Após perder o filho Dudu, de 21 anos, em um acidente, há três anos, Andréa Murgel começou a escrever aquilo que sentia em um caderno, como se fosse um diário. O hábito, somado ao apoio dos familiares e de uma terapeuta, a ajudou a passar pelo processo do luto. Andréa mantinha também um blog, no qual escrevia também um pouco do que sentia. Em resposta, recebia os comentários de muitas mães que se identificavam com o que ela passava. Muitas reclamavam de falta de apoio de amigos e parentes, que não sabiam como agir ou não entendiam muito bem o sofrimento delas.
Andréa se reencontrou na escrita, se recuperou e canalizou as energias para ajudar essas mulheres, com as quais compartilhava a mesma dor. A diferença, é que elas não tinha o mesmo suporte para superar a perda e retomar as rédeas da própria vida, ainda que com saudade extrema do filho que se foi. Com embasamento teórico sobre terapia do luto, a qual estuda a fundo até hoje, ela começou a gravar vídeos e dar palestras. Não demorou para que fosse convidada a transformar os textos de seu diário e de seu blog em livro.
O amparo a essas mães que perderam seus filhos começou a ser institucionalizado por meio do livro A Mariposa azul (editora Sinergia) e do projeto ligado a ele, S.O.S. Mãezinha. O objetivo é acolher e levar conhecimento sobre luto e superação de perdas para todas as mães que vivenciam a morte dos filhos. Segundo Andréa, muitas ficam perdidas e desorientadas com o fim de um capítulo de suas vidas, muitas cometem suicídio, muitas passam a vida de luto. A esperança é fazer com que elas consigam sobreviver com instrução e amparo de outras mães, unidas pela mesma tragédia.
Como você define a sensação de perder um filho?
A gente morre junto. Quando perdi o Dudu, fiquei sem chão. Aquela Andréa é diferente da Andréa de hoje. A dor permanece tirando um pedacinho do meu coração a cada dia, e a tristeza está lá quietinha. Sabemos que teremos de viver com isso e com tanta saudade. Então, caminho um dia após o outro e não há um sequer em que não pense no Dudu.
Você se apoia muito na religião. Sempre teve fé? Ela mudou de alguma forma depois da perda?
Eu sempre tive muita fé. Por um tempo, depois de perder o Dudu, eu a perdi também, mas acabei recuperando. Chega um momento em que a gente precisa acreditar que existe algo maior. Sempre fui envolvida em causas sociais. Minha perda só fez com que eu canalizasse minhas energias para mães que, como eu, perderam seus filhos.
Como você avalia o suporte que teve durante seu luto?
Diferentemente de muitas outras pessoas, tive muita gente disposta a ajudar, mas elas não sabiam bem como. Fiz terapia do luto com uma pessoa maravilhosa, que me ajudou a entender que existia o processo do luto, algo que era estudado mesmo pela medicina. Mas foi estudando sozinha, compreendendo aquilo pelo que estava passando e me identificando na teoria, que fiquei bem.
Você diz que continuar vivendo foi uma escolha feita em um certo ponto do sofrimento. Como foi isso?
Estava passando pela terceira fase do luto, quando a gente sente muita raiva de tudo. A gente vê uma família feliz e pensa: “Por que comigo?”. Mas, de repente, recebi uma luz. Foi aí que eu cheguei à conclusão de que ia viver e fazer isso homenageando o Dudu, que sempre foi um menino feliz e intenso.
A sociedade sabe lidar com o luto?
Há pouco tempo, começou-se a falar mais sobre o luto, mas de forma ainda tímida. O problema é tanto da sociedade quanto dos especialistas. O Brasil engatinha no processo de educar as pessoas para isso. Os terapeutas tentam correr atrás, mas há poucos cursos a respeito. Quanto à sociedade, a dor do luto acaba sendo solitária porque as pessoas não sabem o que dizer, acabam falando coisas que não deviam como: “Você tem que estar feliz. Ele está bem”. Outras te cortam se você começa a falar sobre a pessoa que faleceu; outras preferem não te encontrar. Na verdade, elas não precisam falar nada. Um abraço é o suficiente. A sociedade também cobra muito da mãe que perdeu um filho. Uma vez, recebi um e-mail de uma mãe dizendo que o marido a cutucava todo dia, dizendo que ela deveria sorrir. Isso é cruel. Cada um tem seu tempo e o de uma mãe pode ser e, geralmente é, mais longo.
