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Um dos grupos que detectaram esses sinais da epigenética em meninos e meninas é do Centro de Pesquisa Metabólica Novo Nordisk, na Dinamarca. Segundo a epigenética, o ambiente é capaz de interferir na forma como o DNA se expressa, sem modificar o código genético original. Por essa lógica, os pesquisadores sugerem que um ambiente com mais exposição e estímulo ao consumo de alimentos pode ativar a obesidade nos genes que trazem essa doença.
“Até pouco tempo atrás, acreditávamos que as marcas epigenéticas seriam apagadas na fertilização. Descobrimos que uma grande quantidade delas é, na verdade, mantida no sêmen, podendo ser transmitida ao embrião”, explica ao Correio Ida Donkin, médica especialista em metabologia e coautora do estudo pulicado na Cell Metabolism. Os estudiosos compararam as células do esperma de 10 homens magros com as de 13 obesos e descobriram diferentes marcas epigenéticas em cada grupo.
De acordo com Ida Donkin, a pesquisa segue em outra etapa, na qual se investiga quais marcas observadas no esperma de obesos serão transmitidas e como afetam o embrião. Para isso, a equipe seleciona o esperma de voluntários nessa condição e que tenham companheiras grávidas. Quando o bebê nasce, coletam as células-tronco do cordão umbilical e, nelas, observam quais marcas epigenéticas correspondem às encontradas no sêmen do pai.
Ansiedade
Em pesquisa semelhante, cientistas do RMIT Health Sciences Clinic, na Austrália, encontraram, em diferentes gerações de ratos, uma correlação entre a dieta paterna e alterações nos níveis de ansiedade dos filhos. Nesse estudo, os pesquisadores separaram as cobaias em dois grupos — um recebeu grande quantidade de comida e outro, aproximadamente 25% menos calorias.
Embora o pai não tivesse contato algum com o embrião durante a gestação e o comportamento materno tenha permanecido praticamente inalterado (sem estresses ou alteração de dieta), os ratos recém-nascidos oriundos do segundo grupo eram magros, comiam menos e mostravam menos traços de ansiedade quando comparados aos de pais expostos a mais comida.
A constatação, segundo os pesquisadores, sugere que se trata de uma marca epigenética transmitida porque houve mudança na função dos genes dos filhos a partir de experiências vividas pelos pais. “Quando vemos os baixos níveis de ansiedade como resultado de uma dieta entre duas gerações, isso traz um alerta para as consequências a longo prazo na saúde de sociedades com altos níveis de obesidade”, destaca o pesquisador em epigenética Antonio Paolini, principal autor do estudo publicado na revista Psychoneuroendocrinology.
Exposição excessiva
A neurocientista da Universidade de Brasília (UnB) Fabíola Zucchi, que também pesquisa a expressão de genes, observa que a obesidade pode ser considerada uma doença provocada pelo ambiente e, por isso, deixa marcas epigenéticas. “Se compararmos com outras épocas, em que tínhamos que caçar, por exemplo, estamos muito mais expostos à comida, seja nos restaurantes, seja na televisão, seja nos mercados. A obesidade é uma resposta do corpo a esse ambiente hostil, com excesso de comida”, explica. “Como é epigenético, se a pessoa cresce em um ambiente em que não há esse excesso, não será necessário interpretar os genes da obesidade. Por isso, é uma predisposição, não necessariamente a obesidade vai acontecer.”
Com ponto de vista semelhante, Ida Donkin aposta em mais pesquisas epigenéticas como forma de prevenção de enfermidades crônicas. “A prevalência de doenças como obesidade e diabetes aumentou intensamente nas últimas décadas, criando uma epidemia mundial. Mais pesquisas sobre herança epigenética e comportamento pré-concepcional, além da influência sobre a próxima geração, nos ajudarão a criar conselhos para os futuros pais, o que pode melhorar a saúde das novas gerações.”
Reduzindo os riscos
Em estudo anterior, a equipe liderada por Ida Donkin acompanhou seis homens obesos antes de uma cirurgia bariátrica e um ano depois da intervenção. Eles queriam entender como o procedimento para a perda de peso afeta a informação epigenética contida nas células do esperma.
Os pesquisadores do Centro de Pesquisa Metabólica Novo Nordisk, na Dinamarca, perceberam cerca de 4 mil mudanças estruturais no DNA dos espermatozoides no período anterior à cirurgia, logo depois e um ano após a intervenção — o que também sinaliza, segundo eles, para uma dinâmica das marcas epigenéticas e, consequentemente, para mudança nos hábitos alimentares dos futuros filhos.
“Um homem que foi obeso na infância e perdeu peso na vida adulta será capaz de alterar a sua epigenética. Mesmo assim, o seu esperma ainda pode carregar marcas do estado de obesidade na infância”, nota Ida. “Acreditamos, no entanto, que os filhos terão um menor risco de doença com a perda de peso do que se o pai continuar obeso enquanto adulto.”
Para o endocrinologista Sérgio Vencio, esses estudos reforçam a necessidade de maior prevenção contra o excesso de peso entre os homens antes e depois de terem filhos. “A saúde do bebê pode ser completamente diferente se os pais tiverem um pré-natal preventivo. Mas, depois que os bebês nascem, os cuidados devem prevalecer, pois, como sugere a epigenética, o ambiente vai continuar interferindo na leitura de sua genética”, ressalta.
O médico também nota, a partir dos estudos, uma mudança na ideia de que apenas as mulheres são responsáveis pela saúde dos filhos antes e durante a gestação. “Todos os cuidados do pré-natal estavam voltados para a mãe — riscos de que ela provocasse diabetes, hipertensão e obesidade no bebê, por exemplo. Agora, a ciência aponta para os pais: eles também estão envolvidos ativamente nessa questão.”
Prevenção possível
“Esses estudos abrem a possibilidade para o fato de que o estilo de vida tanto do pai quanto da mãe pode ser lembrado pelos gametas e transferido ao embrião. Assim como os homens passam a mesma quantidade de genes para o futuro bebê, eles podem passar a mesma quantidade de marcas epigenéticas. O desenvolvimento da criança e o posterior risco de doenças, portanto, são afetados pelo estilo de vida de ambos os pais e não apenas da mãe grávida. Isso nos dá outra responsabilidade como pais, mas há esperança. Se decidimos ter filhos, ao perder peso alguns meses antes da concepção ou nos exercitar mais intensamente, podemos ser capazes de melhorar a saúde deles e diminuir o risco de sofrer certas doenças.”
Ida Donkin, médica e cientista do Centro de Pesquisa Metabólica Novo Nordisk
Preocupação mundial
O aumento da obesidade em crianças tem alarmado cada vez mais especialistas em saúde pública. Segundo um relatório divulgado no ano passado pela OMS, o número global de crianças e adolescentes obesas ou acima do peso passou de
32 milhões em 1990 para 42 milhões em 2013. Se o ritmo for mantido, o número de crianças afetadas chegará a 70 milhões até 2025, prevê a agência das Nações Unidas.