Mais de 5 milhões de pessoas no Brasil podem ter depressão: por que as mulheres são mais vulneráveis?

O transtorno psiquiátrico é ainda mais ameaçador para mulheres e pessoas com baixa escolaridade, indica estudo de universidade gaúcha. Vícios, como o tabagismo, também potencializam o quadro

por Isabela de Oliveira 12/02/2016 15:00

Ramon Lisboa/EM/D.A Press
A oscilação hormonal acentuada, que aparece mais nitidamente na tensão pré-menstrual, na gravidez e na menopausa, é um fator que influencia a maior incidência do transtorno nas mulheres (foto: Ramon Lisboa/EM/D.A Press)
Ela nunca vem só: acompanhada por outras enfermidades, hábitos e condições sociais, a depressão contamina as relações interpessoais e a autonomia de quem convive com ela, ecoando prejuízos sociais e materiais que agravam a situação do paciente e de pessoas próximas a ele. Apontada como o transtorno mental mais prevalente no mundo — a Organização Mundial da Saúde estima que haja 350 milhões de pacientes —, a depressão configura-se como uma das inimigas que mais atormentam a saúde humana. Como em qualquer batalha, conhecer o oponente é fundamental. Por isso, cientistas de todo mundo têm se empenhando em estudar e em mapear os mecanismos de ataque da enfermidade. Um dos esforços mais recentes nesse sentido vem de pesquisadores da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL), no Rio Grande do Sul.


Eles detalham, no Journal of Affective Disorders, a epidemiologia da doença no Brasil. Utilizando dados de mais de 60 mil pessoas obtidos pela Pesquisa Nacional de Saúde, a equipe liderada por Tiago Munhoz descreveu a proporção de adultos com maior risco de ter a doença mental. Os pesquisadores avaliaram ainda quais grupos populacionais são mais vulneráveis. Segundo os resultados, a prevalência de indivíduos com risco aumentado para a depressão no país foi de 4,1%, o que reflete um número absoluto de 5,5 milhões de brasileiros. Nas análises localizadas, a taxa foi maior na Região Sul (4,8%) e menor na Norte (2,9%).

“O estudo não faz essa correlação, mas eu acredito que a má distribuição de psiquiatras no país tenha influenciado esses resultados. Regiões em que há pouco atendimento especializado para diagnosticar a depressão e baixo nível educacional para que as pessoas procurem informações sobre os sintomas podem desempenhar algum papel nesse achado”, especula a psiquiatra Helena Moura, membro da Associação Brasileira de Psiquiatria e não participante do estudo.


Conforme Helena citou, a triagem foi maior entre pessoas com menor escolaridade. “O baixo nível educacional está associado à pior condição socioeconômica. Assim, indivíduos nessa condição estão expostos a um conjunto maior de fatores de risco, isto é, a uma série de agravos à saúde, incluindo a depressão”, explica Munhoz. O líder do estudo corrobora a opinião de Helena: a baixa escolaridade pode dificultar o entendimento de que os sintomas depressivos são um problema de saúde, fazendo com que as pessoas, apesar das manifestações da doença, não procurem ajuda especializada. “Pelo fato de terem baixo nível econômico, pode ser que não tenham acesso ao tratamento adequado”.


Outros resultados confirmaram um dado bem descrito na literatura: a maior suscetibilidade entre as mulheres de desenvolver o problema. Helena Moura explica que a oscilação hormonal acentuada, que aparece mais nitidamente na tensão pré-menstrual, na gravidez e na menopausa, é um fator que influencia a maior incidência do transtorno nelas. Mas a fisiologia não pode ser responsabilizada sozinha. “Existe também a influência do aspecto social, com muita cobrança para a mulher, que desempenha diversas funções”, completa a médica.

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Hábitos perigosos
Além de características fisiológicas, o comportamento pode determinar um risco aumentado de ter a doença. No caso dos fumantes, por exemplo, é de 59%. O dado assemelha-se ao encontrado por pesquisadores da University College London, no Reino Unido. Em março passado, durante uma campanha antitabagismo, eles divulgaram que fumantes são 70% mais propensos a sofrerem de depressão e ansiedade. Apesar da associação com o tabaco, o estudo de Munhoz não detectou correlação com consumo excessivo de bebidas alcoólicas.


