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CONTRA AS SUPERBACTÉRIAS

Cientistas desenvolvem teste de sangue que mostra se infeção respiratória é viral ou bacteriana

Com essa informação, os médicos conseguirão prescrever antibióticos aos pacientes só quando necessário: para combater bactérias

Vilhena Soares
Os antibióticos, principal arma no combate a doenças infecciosas, modernizaram a medicina.
Essa solução, porém, se tornou uma preocupação mundial devido ao uso exagerado. A ingestão excessiva da droga, além de provocar a perda do poder curativo, contribui para o surgimento de superbactérias, que não morrem quando entram em contato com o medicamento. Na tentativa de evitar essa complicação, cientistas dos Estados Unidos desenvolveram um teste de sangue que determina o tipo de infecção respiratória, se viral ou bacteriana. O método de classificação, detalhado nesta semana na revista Science Translational Medicine, permite que os antibióticos sejam prescritos apenas para a finalidade deles: exterminar bactérias.

Os criadores do método se basearam no comportamento do organismo humano quando acometido por uma infecção. A reação depende do tipo de invasor. “O nosso trabalho firma-se na observação, conhecida há muito tempo, de que o sistema imunológico responde de forma diferente a agentes patogênicos distintos. Chamamos isso de ‘a resposta do hospedeiro’”, explica ao Correio Geoffrey Ginsburg, um dos autores do estudo e professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Duke, nos Estados Unidos.

Clique na imagem para ampliá-la e saiba mais - Foto: CB/D.A Press

As respostas do corpo às infecções foram observadas por meio de um sistema avançado, capaz de analisar a composição genética de uma pessoa — composta por 25 mil genes — de uma só vez.
“Utilizamos tecnologias genômicas que conseguem ver como os genes reagem e desenvolvem padrões específicos, as assinaturas genéticas. São expressões que ocorrem em resposta a tipos de vírus ou bactérias”, detalha Ginsburg.

Os cientistas analisaram amostras de sangue de mais de 300 pacientes infectados por esses micro-organismos. Conseguiram confirmar a ocorrência das infecções e determinar o tipo de cada uma com 87% de precisão. Os autores destacam que a eficácia dos resultados é o maior ganho do método. A nova técnica, garantem, é mais precisa que outros testes em desenvolvimento e que buscam apenas a presença de micro-organismos específicos no paciente.

“A infecção respiratória é um dos problemas que mais leva as pessoas ao médico. Nós usamos muitas informações para fazer um diagnóstico, mas ainda não existe uma maneira eficiente ou altamente precisa de determinar se a infecção é bacteriana ou viral”, destaca Efraim Tsalik, professor-assistente da Faculdade de Medicina da Universidade de Duke e também autor da pesquisa.

Cristina Alvim, pneumologista e professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), avalia que o novo método de diagnóstico utiliza uma estratégia inovadora para um antigo problema científico. “Temos vários estudos que tentam mostrar a diferenciação da causa de infecções respiratórias, mas eu nunca tinha visto nenhuma pesquisa que estudasse o perfil da expressão genética, que é a resposta do hospedeiro à infecção, uma interação entre o organismo e o agente infeccioso”, explica. A taxa de eficácia também chamou a atenção da especialista. “Esse foco da detecção feita por esses pesquisadores se mostrou eficaz, já que os dados de acerto foram bem altos.”

Tratamento às cegas
Um dos principais desafios no manejo de pacientes com infecção respiratória é saber quando prescrever antibióticos. De acordo com os autores do estudo norte-americano, a falta de informações precisas sobre a causa da infecção faz com que muitos médicos prescrevam antibióticos às cegas para tratar a causa com potencial mais perigoso de complicação. No entanto, a maioria das infecções respiratórias é gerada por vírus, que não devem ser tratados com antibióticos.

