O primeiro ensinamento que a mulher transmite ao filho se dá durante o parto, quando o bebê fica exposto aos fluidos vaginais da mãe, incorporando a microbiota presente no corpo dela ao seu organismo ainda imaturo. Esse processo “educa” o sistema imunológico da criança, acostumando a pele, o intestino e outros órgãos com os micro-organismos benéficos à saúde e estimulando a formação de colônias que vão protegê-la até a vida adulta. No entanto, o índice crescente de cesarianas priva um número cada vez maior de recém-nascidos dessa importante bênção materna.
Um grupo de pesquisadores dos Estados Unidos está tentando contornar esse problema por meio de um método que reproduz a transferência microbial do parto natural nos nascimentos via cesariana. O trabalho pioneiro desenvolvido na Universidade de Nova York mostra que a aplicação de uma amostra do fluido vaginal materno sobre a criança depois do nascimento por cesárea pode transferir parte da microbiota protetora da mãe para o bebê.
Os autores do estudo explicam como o método funciona em um artigo publicado nesta semana na revista Nature Medicine. O procedimento tem início uma hora antes do parto, quando uma gaze esterilizada é inserida na vagina da mãe. A intenção é absorver os fluidos vaginais produzidos até a hora do nascimento. Depois que o bebê vem ao mundo, os médicos esfregam o material na pele e na boca dele, simulando a exposição que receberia se tivesse passado pela vagina da mãe. O método é chamado de seeding (semeadura, em inglês).
A técnica foi testada em quatro crianças, que tiveram a microbiota comparada com a de sete bebês que nasceram por parto natural e com sete que passaram pela cesariana. Durante um mês, os pesquisadores realizaram uma série de testes de sequenciamento genético de amostras retiradas da pele, da boca e do ânus dos bebês e viram quais micro-organismos se desenvolveram em cada um dos recém-nascidos.
A equipe analisou mais de 1,5 mil amostras, e técnicas estatísticas foram usadas para classificar mais de 6,5 milhões de fragmentos de DNA. A comparação sistemática do material mostrou que a microbiota dos bebês que passaram pelo procedimento de transferência microbial é mais semelhante à das crianças nascidas por parto natural do que àquelas nascidas pela cesárea tradicional. Entre os micro-organismos que foram passados da microbiota vaginal para o filho, estão os lactobacilos e os bacteroides, espécies que têm um importante papel na preparação do sistema imune e na formação de imunidade contra bactérias.
Os pesquisadores notaram também que os bebês que não foram expostos aos fluidos vaginais apresentavam uma microbiota mais parecida com a da pele das mães, enquanto as outras crianças tinham micro-organismos encontrados na vagina materna. “Isso é algo que já foi relatado antes. A novidade desse estudo é que mostramos que, ao tratar os bebês nascidos por cesárea, podemos modificar essa microbiota dermatológica que eles geralmente têm e fazê-la se parecer com a microbiota do nascimento vaginal”, explica José Clemente, pesquisador do Departamento de Genética e Ciências Genômicas da Escola de Medicina Icahn do Hospital Mont Sinai de Nova York e participante do estudo.
Taxas elevadas
A cesariana é um procedimento necessário em até 15 % dos partos, mas muitos países têm taxas de nascimento por meio do procedimento muito mais altas do que o recomendado. O Brasil, por exemplo, está entre os com maiores índices do mundo, com 56% dos partos realizados por meio da cirurgia. A Organização Mundial da Saúde (OMS) alerta que a cultura da cesariana aumenta também as complicações do parto e tem efeitos sobre a taxa de mortalidade de mães e bebês.
Se consideradas as consequências do procedimento cirúrgico sobre o sistema imune das crianças, medir o prejuízo causado pela cesariana se torna uma tarefa impossível: estudos anteriores mostram que a proteção recebida pelo parto natural diminui as chances de o bebê desenvolver problemas como doenças intestinais, asma, alergias, autismo e obesidade. “A microbiota vaginal tem grande valor de adaptação para mamíferos recém-nascidos, e os humanos são os únicos mamíferos que interrompem a exposição à microbiota vaginal materna ao fazer o parto de bebês pela cesariana”, observa a microbióloga Maria Dominguez-Bello, pesquisadora da Escola de Medicina da Universidade de Nova York e principal autora do estudo divulgado nesta semana.
