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Gliomas representam 80% dos tumores cerebrais malignos. Agressivos, são divididos conforme a severidade em quatro graus, sendo que os últimos três compreendem os tumores incuráveis. Embora a divisão atual seja bem estabelecida pela Organização Mundial da Saúde, ela nem sempre é precisa. Pacientes com tumores classificados como de grau IV podem sobreviver mais tempo que o esperado, mas acabam submetidos a tratamentos debilitantes que deixam sequelas. Outros com tumores de graus I e II podem viver menos do que o previsto no prognóstico, o que significa que o comprometimento era maior do que definia a classificação.
A categorização atual, chamada de histológica, baseia-se na investigação microscópica da aparência das células doentes. “Ela é antiga. Feita com base em características vistas em microscópio comum desde 1830. O patologista alemão Rudolf Viorchow utilizou o termo glioma em 1860”, explica Stephen Stafani, oncologista e pesquisador do Instituto do Câncer Mãe de Deus, no Rio Grande do Sul. Muito se avançou no que diz respeito a esse e a outros tipos de exames de imagem, como ressonância magnética, que complementam o diagnóstico. Apesar disso, ainda há dificuldade em classificar com precisão os tumores de gravidade intermediária.
A proposta do time internacional de pesquisadores consiste na análise de genes associados com gliomas e também em técnicas moleculares e genômicas. Uma delas foca na metilação do DNA, uma reação bioquímica que, em estruturas cancerosas, previne a ativação de genes que garantem o funcionamento normal das células. A metilação difere da mutação genética por não envolver alterações duradouras na sequência do DNA. “Nós descobrimos gliomas de alto e de baixo graus misturados entre si dentro de subtipos diferentes. Essa foi uma descoberta inesperada que nos permitiu entender melhor a progressão deles no âmbito dos diferentes subtipos”, explica Houtan Noushmehr, professor da USP e coautor sênior do estudo.
Dados definidos por perfis de níveis de metilação do DNA para cada uma das amostras estudadas — 1.122 células de gliomas diferentes que foram comparadas com resultados da evolução clínica dos pacientes — permitiram que os cientistas determinassem sete grupos que preveem, de acordo com os perfis epigenéticos dos tumores, os prognósticos dos pacientes. Outros indicadores envolvidos na nova classificação são a presença ou a ausência de mutação em um gene chamado IDH e também alterações nos cromossomos das células doentes.
Stefani acredita que o estudo oferece sofisticação às classificações de gliomas. “Isso vem da possibilidade de modificar a estratégia terapêutica e de se conhecer melhor a história natural da doença. Quando recursos como quimioterapia e radioterapia foram incluídos ao arsenal que era exclusivamente cirúrgico, se passou a ter maior importância identificar quem deve se beneficiar do tratamento e quem vai precisar de outras formas de manejo”, diz o oncologista. “Uma nova classificação que responda a essas questões práticas adotando dados moleculares e genéticos é sempre bem-vinda e vai ao encontro do que se tem observado em várias áreas da oncologia moderna, com a terapia de precisão”, completa o especialista.
Abordagem específica
“O diagnóstico baseia-se na histologia, que é uma forma generalizada de classificar pacientes diferentes. Nesse sentido, há necessidade de melhorias não só para gliomas, mas para os tumores em geral. Nosso trabalho é interessante por ajudar o médico a encontrar marcadores moleculares que os auxiliem na hora de definir prognósticos e tratamentos. Nosso próximo trabalho buscará entender melhor o que acontece nesses grupos, especialmente nos mais marcantes para a gente, como o G-CIMP-low, que tem prognósticos ruim. Outro que chama a atenção é o PA-LIKE, que engloba pacientes sem mutações no IDH. Essas mutações estão associadas a um prognóstico melhor. Precisamos conhecer esses detalhes para tratar melhor essas pessoas. Temos muitas coisas ainda para estudar.”
Tathiane Malta, pós-doutoranda da USP e coautora da pesquisa