Pesquisa constata que, após erro, cérebro passa por transformações

E a conclusão foi de que os passos em falso provocam alterações no cérebro que deixam o indivíduo mais propenso a deliberações

por Vilhena Soares 10/02/2016 15:00
CB / D.A Press
Pessoas tendem a desacelerar suas decisões depois de erros (foto: CB / D.A Press)
Difícil encontrar alguém que nunca tenha passado por esta situação: após fazer uma escolha equivocada, que trouxe consequências ruins, o receio toma conta quando é preciso tomar uma nova decisão. De tão comum, essa reação aos erros chamou a atenção de especialistas da área neurológica que decidiram investigar quais são os mecanismos cerebrais envolvidos nela. E a conclusão foi de que os passos em falso provocam alterações no cérebro que deixam o indivíduo mais propenso a deliberações.

Feita por uma equipe da Universidade de Nova York, nos Estados Unidos, a pesquisa esse tipo específico de receio surge de uma mistura de mecanismos neurais adaptativos que melhoram a precisão com outros mecanismos mal-adaptados que a pioram. Os autores, que publicaram seus achados recentemente na revista especializada Neuron, não só contribui para um antigo debate sobre o valor da deliberação depois de decisões equivocadas como pode também trazer insights a respeito de problemas que causam dificuldade de julgamento, como o mal de Alzheimer e o transtorno do deficit de atenção e hiperatividade (TDAH).

Braden Purcell, pesquisador do Centro de Ciência Neural da universidade norte-americana, conta que o trabalho partiu de análises anteriores segundo as quais as pessoas tendem a desacelerar suas decisões depois de erros, mas que, ainda assim, continuam de fazer escolhas acertadas e precisas. “Muitos pesquisadores têm debatido sobre por que isso acontece, e nós pensamos que uma análise da atividade cerebral após erros cometidos poderia responder à pergunta”, diz o coautor do estudo.

Jogo de computador
Para isso, foram realizados experimentos com macacos e humanos. Nos testes, os participantes de ambas as espécies brincaram com um jogo de computador em que deveriam prever para que lado um conjunto de pontos se direcionaria na tela. Para isso, contavam com movimentos inciais dos pontos que serviam de pista. À medida que a quantidade de objetos aumentava e o padrão de movimento se tornava mais complexo, o jogo crescia em dificuldade, tornando os erros mais frequentes.

Durante a execução da tarefa, o cérebro dos animais e das pessoas era monitorado, com especial atenção para o córtex parietal, região envolvida no agrupamento de informações. A ressonância magnética mostrou um comportamento mental semelhante em macacos e pessoas: o córtex parietal era bastante ativado na hora da decisão, mas, após um erro cometido, essa área era ainda mais exigida no exercício seguinte.

Os pesquisadores acreditam que esse acúmulo de informações é um dos responsáveis pelo atraso na hora de fazer uma escolha depois de um equívoco. “Nossa pesquisa revela que uma combinação de mudanças no cérebro nos torna mais lentos depois de erros. A primeira reúne mais informações para a decisão, para prevenir a repetição da falha. Uma segunda reduz a qualidade de evidências que obtemos, o que diminui a probabilidade de fazermos uma escolha acertada”, esclarece Purcell. Em comunicado à imprensa, Roozbeh Kiani, também coautor do estudo, acrescenta: “No fim, esses dois processos cancelam um ao outro, significando que a estratégia deliberativa que adotamos para evitar a repetição de um erro nem melhora nem piora as chances de o repetirmos”. De fato, como o experimento mostrou, as decisões seguintes aos erros foram mais demoradas, mas não melhores ou piores.

Para Mauro Suzuki, neurocirurgião do Hospital Santa Luzia, em Brasília, o estudo mostra evidências interessantes. “Essa área lateral do lobo parietal, que está relacionada a essa tomada de decisão após os erros, também é uma região ligada ao acúmulo de experiências sensoriais, algo que você viu ou sentiu e poderia sofrer mudanças após o ato de cometer um erro”, destaca. O médico também concorda com as hipóteses levantadas pelos autores do estudo. “Depois de cometer um erro, frente ao próximo desafio, você adia sua tomada de decisão porque demora um tempo para recordar do erro e, depois, agir novamente. Com o conhecimento prévio, você desconfia da sua decisão futura, e isso provoca insegurança, além de aumentar o leque de opções que você tem, já que é preciso processar mais informações para tomar o passo seguinte”, explica.

Medicina
Os especialistas dos Estados Unidos destacam também que as observações podem ajudar a explicar como funciona o cérebro de pacientes com doenças neurodegenerativas, um próximo tema a ser explorado pelo trabalho. “Essa pesquisa aumenta nossa compreensão sobre como a tomada de decisão é impactada por erros em indivíduos saudáveis. Mas pacientes com TDAH e esquizofrenia, muitas vezes, não conseguem desacelerar após cometer erros. Uma grande parte da investigação centrou-se na compreensão de como esses distúrbios podem afetar sistemas cerebrais que detectam erros, mas nosso trabalho sugere que os esforços futuros devem se concentrar em como esses problemas podem impactar redes básicas de tomada de decisão no cérebro”, adianta Purcell.

Mauro Suzuki concorda com essa possibilidade. “Claro que são hipóteses, e são necessário mais estudos que comprovem isso. Talvez, não em esquizofrenia, mas pode ser que uma pessoa que tenha Alzheimer ou TDAH, tenha uma falha nesses mecanismos. Elas tomam a decisão sem passar por essas etapas, talvez não tenham essa capacidade de se adaptar ao erro”, analisa.

Na opinião do especialista brasileiro, mais estudos que explorem como o cérebro e suas regiões funcionam são de grande importância na área científica e podem auxiliar a medicina futuramente. “É importante conhecer a fundo o funcionamento cerebral. É necessário saber o que cada microrregião faz para conseguirmos dizer o que pode acontecer se a pessoa tiver uma lesão em determinado local. São informações fundamentais para entendermos as doenças cerebrais e qual é a raiz dessas diversas enfermidades”, completa.