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Microvesículas são estruturas subcelulares que não excedem um micrômetro de diâmetro. Parecidas com bolhas preenchidas por um líquido e responsáveis pelo transporte de lipídios e proteínas, elas são produzidas por células do sistema imunitário chamadas neutrófilos. Essas pequenas moléculas chamam a atenção por dois motivos: contêm mais de 300 tipos de proteínas, que variam conforme as funções, e se acumulam em grande quantidade nas articulações de pacientes com artrite reumatoide (AR), doença inflamatória crônica na qual as células imunes destroem tecidos articulares.
Os tratamentos atuais reduzem a inflamação e aliviam a dor, mas não conseguem alvejar diretamente as células dentro da cartilagem, tecido que reveste a superfície dos ossos. “Para a nossa surpresa, descobrimos que as vesículas liberadas por células brancas do sangue podem ‘viajar’ para a cartilagem e entregar seu conteúdo. Além disso, elas têm um efeito protetor sobre a cartilagem afetada pela artrite”, comemora Mauro Perretti, autor sênior da pesquisa. Para chegar a essa conclusão, ele e a equipe estudaram microvesículas de pacientes e roedores com AR.
Ao investigar os níveis elevados dessas pequenas moléculas no líquido das articulações, os estudiosos notaram que elas também estavam carregadas com anexina A1, proteína que ajuda a combater a inflamação e a reparar tecidos feridos. Em uma fase seguinte, constatou-se que camundongos com artrite e produção prejudicada de microvesículas tinham cartilagens mais inflamadas do que as cobaias sem a doença. Além disso, a injeção direta de microvesículas nas articulações dos animais protegeu-os da degradação no tecido.
Os resultados sugerem que as microvesículas podem ser usadas como uma espécie de “cavalo de troia”, penetrando na cartilagem e permitindo que a anexina A1 se ligue aos seus receptores nas células do tecido doente, o que gera uma reação anti-inflamatória acentuada. O tratamento de pacientes com as próprias vesículas requereria apenas um dia no hospital, e essas moléculas poderiam ser ainda “fortificadas” com outros agentes terapêuticos, por exemplo, ácidos graxos de ômega-3s.
Diretor médico da Pesquisa em Artrite do Reino Unido, Stephen Simpson acredita que a utilização do próprio sistema de transporte do corpo para movimentar agentes terapêuticos, novos e atuais, diretamente na cartilagem reduziria os danos articulares de forma mais eficaz do que nunca. “Uma cartilagem saudável e intacta significa menos dor e incapacidade, melhorando a qualidade de vida de milhões de pessoas que vivem com artrite”, considera.
O diretor científico da Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia, regional Distrito Federal, Julian Machado, explica que a nutrição da cartilagem se dá por difusão, “alimentando-se” de células dispersas na matriz ricas em colágeno e outras glicoproteínas.
Sabendo disso, médicos tentam restaurar a cartilagem danificada com tratamentos focados nessa estratégia. “Apesar de serem usados no mundo inteiro e prescritos por médicos, não sabemos ao certo se são eficientes em repor e restaurar a constituição da cartilagem”, ressalva Machado. “A grande coisa desse estudo é utilizar o expediente dessa capacidade de difusão para colocar as vesículas dentro do material danificado.” O especialista cita outros tratamentos inovadores para a artrite, como o uso de células-tronco da medula para gerar cartilagens.
• Risco de incapacitação
A artrite reumatoide (AR) atinge mais os joelhos e o quadril, estruturas que suportam o peso do corpo. Pessoas com essas duas regiões comprometidas podem ficar disfuncionais. Segundo Marcelo Ferrer, ortopedista da Orto Sul, em Brasília, nessa enfermidade, a membrana sinovial hipertrofia e lança toxinas que invadem e destroem a cartilagem. O também membro da Sociedade Brasileira do Quadril e Cirurgia de Joelho acredita ser possível que os resultados britânicos contribuam para o desenvolvimento de outras doenças autoimunes.