Qual seria o conselho principal que você teria para dar a uma mãe que perdeu o filho? O conselho seria o mesmo para um
pai ou um irmão?
O conselho para pais e irmãos é um pouco diferente, mas, para as mãezinhas, vai depender de que fase do luto em que estão. Não existem conselhos, mas o apoio, o simples estar juntas, e as palavras de solidariedade de alguém que também viveu o luto.
Existe o jeito correto de os familiares lidarem com aquela mulher da família que acabou de perder um filho?
Acredito que, se os familiares começarem a pensar que ninguém tem a noção da imensa dor que é perder um filho, e que as dores não podem ser comparadas; já começamos com um longo passo. Depois, estar presente para quando ela precisar, sem forçar a barra. Dar amor, carinho e compreensão e, principalmente ouvi-la. Não esperar que ela se levante enquanto não puder, ou que volte a ser a mesma, ou que volte para a vida rapidamente. É muito difícil também para os familiares, mas creio que se houver essas demonstrações, ao final, tudo sairá bem da melhor forma possível.
Quais são as fases do luto? Existe alguma com a qual as pessoas, normalmente, têm mais dificuldade de enfrentar?
São cinco: negação ou entorpecimento; raiva; negociação; tristeza profunda e aceitação. Nós podemos nos ver em cada uma delas e o luto, muitas vezes, se transforma numa montanha-russa de fases. Em minha opinião, a fase mais difícil é a tristeza profunda, pois estamos colocando os pés no chão. A dor é muito forte e, na maioria das vezes, buscamos um isolamento, pois é aí que começamos a aceitar o que não tem retorno. Depois da última fase, devemos aprender a caminhar com um coração de cristal, que, muitas vezes vai se quebrar em pedacinhos, nos fazendo chorar e sentir aquela dor da saudade imensa. Depois, voltamos ao normal.
Como você esperava ajudar as mães com o Mariposa azul e como você ainda espera ajudar com o projeto S.O.S. Mãezinha?
O processo de luto é idêntico entre todas nós. É importante que as mães que estão passando por ele entendam que é só um processo e que ele tem fim. Além disso, só uma mãe que sofreu a perda de um filho entende outra mãe nessa situação. Algumas não se sentem confortáveis para falar sobre a perda, algumas ficam em negação por muito tempo e outras chegam a tentar suicídio. Isso é muito sério. Uma vez, uma mãe me questionou: “Como assim, você superou o luto? O luto é para sempre.” Tive que explicar que não, que o luto é só um processo. A dor continua, a saudade continua, mas a gente tem que seguir adiante e se recuperar.
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O amparo a essas mães que perderam seus filhos começou a ser institucionalizado por meio do livro A Mariposa azul (editora Sinergia) e do projeto ligado a ele, S.O.S. Mãezinha. O objetivo é acolher e levar conhecimento sobre luto e superação de perdas para todas as mães que vivenciam a morte dos filhos. Segundo Andréa, muitas ficam perdidas e desorientadas com o fim de um capítulo de suas vidas, muitas cometem suicídio, muitas passam a vida de luto. A esperança é fazer com que elas consigam sobreviver com instrução e amparo de outras mães, unidas pela mesma tragédia.
Como você define a sensação de perder um filho?
A gente morre junto. Quando perdi o Dudu, fiquei sem chão. Aquela Andréa é diferente da Andréa de hoje. A dor permanece tirando um pedacinho do meu coração a cada dia, e a tristeza está lá quietinha. Sabemos que teremos de viver com isso e com tanta saudade. Então, caminho um dia após o outro e não há um sequer em que não pense no Dudu.
Você se apoia muito na religião. Sempre teve fé? Ela mudou de alguma forma depois da perda?
Eu sempre tive muita fé. Por um tempo, depois de perder o Dudu, eu a perdi também, mas acabei recuperando. Chega um momento em que a gente precisa acreditar que existe algo maior. Sempre fui envolvida em causas sociais. Minha perda só fez com que eu canalizasse minhas energias para mães que, como eu, perderam seus filhos.
Como você avalia o suporte que teve durante seu luto?
