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“(No Brasil) temos uma posição de protagonismo (nas pesquisas) que não desejaríamos ter. Muitos países estão observando nosso modo de trabalhar para saber o que fazer. A epidemia de microcefalia, além de singular, é das mais graves situações que a gente tem na história da saúde pública”, afirmou Valcler Rangel, vice-presidente da Fiocruz e coordenador adjunto do Gabinete para Enfrentamento da Emergência em Saúde Pública.
O que já foi definido pelo gabinete de crise?
A grande prioridade é o desenvolvimento de tecnologia diagnóstica para ficar disponível nos laboratórios centrais brasileiros. Precisamos desenvolver kit diagnóstico que atenda dengue, chikungunya e zika ao mesmo tempo para facilitar o processo diagnóstico. Essa é uma carência que a gente tem hoje. Pesquisadores do Instituto Carlos Chagas, no Paraná, estão à frente desse estudo, que vem sendo feito em articulação com o Ministério da Saúde, com o Comitê da Operação de Emergência em Saúde. É preciso saber o nível de certeza que esse exame dá, se não há cruzamentos de reação, que possam confundir as doenças e dar falso negativo e falso positivo. Precisamos fazer isso porque será usado em larga escala. Também é fundamental que se iniciem estudos que documentem os casos que estão ocorrendo para fazer seu acompanhamento prospectivo.
Como será esse estudo?
Vamos acompanhar desde o momento de diagnóstico para avaliar as características que a microcefalia está apresentando. A ideia é acompanhar as gestantes desde o diagnóstico de zika, porque existem gestantes que os bebês não têm microcefalia. As mães passarão por investigação, responderão a perguntas, será feita coleta de exames. Não posso te afirmar o prazo de acompanhamento geral. A gente não sabe outras consequências que podem aparecer. A microcefalia certamente é das mais graves que poderiam ocorrer exceto o próprio óbito. Que outras má-formações ou que outras consequências podem estar ocorrendo? Esses estudos serão fundamentais para revelar isso também. É possível que elas tenham de ser acompanhadas por alguns anos.
O Brasil está construindo a literatura médica sobre zika. O País já teve protagonismo no estudo de uma doença como agora? É possível fazer um paralelo com a Doença de Chagas?
Eu diria que é mais ou menos parecido com Chagas. É claro que são épocas muito diferentes e a comparação é complexa. Carlos Chagas descreve todo o ciclo do Tripanossoma cruzi, o adoecimento, a sintomatologia, o ciclo do vetor. Não é à toa que Carlos Chagas foi cogitado para o Prêmio Nobel, em função de uma caracterização inédita para a ciência, de um país ter feito isso com um grupo de pesquisa. Certamente se assemelha à doença de Chagas nessa questão do protagonismo. Em outros aspectos, não: é uma doença aguda; é um vírus; tem capacidade de transmissão muito alta; casos que acontecem de uma hora para outra no território nacional, com condições de espraiamento regional e até para outros continentes. Certamente temos uma situação de protagonismo que não desejaríamos ter. As medidas de proteção são conhecidas, mas até o momento não são eficazes, que é o controle do vetor. O vetor está presente em mais de 100 países e portanto, não é característica brasileira. Tem muitos elementos de dificuldade. Mas eu acho que, com muita mobilização social, a gente tem condição de vencer esse desafio.
Esse ponto foi discutido pelo gabinete de crise?
É a única certeza hoje: temos de eliminar o Aedes. Seja no desenvolvimento de larvicidas ou na possibilidade de usar técnicas novas e mobilizar a população. Defendemos que sejam criados comitês populares para o controle do mosquito, que mobilizem o setor público a fazer ações de combate que tenham permanência. Não teremos resultado nessa situação se não houver maneiras de a sociedade se organizar em torno do controle do vetor. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.