O estudo foi desenvolvido com base numa pesquisa anterior realizada pelo mesmo grupo de cientistas. Em 2013, os pesquisadores provaram que a maior parte do cromossomo Y não era necessária para a reprodução. Por meio de experimentos com roedores, eles mostraram que bastavam dois genes masculinos para o desenvolvimento de uma prole: o Sry, fator que age na formação dos órgãos sexuais em mamíferos, e o Eif2s3y, essencial para a proliferação dos espermatogônios, como são chamadas as células que dão origem aos espermatozoides. Os animais que só tinham essa pequena parcela do Y foram capazes de gerar uma prole com a ajuda da fertilização in vitro.
Na nova pesquisa, os cientistas resolveram ir além.
Prole saudável
O grupo procurou dois genes que poderiam substituir o Sry e o Eif2s3y nos ratos desprovidos do cromossomo masculino, chegando ao Eif2s3x e ao Sox9. O primeiro está na mesma família do Eif2s3y e tem uma sequência muito parecida com a contraparte masculina. Já o Sox9 foi uma escolha natural por ter relação com o Sry durante o desenvolvimento fetal. Em machos comuns, o Sry tem a função de ativar o Sox9, levando ao processo de amadurecimento do indivíduo. Depois que os ratos tiveram o cromossomo Y completamente removido, a dose das sequências correspondentes foi aumentada por meio de uma técnica de edição genética.
O experimento demonstrou que, embora o cromossomo Y seja fundamental para a espermatogênese e para a reprodução natural, a fertilização assistida ainda pode ser realizada a partir de machos totalmente desprovidos desses genes. Os filhotes nascidos a partir dos animais modificados são a prova de que o genoma esconde mecanismos alternativos para a determinação sexual e para a produção de células reprodutivas, mesmo que esses genes estejam normalmente adormecidos.
Aplicações “Não precisa ter o cromossomo, é preciso ter os genes que determinam que o indivíduo vai ser do sexo masculino e que haverá a organogênese dos órgãos reprodutivos normais.
Para a especialista, que não participou do estudo, compreender a influência de cada gene sobre um indivíduo é o maior desafio atual da genética, e o trabalho publicado na Science explica apenas uma fração dessa complicada dinâmica. “Identificar esses genes e saber exatamente o que eles fazem para a determinação de um fenótipo importante relacionado com a reprodução é fundamental para compreender os processos que regem a vida na natureza”, ressalta Maria Cátira.
O grupo pretende continuar a pesquisa sobre as funções do cromossomo Y e compreender melhor o mecanismo dos genes masculinos. Um dos alvos dos pesquisadores é o par Eif2s3y e Eif2s3x, cujo papel na determinação sexual ainda não é bem conhecido. Outros genes envolvidos na fertilidade masculina também serão analisados pelos cientistas ao nível molecular. “Queremos ver se podemos estender a nossa abordagem transgênica e usar os últimos avanços no campo das células-tronco para gerar proles somente a partir de fêmeas”, adianta Mônica, para quem a técnica poderia ser aplicada para a preservação de espécies.
O sucesso do experimento com ratos também representa uma possível alternativa para homens que sofrem de azoospermia, como é chamada a incapacidade de produzir gametas maduros. A condição afeta 1% das pessoas do sexo masculino em todo o mundo, impedindo-as de terem filhos. “A alternativa para eles ainda é o banco de sêmen”, ressalta Artur Dzik, diretor da Sociedade Brasileira de Reprodução Humana (SBRH) e do Serviço de Esterilidade do Hospital Pérola Byington. “Esse tipo de estudo pode levar a uma explicação para esse problema e, o que é ainda mais importante, pode abrir uma alternativa terapêutica para esses casais”, analisa.
Experimental
ROSI é a sigla em inglês para Injeção de Espermátide Redonda. Nessa técnica, a célula haploide que não se transformou em espermatozoide é injetada no oócito, a célula que dá origem ao óvulo.