“Nossa tecnologia tem como objetivo fornecer as informações que ajudarão os médicos a tomar melhores decisões sobre quem precisa de antibiótico e quem não. Se pudermos reduzir a utilização excessiva desse medicamento, a resistência a ele vai cair. Isso ocorrerá porque bactérias que ocorrem naturalmente não vão ser expostas a essa droga, e é a exposição ao fármaco que faz com que elas desenvolvam a resistência”, destaca Ginsburg.

O pesquisador cogita, inclusive, que o método contribua também para a melhora do tratamento de infecções virais.
“Neste momento, podemos receitar o Tamiflu (que tem o oseltamivir como princípio ativo) para ajudar pacientes a se recuperarem de uma infecção por influenza, por exemplo, mas, para a maioria das infecções virais, o tratamento é tomar fluidos e descansar até que passe. Nos próximos cinco a 10 anos, veremos, provavelmente, novos medicamentos antivirais, contra o vírus sincicial respiratório (VSR) e até mesmo contra o rinovírus, a causa predominante do resfriado comum. Dessa forma, orientar as escolhas de tratamento será ainda mais importante”, justifica o pesquisador.

Um das próximas etapas do estudo é refinar o teste em busca de resultados mais rápidos, já que os experimentos iniciais demoram cerca de 10 horas para ter um resultado. “Agora, vamos colocar o ensaio em uma plataforma de teste que possa ser usada em consultórios médicos, por exemplo, e continuar o trabalho para mostrar que esse paradigma  — a resposta do hospedeiro — pode ser usada em todas as populações: crianças, idosos e outros grupos étnicos”, complementa Ginsburg.

100 mil mortes no Brasil

A Organização Mundial da Saúde (OMS) considera as superbactérias uma das maiores ameaças à saúde pública. Em um relatório divulgado em 2014,  com dados de 114 países, a entidade ressaltou o risco de pequenos ferimentos e infecções voltarem a ser fatais justamente pela queda da eficiência dos antibióticos. No Brasil, as infecções hospitalares atingem 14% dos pacientes internados e, segundo a OMS, podem matar até 100 mil pessoas por ano. Segundo o Centro de Controle e Prevenção de Doenças, 23 mil pessoas morrem anualmente vítimas das superbactérias nos Estados Unidos. Na Europa, são 20 mil.

Americanos fazem alerta

Outro grupo de pesquisadores dos Estados Unidos fez, no começo desta semana, um alerta sobre a prescrição exagerada de antibióticos para o tratamento de infecções agudas do trato respiratório em adultos (Artis, pela sigla em inglês). Os estudiosos reuniram dados de saúde pública e detalharam, na revista Annals of Internal Medicine, as possíveis complicações do problema e medidas que podem ser tomadas pelos médicos para evitá-lo.


A Artis é um grupo de doenças que inclui o resfriado comum, a bronquite, a dor de garganta e a sinusite — enfermidades tratadas com muita frequência nos consultórios médicos. De acordo com dados coletados pelos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC em inglês), 50% das prescrições de antibióticos são desnecessárias ou inadequadas, somando o equivalente a US$ 3 bilhões em custos excessivos.

O trabalho também destaca que os antibióticos são responsáveis pelo maior número de eventos adversos relacionados à medicação: uma em cada cinco visitas a serviços de emergência para tratar reações adversas a medicamentos é provocada pelo uso dessas drogas.

Os autores defendem que os antibióticos não sejam prescritos para resfriados comuns e que os médicos esperem duas semanas para saber se os sintomas da infeção permanecem, além de explicar os riscos e os benefícios da terapêutica assintomática (uso de remédios que aliviam as dores causadas pelos sintomas).
Outra medida proposta, destinada aos casos de bronquite sem complicações, é não prescrever antibióticos a menos que exista uma suspeita de pneumonia. “Reduzir o uso excessivo de antibióticos para Artis em adultos é uma prioridade clínica e uma maneira de melhorar a qualidade do atendimento, reduzir custos de cuidados de saúde e prevenir o aumento contínuo de resistência a antibióticos”, frisou, em comunicado, Wayne J. Riley, presidente da American College of Physicians (ACP), instituição responsável pelo estudo..