A alergia é uma reação exagerada do sistema imunológico, que se engana ao confundir pólen, poeira ou proteínas normais de alimentos com agentes perigosos, como vírus e bactérias. Ao acreditar que essas moléculas inofensivas são invasores maléficos, as células de defesa se organizam para comandar um ataque, liberando no organismo uma substância natural chamada histamina. Os sintomas desencadeados por ela têm como objetivo colocar os inimigos para fora do corpo; daí reações como espirro e tosse, que ajudam a expulsá-los.
No caso das alergias alimentares, as mais comuns estão associadas a leite e ovos e tendem a atenuar ou mesmo desaparecer durante a infância. Contudo, podem tornar a vida da criança extremamente restrita e, dependendo da gravidade da reação, até matar.
Agora, cientistas da Ala Walter e Eliza do Instituto de Pesquisas Médicas de Melbourne, na Austrália, desvendaram o processo da alergia alimentar mediada por IgE, classe de anticorpos mobilizada pelo sistema imunológico diante da exposição a certos alimentos, como leite, trigo, soja, frutos do mar, amendoim, ovo, entre outros. Nem é preciso ingeri-los para desencadear as crises, pois a inalação das moléculas pode ser suficiente para acionar a reação do organismo.
Pesquisadora da instituição e coautora do estudo, Yuxia Zhang explica que a alergia alimentar infantil é um problema particularmente preocupante na Austrália, onde a prevalência estimada é maior que a média mundial: 10%. “Não sabemos ainda por que os casos estão aumentando, mas sabemos que uma em cada 10 crianças nascidas em Melbourne vai apresentar os sintomas até completar 1 ano”, diz.
De acordo com o professor Peter Vuillermin, do Instituto de Pesquisa Pediátrica Murdoch, também na Austrália, nos últimos anos, os casos de internação hospitalar por alergia alimentar triplicaram na cidade australiana. “É por isso que precisamos saber exatamente os mecanismos pelos quais os bebês desenvolvem o problema”, diz o também integrante do estudo.
Cordão umbilical Nesta pesquisa, os pesquisadores retiraram amostras de sangue do cordão umbilical congelado de mais de 1 mil crianças que, até os 12 meses, foram diagnosticadas com alergia. No microscópio, investigaram os tipos de células presentes e compararam ao sangue de bebês que não sofrem do problema. “Encontramos um padrão celular muito distinto”, observa Yuxia.
De acordo com ela, no momento do parto, os recém-nascidos que, mais tarde, apresentarão reações aos alimentos, tinham um número maior de células imunes chamadas monócitos e uma quantidade reduzida das células T reguladoras. “É exatamente isso que ocorre em um processo alérgico: há aumento de monócitos e redução das T reguladoras. Então, o que nosso estudo mostrou é que esses bebês já nascem com o sistema imunológico em estado hiper-reativo, como se estivesse sendo provocado por um alérgeno”, esclarece a pesquisadora.
Com um sistema imunológico reativo de forma inata, essas crianças, antes de completar 1 ano, exibirão sintomas alérgicos quando expostas a alimentos como nozes, leite e ovos. “Para entender como as doenças do sistema imunológico se desenvolvem, precisamos voltar mais nossos olhos ao período da gravidez e aos primeiros meses de vida da criança”, diz Vuillermin.
O professor explica que, embora os dados precisem ser validados em estudos futuros, a descoberta aponta para a possibilidade de se utilizarem medicamentos anti-inflamatórios com o intuito de normalizar a produção de monócitos e células T reguladoras e, assim, prevenir e tratar a predisposição a alergias alimentares. Ele afirma ainda que o próximo passo do estudo será investigar por que os bebês nascem com o sisteme hiper-reativo, o que poderá ser explicado por alterações genéticas..