“Estudos com delineamento transversal, como o nosso, não permitem avaliar a relação de causalidade entre tabagismo e uso abusivo de álcool com a depressão. Portanto, não podemos avaliar se a depressão prediz o uso de tabaco/álcool ou se indivíduos que fazem uso dessas substâncias estão em maior risco para depressão”, explica Munhoz. Mesmo assim, o pesquisador diz que a tendência é que alcoólatras apresentem diferentes comorbidades psiquiátricas, além de uma série de problemas de saúde geral e da adoção maior de comportamentos de risco, como exposição a situações violentas e acidentes.

 

11 milhões no Brasil
O universo de brasileiros com depressão é de 11 milhões de pessoas, o dobro dos ameaçados. O número, divulgado no fim de 2014 pelo IBGE, representava, à época das entrevistas, em 2013, 7,6% da população com mais de 18 anos. O cenário retratado combina com as suscetibilidades indicadas no recente estudo gaúcho. Segundo o IBGE, por exemplo 10,9% das mulheres tinham a doença, contra 3,9% dos homens. O estudo da UFPEL indica que elas são pelo menos duas vezes mais propensas a terem a doença.


Pior nas cidades
Viver nos grandes centros urbanos também pode comprometer a saúde psiquiátrica. O estudo sobre fatores que mais desencadeiam a depressão mostra que o problema é 50% mais presente nos habitantes das cidades. “É um dado observado em estudos internacionais. A vida nesses lugares é corrida e estressante, e as pessoas são, sem dúvida, mais sobrecarregadas”, complementa a psiquiatra Helena Moura.

Também conforme o estudo, as faixas etárias mais afetadas são compostas por pessoas com 40 a 59 anos e por quem está na ponta da pirâmide: com 80 anos ou mais. Estudos epidemiológicos conduzidos em países de rendas baixa, média e alta, porém, trazem outros padrões, com alguns indicando que o problema é mais frequente em jovens. E outros, em adultos e idosos.

Tiago Munhoz, líder da nova análise científica, diz que, por enquanto, não é possível oferecer respostas objetivas sobre a discrepância. “Do ponto de vista psicológico e populacional, poderíamos hipotetizar que, com o aumento da idade, os indivíduos acabam se afastando do trabalho, têm menos interações sociais com a família e os amigos, apresentam maior número de doenças crônicas e se tornam menos independentes”, acredita o estudioso da Universidade Federal de Pelotas.

As doenças crônicas, aliás, têm correlação com o desenvolvimento do transtorno psiquiátrico. “Depressivos tendem a ter mais doenças físicas, e doentes físicos, mais depressão. Sabemos hoje que diabetes, doenças cardiovasculares e hipertensão aumentam por si o risco para o transtorno mental. Não é só porque a pessoa deixa de trabalhar, precisa abrir mão das coisas de que gosta e, por isso, fica deprimida”, diz Helena Moura.

Hospitais
A especialista explica que o diabetes aumenta em 1,6 vezes a chance de surgimento da doença. Mudanças hormonais e processos inflamatórios estão por trás disso. “É possível que essas enfermidades tenham efeito no cérebro do paciente, que se sente deprimido. A mente e o corpo andam sempre juntos e isso ressalta a importância de melhorias nos hospitais. A psiquiatria fica separada de outras especialidades, o que faz com que o paciente com queixas mentais precise buscar ajuda em locais especializados, separados dos hospitais gerais. Esse aspecto do estudo mostra que os cuidados com a mente deveriam ser integrados com os do corpo”, defende a psiquiatra.

Para Munhoz, a principal contribuição da pesquisa é auxiliar os gestores a planejarem e a organizarem os serviços. “O estudo também contribui para que os profissionais de saúde possam investigar os sintomas de depressão nos usuários que procuram os diferentes níveis de atenção à saúde, com especial atenção aos grupos populacionais de maior risco”.



Vínculo com o suicídio

“Em minhas pesquisas, constatei que o Rio Grande do Sul é o estado com maior incidência de suicídio, decisão geralmente ligada a um quadro depressivo. Porto Alegre e Curitiba são as capitais com mais suicídios de adolescentes. Entre os jovens, são as meninas, que optam por isso após tentarem abortos sem sucesso. Os meninos têm envolvimento com drogas e álcool. No interior, o perfil é de agricultores que sofrem com problemas na safra. Estudos mais recentes apontam a influência dos agrotóxicos usados na lavoura.”

Ricardo Nogueira, coordenador do Centro de Promoção àVida e Prevenção ao Suicídio do Hospital Mãe de Deus (RS)