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A iniciativa não significa fazer um prato para o seu bichinho com o almoço de domingo, mas elaborar um cardápio específico. É preciso ter cuidado, porém, com o que se oferece a eles. Segundo a veterinária Mariana Mauger, o manjericão tem ação anti-inflamatória devido à curcumina, além de ser um excelente tempero. Já a cebola e o alho contêm tiossulfato e dissulfeto de alipropila, substâncias que oxidam os glóbulos vermelhos e podem causar anemia nos pets. Por motivos desconhecidos, as uvas e as carambolas causam insuficiência renal nos gatos e não são uma boa opção. Alimentos gordurosos, como chocolate, leite e massas com açúcar, nem pensar.
Excluindo os alimentos de risco, Mariana Mauger afirma que o animal tem muito a ganhar com o novo cardápio. “Acho mais saudável, mas é importante que tenha um veterinário ou um especialista que faça uma dieta balanceada, porque é desenvolvida de acordo com peso do animal, a necessidade energética, a quantidade ideal de vitaminas e até a raça”, alerta.
Outros profissionais têm uma visão ainda mais crítica em relação à ração industrializada, como a zootecnista Janine França. O doutorado dela, concluído em 2009, consistiu em um experimento com 24 cães, divididos em grupos. Enquanto alguns comiam ração seca, outros foram servidos com ração úmida enlatada e os grupos restantes dividiram-se entre os que consumiam carne bovina e de frango cruas. Durante a comparação nutricional, foi possível notar que a AN possuía um índice de água muito maior, prevenindo cálculos renais. As quantidades de proteínas e carboidratos são muito semelhantes, porém, o que garante a energia e os nutrientes essenciais ao cão. No entanto, apresenta menos calorias, sendo indicada para os animais que precisam emagrecer. Os resultados dos exames finais mostraram que os grupos que se alimentaram de ração apresentaram níveis maiores de colesterol e triglicerídios, ou seja, gorduras, em comparação com os servidos com alimentação natural.
Segundo Sylvia, uma das vantagens de abolir a ração é a certeza da procedência do alimento. Na composição da maioria das marcas, é possível encontrar, por exemplo, BHA (hidroxianisole butilado) e BHT (hidroxitolueno butilado). Esses conservantes são considerados cancerígenos pela Organização Mundial da Saúde e pelo Programa Nacional de Toxicologia dos Estados Unidos, e, inclusive, já foram banidos no Japão.
A demanda por alimentação alternativa nos Estados Unidos e na Europa aumentou nos últimos anos. Foi então que a veterinária Juliana Bechara viu uma chance de divulgar os benefícios da AN no Brasil e ainda empreender a favor dos bichos. “É a mesma coisa de pensar na alimentação de humanos. Como seria nossa vida se a gente só se alimentasse de industrializados?”, questiona ela. Em maio de 2012, ela fundou a La Pet Cuisine, empresa que produz e vende refeições congeladas para cães, com as orientações nutricionais de Juliana e o toque gourmet da irmã dela, a chef de cozinha Veri Noda.
Todos os pratos são feitos à base de carne cozida, apesar de correntes defenderem que os pets podem — e devem — ingerir carne crua. Até o momento, porém, nem a La Pet Cuisine nem outras empresas brasileiras podem comercializar carne crua. “Na época em que pedi o registro no Ministério da Agricultura, não consegui autorização para carnes cruas por falta de leis específicas e também porque a manipulação na cozinha é mais arriscada”, conta a veterinária. Juliana ressalta que, mesmo quando a carne já está na casa do pet, a manipulação precisa ser muito cuidadosa para evitar a contaminação, frequentemente resolvida com o cozimento.
Outras receitas são feitas sob encomenda, principalmente para bichinhos com problemas no coração ou nos rins. “A gente faz o preparo de dietas enviadas por veterinários e após avaliar exames e histórico dos animais”, conta a veterinária. A La Pet Cuisine também prepara refeições para gatos saudáveis, que, além de terem necessidade proteica mais alta, que exigem cálculos energéticos mais complexos, são mais seletivos com o que comem e podem levar semanas na adaptação da nova alimentação.
DEPOIMENTOS
Thaís Villas Bôas, 29 anos, médica
Em 2013, Thaís começou a transição dos shih tzus Ziggy e Luna, de três anos, para a alimentação natural. Desde filhotes, a dupla comia ração premium, específica para a raça, mas Luna dificilmente aceitava de imediato. “Ela cheirava a comida, comia uma bolinha e saía”, conta Thaís. Quando Luna cedia à fome, acabava vomitando tudo. Além disso, os cachorros tinham alergias, infecções de ouvido e queda de pelo, que não cessavam, mesmo com o cuidado veterinário e dos exames frequentes.
Após Thaís tentar todas as rações disponíveis no mercado e começar a medicação para enjoo e proteção do estômago, sem sucesso, conheceu o mundo da AN e se animou com a ideia. Após servir fígado, batata-doce e cenoura para Luna, ela comeu tudo e não vomitou. Thaís não compra as refeições prontas, prepara toda a comida semanalmente e deixa as porções de café da manhã, almoço e jantar separadas na geladeira. “Pela saúde deles, deixo a preguiça de lado e faço”.
O resultado foi uma melhora significativa da qualidade de vida dos cães.
Maria Paula van Tol, 46 anos, publicitária
O drama do dálmata Panda, de 5 anos, começou com o ganho de peso, em 2015. Ele perdeu a vontade de brincar e de passear. A primeira hipótese de Maria Paula é que ela exagerava na quantidade de ração. Assim, diminuiu as refeições, mas logo veio o diagnóstico do hipotireoidismo, que explicava porque Panda não queimava calorias como antes. O dálmata passou a tomar remédios e o organismo reagiu, mas ele continuava triste. Foi quando a publicitária descobriu a alimentação natural e decidiu introduzir a comida cozida e, em seguida, a crua. “Ele é outro: emagreceu, melhorou o ânimo, bebe menos água — já que a ração é bem salgada —, come frutas”, diz.
Polêmica
Há algum tempo, casos de intoxicação por substâncias indesejadas nas rações são relatados pelo mundo. Em abril de 2007, a Food and Drug Administration (FDA), agência de regulamentação dos Estados Unidos, admitiu que a marca Menu Foods, responsável pelas rações Nestlé Purina e Eukanuba, produziu alimentos contaminados por melamina plástica e ácido cianúrico. O descuido causou a morte de cem animais, além de diarreia e vômito em outros tantos. A FDA recebeu ainda, entre 2011 e 2012, mais de 900 reclamações sobre pets que passaram mal com os petiscos chineses Waggin, da Nestlé Purina. Desde fevereiro, corre na Califórnia uma ação judicial contra a Nestlé. O autor da ação, Frank Lucido, afirma que perdeu um buldogue inglês e um pastor alemão logo após comprar a ração Purina Beneful. O labrador da família não chegou a falecer, mas também teria adoecido. Em 2011, após o incidente, a empresa começou um recall dos alimentos para investigar as denúncias, mas negou a relação entre seus produtos e as doenças dos bichos.