Trata-se de um dos primeiros estudos feitos a longo prazo com diabéticos para mostrar que é seguro iniciar o consumo moderado de vinho como forma de atenuar os sintomas da doença. Sabe-se que pessoas com diabetes têm mais chances de desenvolver problemas cardiovasculares, além de apresentarem baixos níveis de HDL, o colesterol bom. O que não se imaginava é que o vinho, principalmente o álcool combinado a outros componentes da bebida, pudesse melhorar esses quadros.
“Escolhemos para o estudo o vinho tinto e o branco seco por terem conteúdo calórico e de etanol semelhantes e elevados níveis de fenóis e de compostos do grupo resveratrol, que são ainda maiores no tinto”, explica, em entrevista ao Correio, a líder do estudo israelense, Iris Shai, especialista em metabolismo e nutrição. Embora o consumo de álcool não seja recomendado para quem tem a doença, tanto a do tipo 1 quanto a do tipo 2, devido à sobrecarga do fígado, os pesquisadores fizeram a triagem e o acompanhamento rigorosos dos pacientes para chegar a esses resultados.
Foram recrutados 224 diabéticos com mais de 40 anos e que não apresentavam qualquer vício, incluindo o tabagismo. Ao longo de dois anos, os pacientes seguiram a dieta mediterrânea, composta por azeites, frutas, legumes, folhas, castanhas e peixes. Os participantes foram divididos em dois grupos: um deveria beber 150ml de vinho todas as noites, outro deveria beber apenas água. Ao fim do período estudado, foram observadas melhoras cardiovasculares e metabólicas maiores no grupo que consumiu vinho em comparação ao que ingeriu água. Houve, no entanto, alterações no sono, associadas ao álcool.
Dependência
Para evitar exageros na ingestão da bebida alcoólica, uma nova garrafa só era fornecida aos participantes quando eles devolviam a vazia
Essa possibilidade é o que deixa apreensivo o cardiologista Carlos Alberto Machado. “O médico não deve estimular o paciente ao consumo de álcool, principalmente quando as mesmas substâncias benéficas podem ser encontradas em sucos e castanhas, por exemplo”, defende. O médico lembra que muitos pacientes ficaram animados quando começaram a surgir estudos indicando os benefícios do vinho e de outras bebidas alcoólicas à saúde, mas ele não vê vantagens nesse tipo de tratamento. “Se me perguntam se podem tomar vinho ou outra bebida, eu explico, oriento, mas ofereço alternativas. Deve haver um cuidado para evitar o alcoolismo, que é um problema de saúde pública muito sério no mundo.”
O endocrinologista Airton Golbert também se mostra receoso com o consumo do vinho, ainda que de forma terapêutica, entre pacientes com diabetes. “É difícil prescrever. A pessoa, muitas vezes, não acredita na recomendação, na limitação da dose. Ela pensa: ‘Se um cálice é bom, uma garrafa é melhor ainda’
Origens distintas
O diabetes tipo 1 é uma doença autoimune. Células beta pancreáticas são destruídas pela formação de anticorpos do próprio organismo, levando à deficiência de insulina. Em geral, acomete crianças e adultos jovens, mas pode ser desencadeado em qualquer faixa etária. O tipo 2 representa a maioria dos casos, em torno de 90% dos diabéticos. Nesses pacientes, a insulina é produzida pelas células beta pancreáticas, mas a ação do hormônio é dificultada, caracterizando um quadro de resistência insulínica. Isso leva a um aumento da produção de insulina para tentar manter a glicose em níveis normais. Quando não é mais possível, surge o diabetes.
Melhor o suco de uva
“O vinho, em especial o tinto, tem substâncias flavonoides oxidantes que protegem o endotélio, que é uma das maiores glândulas na produção de vasodilatadores, evitando, assim, doenças cardiovasculares. Mas você pode encontrar esse mesmo fator protetor no suco de uva sem açúcar. Não necessariamente é preciso consumir álcool. Ele é muito calórico e, em excesso, afeta o pâncreas e o fígado, o que é gravíssimo para quem tem diabetes.”