Poeira perigosa
Em outra pesquisa, o mesmo grupo de pesquisadores demonstrou que a poeira encontrada nas salas de operação dos hospitais também têm um importante papel na formação do sistema imune dos bebês nascidos por cesariana. A análise de material recolhido em 11 ambientes médicos revelou que células da pele de frequentadores diversos do local ficam acumuladas em luminárias, paredes e até mesmo no ar-condicionado, formando um coquetel de bactérias que são absorvidas pelos recém-nascidos e podem influenciar a microbiota deles.
Dúvidas sobre o efeito a longo prazo
Em um texto também publicado na Nature Medicine, o especialista Alexander Khoruts afirma acreditar que a linha de pesquisa possa levar ao desenvolvimento de uma técnica padronizada de inoculação microbiana para bebês nascidos por cesariana. “Esse desenvolvimento provavelmente vai exigir a maior compreensão dos papéis que a microbiota inicial tem no desenvolvimento do hospedeiro, incluindo as principais espécies envolvidas e os seus mecanismos metabólicos relevantes”, ressalta o professor de medicina na Universidade de Minnesota.
Especialistas ressaltam, no entanto, que a eficácia do procedimento ainda não foi comprovada e que não é possível recomendar o seeding para mães que fazem a cesariana. “Será que isso tem efeito em relação à imunidade e a doenças relacionadas com essa falta de imunização inicial? Isso precisa ser avaliado”, observa Frederico Corrêa, diretor do Centro de Reprodução Humana FertilCare. “Se esse estudo for ampliado e for comprovado que a semeadura de bactérias tem um efeito importante na vida dessas crianças, isso seria um avanço muito bom”, ressalta.
Também não está claro quais efeitos o procedimento pode ter sobre a saúde do bebê ao longo da infância e da vida adulta. “Precisamos de mais estudos para determinar se a transferência de micróbios para o recém-nascido pode refletir em menor risco de doenças associadas com a cesariana”, ressalta José Clemente, pesquisador do Departamento de Genética e Ciências Genômicas da Escola de Medicina Icahn do Hospital Mont Sinai de Nova York.
Clemente e o restante da equipe continuam acompanhando os bebês analisados no estudo há um ano e expandiram o escopo do trabalho para 84 mães. O trabalho rendeu mais de 13 mil amostras, que serão analisadas e usadas para a elaboração de um estudo que demonstre com mais detalhes os efeitos da transferência da microbiota materna.
Um grupo de pesquisadores dos Estados Unidos está tentando contornar esse problema por meio de um método que reproduz a transferência microbial do parto natural nos nascimentos via cesariana. O trabalho pioneiro desenvolvido na Universidade de Nova York mostra que a aplicação de uma amostra do fluido vaginal materno sobre a criança depois do nascimento por cesárea pode transferir parte da microbiota protetora da mãe para o bebê.
Os autores do estudo explicam como o método funciona em um artigo publicado nesta semana na revista Nature Medicine. O procedimento tem início uma hora antes do parto, quando uma gaze esterilizada é inserida na vagina da mãe. A intenção é absorver os fluidos vaginais produzidos até a hora do nascimento. Depois que o bebê vem ao mundo, os médicos esfregam o material na pele e na boca dele, simulando a exposição que receberia se tivesse passado pela vagina da mãe. O método é chamado de seeding (semeadura, em inglês).
