Ontem, a incidência do zika vírus foi discutida na sede da Organização Panamericana de Saúde/Organização Mundial da Saúde (Opas/OMS), em Brasília, por representantes de diversos países. E uma das convidadas foi a médica Adriana Melo, 45 anos, que confirmou pela primeira vez a relação da microcefalia com o vírus zika. Adriana – especializada em ultrassonografia e em medicina fetal, mestre em Saúde Coletiva e doutora em Tocoginecologia – em outubro do ano passado, confirmou a existência de material genético do zika vírus no líquido aminiótico de duas gestantes do interior da Paraíba.
Como especialista em medicina fetal, Adriana passa os dias fazendo ultrassons. Foi assim que se deparou com o primeiro caso de microcefalia desse surto. Em setembro, outra especialista em medicina fetal levou a ela o resultado de um ultrassom com um padrão de malformação cerebral que nunca tinha visto. O exame tinha sido feito em um aparelho de ultrassonografia comum e Adriana quis repetir em um equipamento mais sofisticado.
NOVO
Em outubro, uma paciente particular chegou à clínica para o exame morfológico, na 20ª semana. “Eu mesma tinha feito o ultrassom anterior e estava tudo normal. Mas o novo exame tinha discretas malformações no cérebro. Pedi que ela voltasse em duas semanas. Quando ela retornou vi a microcefalia e as calcificações aumentadas, que sugeriam causa infecciosa. Disse à paciente que nunca tinha visto nada igual e que precisaríamos investigar. Estava de frente para algo totalmente novo”, recorda.
Era manhã de um sexta-feira quando Adriana pediu uma ressonância do cérebro fetal em busca de respostas. Durante a tarde, naquele mesmo dia, recebeu uma mensagem de Pernambuco. “Era uma médica contando dos 60 casos de microcefalia em Pernambuco, com o mesmo padrão dos dois que tinham passado por mim. Em comum, todas as pacientes tinham relatado manchas vermelhas pelo corpo.
Em contato com a Secretaria Estadual de Saúde da Paraíba, experimentou a descrença. “Já estava estressada. Ninguém aceitava o que eu estava falando”. Adriana entrou em contato com várias entidades de pesquisa, estudou o que podia e convenceu as duas pacientes a participarem daquilo. A coleta, em si, é algo simples, uma pulsão guiada por ultrassom. “Fiz tudo por conta própria. Levei as duas pra clínica particular, colhi as amostras, congelei e enviei para o laboratório da Fiocruz no Rio de Janeiro”, conta. Quando saiu o resultado, Pernambuco já tinha notificado mais de 200 casos de microcefalia.
Exército põe 220 mil nas ruas
Preocupado com o avanço da dengue e do zika vírus, o governo vai ampliar a quantidade de militares das Forças Armadas para atuar no combate ao mosquito Aedes aegypti. A ideia é que 220 mil homens atuem nessa frente, o que corresponde a cerca de 60% de todo o efetivo do Exército, Marinha e Aeronáutica.
Segundo o ministro da Defesa, Aldo Rebelo, 50 mil homens atuarão diretamente visitando residências para eliminar focos de proliferação do mosquito e orientar moradores.
A tropa completa, de 220 mil homens, vai ser mobilizada para atuar numa campanha de caráter educativo, com a entrega de panfletos com orientações à população. A mobilização está prevista para ocorrer no dia 13 de fevereiro e a ideia é visitar 3 milhões de casas em 356 municípios – 115 deles considerados endêmicos.
O Ministério da Defesa também vai disponibilizar homens e mulheres para participar da campanha que o Ministério da Educação vai realizar em escolas, para a conscientização de crianças e adolescentes. Paralelamente, os militares também vão fazer uma varredura em quartéis para eliminar eventuais focos do mosquito.
Questionado por que somente agora as Forças Armadas vão começar a atuar efetivamente no combate ao Aedes aegypti, Aldo evitou criticar o trabalho que vem sendo desenvolvido pelo ministro da Saúde, Marcelo Castro, e afirmou que já há militares ajudando no combate da epidemia em cidades onde a situação está mais crítica “Nós atuamos quando somos convocados. Esse esforço maior de participação é correspondente ao esforço que o governo vem fazendo para erradicar o mosquito”, disse.
Minas
Representantes da Secretaria de Estado da Saúde, do Comando do Exército em Minas Gerais e do Ministério Público estadual participam ontem de uma reunião para definir estratégias de combate ao mosquito. A ideia é que os militares recebam treinamento para trabalhar em conjunto com agentes de endemias dos municípios e estado. O governo mineiro defende ainda a atuação de comitês locais para enfrentar o problema.
Para se ter uma ideia, dados da Secretaria de Saúde apontam que somente neste mês já foram registrados cerca de 20 mil casos de dengue em todo o estado. “Temos uma grande preocupação com a expansão da dengue, o que mostra uma presença importante do Aedes em Minas Gerais”, afirmou o secretário de Saúde, Fausto Santos. Já há a confirmação de dois casos de zika vírus: uma gestante, em Ubá, na Zona da Mata, e um bebê que tem características que se enquadram no protocolo de microcefalia, em Curvelo, na Região Central. Outros 16 casos estão sendo investigados.
Pensão para bebês e repelentes para mães
Bebês diagnosticados com microcefalia em todo o país vão ter direito a receber um salário mínimo por mês, uma espécie de aposentadoria, desde que pertençam a famílias com renda mensal de até R$ 220 por pessoa. A medida deve ser anunciada nos próximos dias pelo governo como forma de proteção às famílias pobres com crianças portadoras da malformação. O Ministério da Saúde já repassou a lista com os municípios onde foram registrados casos de microcefalia para que o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) faça um cruzamento com o cadastro único do governo de benefícios sociais. Em nota, o MDS confirmou que está em diálogo com os técnicos do Ministério da Saúde.
O Benefício de Proteção Continuada (BPC), instituído pela Constituição de 1998 e regulamentado pela Lei Orgânica da Assistência Social (Loas), garante um salário mínimo mensal a idosos com mais de 65 anos e a pessoas com deficiência que não tenham meios para se sustentar nem podem ser sustentadas pela família, independentemente da idade. Atualmente, 4,2 milhões de pessoas são beneficiadas. O orçamento deste ano, sem incluir os casos de microcefalia, estima pagamentos de R$ 48,3 bilhões.
PROTEÇÃO
O governo iniciou ontem negociação para a compra de repelentes para fornecer a cerca de 400 mil grávidas que estão inscritas no programa Bolsa-Família para que elas possam se proteger do mosquito Aedes aegypti, responsável pela transmissão do zika vírus. Em reunião no Palácio do Planalto com cerca de 30 empresas que fabricam o produto, os ministros Jaques Wagner, da Casa Civil, e Marcelo Castro, da Saúde, afirmaram que o governo já tem os recursos necessários para adquirir os repelentes e reforçaram o caráter de urgência da medida.
As empresas, por sua vez, ficaram de responder até sexta-feira a quantidade que cada uma pode fornecer imediatamente. Os ministros afirmaram durante a reunião que o governo está disposto a comprar produtos de diferentes marcas, desde que eles cumpram determinados requisitos. O Ministério da Saúde vai enviar um questionário técnico para cada uma delas para avaliar as especificidades dos repelentes, com perguntas como de quanto em quanto tempo é necessário reaplicar o produto..