psiquiatra e professor da Universidade Federal de São Paulo
A ibogaína pode ser utilizada para qualquer dependência química?
Os estudos internacionais investigaram a ação favorável da substância em dependentes de heroína, morfina e outros derivados do ópio. O nosso estudo foi o primeiro a evidenciar benefícios com o uso abusivo de estimulantes, como a cocaína.
E quais são as desvantagens ou contraindicações?
A desvantagem seria o fato de ela não ser suficientemente conhecida. Houve relatos de 19 mortes por uso de ibogaína. Por isso, é indicado seu uso em ambiente hospitalar, com o paciente hospitalizado e monitorado. Alguns problemas cardíacos podem surgir, daí a importância de ser ministrada em um hospital. Além disso, pacientes que tiveram surto psicótico não devem usá-la, assim como quem sofre de algum tipo de esquizofrenia, é cardíaco ou tem algum problema hepático grave.
Comércio proibido
A ibogaína não tem registro no Brasil, segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Logo, não pode ser considerada medicamento. “Não existe proibição nem regulamentação com relação à ibogaína, assim como não existe com relação à acupuntura, à terapia ortomolecular, mas a clínica pode importá-la mediante o CPF do paciente, para uso exclusivo dele. Ou seja, ela não pode ser comercializada”, elucida Rogério Souza, diretor do Instituto Brasileiro de Terapias Alternativas.
O médico Dartiu Xavier acrescenta que, apesar de a Anvisa permitir a importação da ibogaína, ela ainda não é uma forma de tratamento aceita como válida, pois está em fase de testes. O uso para qualquer treinamento só pode ser feito em contexto de pesquisa clínica. “Devido aos riscos, contraindicamos a utilização em clínicas onde não haja uma estrutura médica para emergências que possam surgir”, frisa.