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Os pesquisadores notaram também que os bebês que não foram expostos aos fluidos vaginais apresentavam uma microbiota mais parecida com a da pele das mães, enquanto as outras crianças tinham micro-organismos encontrados na vagina materna. “Isso é algo que já foi relatado antes. A novidade desse estudo é que mostramos que, ao tratar os bebês nascidos por cesárea, podemos modificar essa microbiota dermatológica que eles geralmente têm e fazê-la se parecer com a microbiota do nascimento vaginal”, explica José Clemente, pesquisador do Departamento de Genética e Ciências Genômicas da Escola de Medicina Icahn do Hospital Mont Sinai de Nova York e participante do estudo.
Taxas elevadas
A cesariana é um procedimento necessário em até 15 % dos partos, mas muitos países têm taxas de nascimento por meio do procedimento muito mais altas do que o recomendado. O Brasil, por exemplo, está entre os com maiores índices do mundo, com 56% dos partos realizados por meio da cirurgia. A Organização Mundial da Saúde (OMS) alerta que a cultura da cesariana aumenta também as complicações do parto e tem efeitos sobre a taxa de mortalidade de mães e bebês.
Se consideradas as consequências do procedimento cirúrgico sobre o sistema imune das crianças, medir o prejuízo causado pela cesariana se torna uma tarefa impossível: estudos anteriores mostram que a proteção recebida pelo parto natural diminui as chances de o bebê desenvolver problemas como doenças intestinais, asma, alergias, autismo e obesidade. “A microbiota vaginal tem grande valor de adaptação para mamíferos recém-nascidos, e os humanos são os únicos mamíferos que interrompem a exposição à microbiota vaginal materna ao fazer o parto de bebês pela cesariana”, observa a microbióloga Maria Dominguez-Bello, pesquisadora da Escola de Medicina da Universidade de Nova York e principal autora do estudo divulgado nesta semana.
Poeira perigosa
Em outra pesquisa, o mesmo grupo de pesquisadores demonstrou que a poeira encontrada nas salas de operação dos hospitais também têm um importante papel na formação do sistema imune dos bebês nascidos por cesariana. A análise de material recolhido em 11 ambientes médicos revelou que células da pele de frequentadores diversos do local ficam acumuladas em luminárias, paredes e até mesmo no ar-condicionado, formando um coquetel de bactérias que são absorvidas pelos recém-nascidos e podem influenciar a microbiota deles.
Dúvidas sobre o efeito a longo prazo
Em um texto também publicado na Nature Medicine, o especialista Alexander Khoruts afirma acreditar que a linha de pesquisa possa levar ao desenvolvimento de uma técnica padronizada de inoculação microbiana para bebês nascidos por cesariana. “Esse desenvolvimento provavelmente vai exigir a maior compreensão dos papéis que a microbiota inicial tem no desenvolvimento do hospedeiro, incluindo as principais espécies envolvidas e os seus mecanismos metabólicos relevantes”, ressalta o professor de medicina na Universidade de Minnesota.
Especialistas ressaltam, no entanto, que a eficácia do procedimento ainda não foi comprovada e que não é possível recomendar o seeding para mães que fazem a cesariana. “Será que isso tem efeito em relação à imunidade e a doenças relacionadas com essa falta de imunização inicial? Isso precisa ser avaliado”, observa Frederico Corrêa, diretor do Centro de Reprodução Humana FertilCare. “Se esse estudo for ampliado e for comprovado que a semeadura de bactérias tem um efeito importante na vida dessas crianças, isso seria um avanço muito bom”, ressalta.
Também não está claro quais efeitos o procedimento pode ter sobre a saúde do bebê ao longo da infância e da vida adulta. “Precisamos de mais estudos para determinar se a transferência de micróbios para o recém-nascido pode refletir em menor risco de doenças associadas com a cesariana”, ressalta José Clemente, pesquisador do Departamento de Genética e Ciências Genômicas da Escola de Medicina Icahn do Hospital Mont Sinai de Nova York.
Clemente e o restante da equipe continuam acompanhando os bebês analisados no estudo há um ano e expandiram o escopo do trabalho para 84 mães. O trabalho rendeu mais de 13 mil amostras, que serão analisadas e usadas para a elaboração de um estudo que demonstre com mais detalhes os efeitos da transferência da microbiota materna.