Carlos Alberto Machado, cardiologista membro da Sociedade Brasileira de Cardiologia
Alimentos substituem
Estudos mostram que substâncias encontradas no vinho tinto — como os fenóis e o grupo resveratrol — que auxiliam na prevenção de problemas metabólicos, de hipertensão e de memória também podem ser encontradas em alimentos. Cientistas da Universidade Estadual de Dakota do Norte e da Universidade de Massachussets, ambas nos Estados Unidos, detectaram na casca da pera fenóis que ajudam a controlar a hipertensão, e, por isso, são indicadas para o tratamento do diabetes tipo 2.
Eles avaliaram a casca e a polpa de dois tipos de pera, a starkrimson e a williams. Descobriram que, delas, a williams é a que tem mais fenóis totais — na casca e na polpa — e, por isso, deve ser incluída na dieta dos diabéticos. Esse estudo foi publicado em abril, na revista Food Research International.
Outro componente do vinho tinto, o resveratrol — também encontrado em castanhas e uvas vermelhas — previne o declínio da memória na terceira idade, de acordo com pesquisadores do Centro de Saúde A&M do Colégio de Medicina do Texas, nos Estados Unidos. O grupo de cientistas mostrou, em ratos, que o resveratrol é um potencial atenuador de doenças cardíacas e proporciona melhoras na capacidade de aprender, memorizar e também no humor. O estudo norte-americano foi publicado em janeiro deste ano na revista Scientific Reports.
Frio melhora o uso da glicose e emagrece
Uma recente descoberta de cientistas da Universidade de Genebra, na Suíça, faz associação curiosa entre os micróbios do intestino, o emagrecimento e a temperatura ambiente. A combinação dos fatores também melhoraria o metabolismo de glicose — o que pode ser mais uma alternativa de tratamento para o diabetes. Em estudo publicado na última quinta-feira na revista Cell, os pesquisadores mostraram que determinados micróbios do intestino de ratos são capazes de queimar gordura, provocar perda de peso e evitar doenças metabólicas. Isso aconteceu quando as cobaias foram submetidos a uma temperatura de até 6ºC.
Nos primeiros 10 dias de frio, ocorreu uma mudança na composição das bactérias intestinais dos roedores, evitando o ganho de peso. “Fornecemos evidências de que esses micróbios desempenham um papel fundamental na capacidade de nos adaptarmos ao ambiente, regulando diretamente o nosso balanço energético”, diz o líder do estudo, Mirko Trajkovski, da Universidade de Genebra, que vê na descoberta uma abertura para tratamentos de doenças metabólicas. “Estamos animados para explorar o potencial terapêutico desses resultados e testar se a segmentação de alguns desses micróbios pode ser uma via promissora para prevenir a obesidade e as condições metabólicas relacionadas.”
De acordo com o estudo, uma saída terapêutica para o excesso de peso está na formação do que os especialistas chamam de “bons tipos de gordura”, que são a marrom e a bege. A primeira nos protege contra o frio ao gerar calor para o corpo, sendo encontrada em grande quantidade nos bebês humanos. Cientistas mostraram, recentemente, que humanos adultos guardam uma reserva da gordura marrom. Com a exposição ao frio ou pela prática de exercícios físicos, é possível estimular a formação da gordura bege, o que resulta na queima de calorias armazenadas, além da proteção contra a obesidade e problemas metabólicos.
Os pesquisadores transplantaram as bactérias do intestino de ratos que foram expostos ao frio para o intestino de outros ratos que não tinham micróbios intestinais. Os micro-organismos transplantados melhoraram o metabolismo da glicose e causaram perda de peso nos ratos receptores, promovendo a formação da gordura bege. “Esses resultados demonstram que micróbios do intestino fazem o balanço de energia em resposta a mudanças no ambiente”, observa Trajkovski.
No entanto, depois de três semanas de exposição ao frio, o peso corporal começou a estabilizar e os micróbios pararam de provocar o emagrecimento. Os pesquisadores suspeitam que isso ocorre porque o intestino começa a absorver mais nutrientes dos alimentos, uma forma de contrabalancear a perda de peso. Entre os próximos passos da pesquisa, está o estudo dos mecanismos moleculares pelos quais os micróbios do intestino detectam mudanças no ambiente capazes de impactar no equilíbrio de energia do corpo. Eles também pretendem investigar quais são exatamente as bactérias que podem prevenir a obesidade por meio da remodelação do tecido intestinal — diminuindo a absorção de nutrientes no intestino.