Diferentemente de muitas outras pessoas, tive muita gente disposta a ajudar, mas elas não sabiam bem como. Fiz terapia do luto com uma pessoa maravilhosa, que me ajudou a entender que existia o processo do luto, algo que era estudado mesmo pela medicina. Mas foi estudando sozinha, compreendendo aquilo pelo que estava passando e me identificando na teoria, que fiquei bem.
Você diz que continuar vivendo foi uma escolha feita em um certo ponto do sofrimento. Como foi isso?
Estava passando pela terceira fase do luto, quando a gente sente muita raiva de tudo. A gente vê uma família feliz e pensa: “Por que comigo?”. Mas, de repente, recebi uma luz. Foi aí que eu cheguei à conclusão de que ia viver e fazer isso homenageando o Dudu, que sempre foi um menino feliz e intenso.
A sociedade sabe lidar com o luto?
Há pouco tempo, começou-se a falar mais sobre o luto, mas de forma ainda tímida. O problema é tanto da sociedade quanto dos especialistas. O Brasil engatinha no processo de educar as pessoas para isso. Os terapeutas tentam correr atrás, mas há poucos cursos a respeito. Quanto à sociedade, a dor do luto acaba sendo solitária porque as pessoas não sabem o que dizer, acabam falando coisas que não deviam como: “Você tem que estar feliz. Ele está bem”. Outras te cortam se você começa a falar sobre a pessoa que faleceu; outras preferem não te encontrar. Na verdade, elas não precisam falar nada. Um abraço é o suficiente. A sociedade também cobra muito da mãe que perdeu um filho. Uma vez, recebi um e-mail de uma mãe dizendo que o marido a cutucava todo dia, dizendo que ela deveria sorrir. Isso é cruel. Cada um tem seu tempo e o de uma mãe pode ser e, geralmente é, mais longo.
Qual seria o conselho principal que você teria para dar a uma mãe que perdeu o filho? O conselho seria o mesmo para um
pai ou um irmão?
O conselho para pais e irmãos é um pouco diferente, mas, para as mãezinhas, vai depender de que fase do luto em que estão. Não existem conselhos, mas o apoio, o simples estar juntas, e as palavras de solidariedade de alguém que também viveu o luto.
Existe o jeito correto de os familiares lidarem com aquela mulher da família que acabou de perder um filho?
Acredito que, se os familiares começarem a pensar que ninguém tem a noção da imensa dor que é perder um filho, e que as dores não podem ser comparadas; já começamos com um longo passo. Depois, estar presente para quando ela precisar, sem forçar a barra. Dar amor, carinho e compreensão e, principalmente ouvi-la. Não esperar que ela se levante enquanto não puder, ou que volte a ser a mesma, ou que volte para a vida rapidamente. É muito difícil também para os familiares, mas creio que se houver essas demonstrações, ao final, tudo sairá bem da melhor forma possível.
Quais são as fases do luto? Existe alguma com a qual as pessoas, normalmente, têm mais dificuldade de enfrentar?
São cinco: negação ou entorpecimento; raiva; negociação; tristeza profunda e aceitação. Nós podemos nos ver em cada uma delas e o luto, muitas vezes, se transforma numa montanha-russa de fases. Em minha opinião, a fase mais difícil é a tristeza profunda, pois estamos colocando os pés no chão. A dor é muito forte e, na maioria das vezes, buscamos um isolamento, pois é aí que começamos a aceitar o que não tem retorno. Depois da última fase, devemos aprender a caminhar com um coração de cristal, que, muitas vezes vai se quebrar em pedacinhos, nos fazendo chorar e sentir aquela dor da saudade imensa. Depois, voltamos ao normal.
Como você esperava ajudar as mães com o Mariposa azul e como você ainda espera ajudar com o projeto S.O.S. Mãezinha?
O processo de luto é idêntico entre todas nós. É importante que as mães que estão passando por ele entendam que é só um processo e que ele tem fim. Além disso, só uma mãe que sofreu a perda de um filho entende outra mãe nessa situação. Algumas não se sentem confortáveis para falar sobre a perda, algumas ficam em negação por muito tempo e outras chegam a tentar suicídio. Isso é muito sério. Uma vez, uma mãe me questionou: “Como assim, você superou o luto? O luto é para sempre.” Tive que explicar que não, que o luto é só um processo. A dor continua, a saudade continua, mas a gente tem que seguir adiante e se recuperar.