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Publicado na revista Appetite, o estudo investigou uma hipótese que tinha tudo para ser confirmada: meninas e meninos gordos associam festas como Natal e ano-novo à comilança mais do que os magros. Mas, na pesquisa com 111 alemães de 10 a 13 anos, os investigadores descobriram uma relação contrária surpreendente: aqueles com maior índice de massa corporal (IMC) são justamente os que menos criam expectativas em relação às refeições especiais.
“Inesperadamente, nossos resultados apontaram na direção oposta da nossa previsão. Não foram as crianças com sobrepeso e obesidade, mas seus colegas mais magros que relataram maior associações com a alimentação quando pensam em Natal, carnaval, feriados, fim de semana ou aniversários”, diz Anne Roefs, principal autora do estudo.
Em outras sondagens científicas feitas pelo grupo, participantes entre 4 a 6 anos mencionaram espontaneamente alimentos quando descreveram eventos como ir ao cinema ou a um evento esportivo. O IMC deles foi positivamente correlacionado ao número de respostas para comidas nos relatos que deram. A conclusão é de que o pensamento de situações específicas dispara “scripts de eventos”, as expectativas sobre as festas, e que crianças gordinhas tendem a incluir, mais do que as magras, os alimentos nesses roteiros.
Roefs ressalta que falta uma justificativa fechada sobre o resultado oposto atingido por eles. “A razão pela qual as crianças mais magras relataram mais associações com alimentos não é clara. Nosso resultado está em contraste com as conclusões de outros”, diz. Uma possível explicação, diz a cientista, é que, para elas, doces e lanches específicos são mais exclusivamente ligados a ocasiões especiais.
A hipótese explicaria um pouco dos mecanismos de manutenção de peso entre os pequenos. Pais de crianças mais magras, muitas vezes, têm um estilo mais restritivo, ou seja, reservam alimentos específicos para ocasiões mais raras e especiais. Contrariamente, genitores de crianças acima do peso geralmente adotam regras mais liberais em relação à alimentação dos pequenos.
Por exemplo, se meninos e meninas com o peso ideal têm permissão para comer sorvete apenas em momentos particulares (no sábado à noite e não de segunda a sexta), a associação deles entre o fim de semana e a guloseima será mais forte do que a daqueles que podem consumir o doce quando quiserem. “Em outras palavras, para crianças com sobrepeso e obesidade, alimentos especiais podem ser menos ‘especiais’, fazendo com que sejam mais vagamente relacionados a ocasiões particulares, resultando em vínculos associativos mais fracos”, completa Roefs.
Há ainda evidências de que os pais que não compram determinados alimentos e/ou controlam o que os filhos comem são mais bem-sucedidos em restringir a ingestão calórica. Consequentemente, têm mais sucesso em controlar o peso da prole. Além do resultado oposto, os estudiosos da universidade holandesa detectaram diferenças de gênero nas ligações entre comilança e festa: meninos relataram mais associações do que meninas. Essa disparidade pode ser explicada pelo menor IMC dos garotos do que das garotas participantes da amostra, acreditam os autores. Outras variáveis demográficas, como idade, religião e país de nascimento, não foram sistematicamente relacionadas à análise.
Presente
A segunda hipótese levantada pela equipe foi de que o número de associações entre eventos especiais e alimentos resultaria de opções mais frequentes de doces como uma espécie de presente, com um brinquedo. Essa possibilidade, porém, não foi confirmada: independentemente do peso, as crianças participantes da pesquisa preferiram os objetos lúdicos. Gênero, religião e país de origem não interferiram na opção. Esse achado também contrasta com conclusões anteriores. “Mas pode ser que nosso estudo não tenha sido suficientemente sensível para captar essas nunces”, pondera Roefs.
A influência externa já foi constatada em trabalhos mostrando que o cheiro e a palatabilidade dos alimentos influenciam mais as escolhas alimentares dos obesos do que questões biológicas. Uma exposição à imagem e ao cheiro da pizza, por exemplo, induz à maior salivação e ao desejo de comê-la entre aqueles com excesso de peso. Resultados semelhantes foram detectados em crianças: quando confrontadas com uma sugestão relacionada à alimentação, como o cheiro, as com sobrepeso e obesas comeram mais do que o usual.
Entram ainda fatores que aparentemente não têm a ver com a comida. Assistir à televisão ou ouvir áudios de histórias fizeram com que mulheres comessem mais durante o almoço do que quando estavam livres desses estímulos. Outros estudos constataram que crianças magras ingerem porções maiores quando estão em companhia, ao contrário das gordinhas.
Roefs reforça que, dado o número crescente de obesidade infantil, é importante entender como o ambiente influencia as associações e as expectativas alimentares das crianças. Como os pequenos têm cada vez mais consumido lanches caloricamente elevados — muito comuns nas festividades de fim de ano —, é importante, segundo a autora, saber se crianças esperam consumi-los em dias normais ou em raras ocasiões.
Brasil em alerta
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), uma em cada três crianças brasileiros entre 5 a 9 anos está acima do peso recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS). O cenário é pior entre os meninos: 16,6% são obesos, contra 11,8% das meninas. Levando em conta sondagens anteriores, o excesso de peso entre os pequenos mais do que triplicou nas últimas quatro décadas. Passou de 9,7% em 1974 para 33,5% neste ano.