Vânia conheceu o marido na década de 1970, em Brasília. Ela morava na 108 Sul e Ronaldo, servidor do Banco do Brasil, na 211 Sul. Na quadra dele, nasceu o grupo de amigos Boteco da 11, que exigiu que o livro Experiência de campeão (Editoria Coruja), escrito por Vânia a partir de um volume considerável de pesquisas, depoimentos e vivências sobre o glioblastoma multiforme (GBM), fosse lançado também em Brasília.
No decorrer das 226 páginas escritas em dois meses, Vânia fornece informações humanizadas e menos técnicas sobre o GBM, descoberto em Ronaldo no dia 23 de abril do ano passado. Esse câncer integra a família dos gliomas, tumores que atacam as células cerebrais. O diagnóstico não foi o primeiro contato do casal com o câncer cerebral: Vânia é amiga de infância de Oscar Schmidt, ex-jogador da Seleção Brasileira de Basquete, que luta desde 2011 contra um astrocitoma, tipo menos agressivo de glioma.
“O glioma pode ser de baixo ou alto grau. O GBM é de grau IV, o mais alto e agressivo. Em tese, é incurável porque, por mais entusiasmo que médicos e pacientes tenham com o tratamento, sempre fica um pouco do tumor nos tecidos. Ele nunca é ressecado completamente na cirurgia”, explica Stephen Doral Stefani, oncologista do Instituto do Câncer do Sistema de Saúde Mãe de Deus, em Porto Alegre. “Apesar das exceções, é improvável que o paciente conviva com a doença por mais de 24 meses”, completa.
Stefani explica que os sintomas variam conforme o local em que o tumor se desenvolve, sendo mais comuns as dores de cabeça e as convulsões. Alguns se confundem com um quadro de isquemia cerebral. Inicialmente, foi isso que Vânia imaginou: Ronaldo estava tendo um acidente vascular cerebral (AVC). Preocupada, apressou-se em levá-lo a um posto de saúde. Já era quase meia-noite quando os resultados dos exames saíram. Ana Carla, estudante do primeiro ano de residência médica que os atendeu, descartou o AVC, mas levantou uma possibilidade muito pior: a de um tumor cerebral.
Naquela noite, o casal não dormiu. Às 6h, Ronaldo estava a caminho de um hospital, onde foi atendido e internado imediatamente.
Ronaldo foi encaminhado para a cirurgia uma semana após o diagnóstico. Essa é primeira medida de quase todos os tratamentos para GBM. Após oito horas e 22 minutos de cirurgia, os médicos comunicaram o êxito: haviam ressecado 90% do tumor sem afetar as funções cognitivas de Ronaldo. O atleta passou a fazer um diário da batalha contra GBM. Quando não pôde mais escrever, Vânia assumiu o desafio.
Dúvidas persistem
Nos meses seguintes à cirurgia, o atleta ficou cada vez mais debilitado. Isso fez com que Vânia repensasse se o procedimento foi realmente vantajoso para o caso do marido. “Do diagnóstico até hoje, tem um monte de ‘se’ no caminho. O tumor de Oscar (o jogador de basquete) fica na parte da frente do crânio e a operação não o prejudicou. Mas Ronaldo ficou praticamente vegetativo, pois a posição do tumor dele era em um local mais delicado.
Um dos eventos mais marcantes da história de Ronaldo se deu em 16 de junho, quando o casal, em companhia do filho Israel, pegou os resultados de uma ressonância magnética realizada meses após a cirurgia. Nesse dia, Vânia diz ter recebido “a segunda sentença de morte verbalizada pelos médicos”: o tumor havia apresentado recidiva de 110%. “Dona Vânia, a senhora está ciente que esse câncer não tem tratamento curativo?”, perguntou o médico após instruir Ronaldo e Israel a procurarem o responsável pela radiologia. O tratamento, para o choque do especialista, ainda não havia sido fornecido pelo hospital.
Ao responder que sim, Vânia ouviu o prognóstico aterrorizador. “A precisão que damos para esses casos é de quatro meses de vida”, disse o médico. Deu a notícia ao marido em prantos. “Mas eu queria ficar mais um tempo”, ele respondeu chorando. “Espero que o livro ajude pessoas com a mesma doença. Não tem como evitar o sofrimento, mas, pelo menos, poderão saber o que vai acontecer e onde estão pisando. Eu gostaria que o livro servisse como um mapa para auxiliar quem precisa. Infelizmente, para essa doença, o final é sempre igual”, lamenta Vânia. Ronaldo faleceu em 28 de abril último, aos 57 anos. Em sua homenagem, a Associação Field Brasil de Tiro com Arco criou a Copa Ronaldo Nacaxe.
Vânia Nacaxe, autora de Experiência de campeão e esposa de Ronaldo Nacaxe
Israel, meu filho, tirava fotos de tudo para enviar para o irmão que mora fora do Brasil. Tirávamos fotos dele (de Ronaldo Nacaxe) para enviar ao médico também. Ronaldo era muito vivo e, quando soube da doença, começou um diário em que contava a evolução dos sintomas, como tremores nas mãos. Depois de um tempo, ele já não conseguia nem ler, nem escrever e eu, que sou psicopedagoga, o provocava para falar e depois anotava tudo. Também fiz pesquisas no exterior e conversei com mais de 60 centros médicos. Quando ele faleceu, eu tinha dois cadernos gigantes. Viajei aos Estados Unidos, para ficar com meu filho, pois eu não estava legal aqui. Lá, reuni tudo e montei o livro. Espero que ele ajude as pessoas que têm a mesma doença. Elas vão sofrer, não tem como evitar. Mas, pelo menos, poderão saber o que vai acontecer e onde estão pisando. Eu gostaria que o livro servisse como um mapa para auxiliar quem precisa. Infelizmente, para essa doença, o final é sempre igual.
O que mudou na sua relação com Ronaldo após o diagnóstico?
Ele era muito corajoso e enfrentava tudo sozinho, mas, quando ficou doente, passou a ser muito dependente de mim. E isso o incomodava mais do que a doença em si. Ficamos muito apertados e nossa reserva foi embora em seis meses. Sempre trabalhei com mulheres e lancei o meu primeiro livro A queima dos soutiens – Uma atitude incendiária no universo feminino enquanto ele estava na UTI, pois precisávamos muito de dinheiro. O câncer não tirou só o Ronaldo de mim. Perdi a minha vida inteira com isso (…) Não é porque ele morreu, mas nosso casamento era perfeito. A gente nunca brigou em 36 anos juntos. Estou sendo mais corajosa do que eu acho que sou. Minha coragem toda vinha de Ronaldo. .