Era para ainda estar fresco na memória as imagens de um garoto de 7 anos que foi filmado por funcionários da Escola Municipal Paulo Freire, em Macaé, no Rio Janeiro, em que ele aparece nervoso tentando quebrar os móveis da sala de aula. No vídeo que já foi retirado do Youtube, mas que ultrapassou 8 milhões de visualizações em pouquíssimo tempo no ar, os servidores da instituição de ensino nada fizeram para acolher o sentimento do garotinho ou evitar suas atitudes. Nenhum abraço, consolo ou gesto afetuoso. Ao contrário, era possível ouvir um adulto dizer ironicamente para que não o segurassem já que "a mãe dele vai pagar tudo mesmo". Os servidores ainda o ameaçaram afirmando que chamariam a polícia e os bombeiros.
Na internet, o julgamento apressado tomou conta das redes sociais: a atitude da criança serviu para que usuários e usuárias da rede mundial de computadores sugerissem que ‘uma boa chinelada’ ou ‘uns tapas’ para resolver o problema esquecendo-se que, desde junho do ano passado, já está valendo a Lei Menino Bernardo (ou Lei da Palmada, como ficou mais conhecida) que pune quem castigar fisicamente crianças. A história que gerou repercussão Brasil afora resultou no afastamento da direção da escola e se desenrolou no final de outubro e começo de novembro deste ano.
Na semana passada, um outro vídeo com criança começou a ser disseminado no Youtube e no WhatsApp em que uma menininha, que aparenta 3 anos de idade, afirma, entre lágrimas: “eu quero um marido”. Com 2 minutos e 28 segundos de duração, o filme começa com a menina guardando objetos que estão em cima de um sofá dentro de uma bolsa que ela segura. Parece que ela está na sala da própria casa. A mulher, que supostamente é a mãe e grava as imagens, pergunta:
- Por que você está chorando?
- Por que eu quero um marido.
Apesar do questionamento, a menina não está chorando e, sim, brincando com a bolsa e os objetos do sofá. Ela circula pelo ambiente carregando sua bolsinha enquanto a interpelação continua.
- Mas marido é só para adulto. Criança não tem marido.
- Eu vou arrumar um marido.
- Por que você vai arrumar um marido?
- Por que eu vou.
- Mas criança pode ter marido?
- Mas eu vou arrumar.
- Aonde você vai arrumar um marido?
- Lá na minha escolinha.
- Por que você quer um marido?
- Por que eu quero.
Nesse momento do vídeo, que não será exibido nessa reportagem para preservar a imagem da criança, a garotinha começa a dar sinais de que vai chorar. A mulher insiste novamente:
- Mas criança pode ter marido?
- Eu quero.
- Mas você é criança...
- Eu vou arrumar um marido pequenininho.
- Mas criança só tem papai e mamãe.
- Vou arrumar um marido desse ‘tamanzinho’. (A garotinha sinaliza com os dedos).
- Mas pra quê você quer um marido?
- Por que eu quero, ué.
- Mas pra quê serve um marido?
- Pra morar comigo.
Nesse momento, já na metade do vídeo, a menina está bem incomodada e o choro da criança fica cada vez mais forte. Ela chega a concluir: “Eu vou ficar pra trás” (se não tiver um marido).
Vincular a felicidade de uma mulher ao casamento ainda não é uma ideia ultrapassada e, como o próprio vídeo mostra, esse ideal é introduzido já na infância de meninas. Para a psicanalista e psicopedagoga Cristina Silveira, o casamento é um costume social que vem sendo repetido e reforçado há décadas na sociedade e com ele o complexo de Cinderela. “O complexo de Cinderela é exatamente isso: incutir na psiquê da mulher que ela foi feita para o casamento e que deve esperar o príncipe encantado resgatá-la do sono eterno. Acontece que, há muito tempo, as mulheres já acordaram desse sono/sonho e, no mundo contemporâneo já não cabem mais mulheres sonâmbulas que necessitam de um casamento para se encontrarem. O casamento pode até acontecer, mas não como única opção possível na vida da mulher”, explica a especialista.
Para ela, no entanto, algumas mães reforçam “essa posição equivocada da mulher”. Cristina Silveira diz que “a sociedade reafirma esse comportamento quando aceita ‘Escolas de Princesas’ (clique aqui e saiba mais) ou tentam adultizar uma menina para que ela pareça mais atraente e mais ‘feminina’, tirando-lhes o direito a brincar e viver a infância plenamente. As mães que reforçam esse comportamento sonâmbulo em suas filhas estão criando meninas despreparadas para o mundo que vão encontrar, que é muito diferente daquele que ‘moça era para casar’”, reforça.
Além disso, para a especialista, “em tempos de selfies, essa mãe vem mostrar que mais vale uma imagem, do que a dignidade da pessoa”. Isso por que as imagens mostram claramente que a reação é provocada pela mulher que filma a cena. Para a psicanalista, o registro nos convida à reflexão: “Por que e para quê a mulher filmou a criança naquele estado? Por que, ao invés de filmar, ela não acolheu a criança e procurou se inteirar do que estaria acontecendo com ela a ponto de a menina desejar "um marido"? O que significa esse "marido" para aquela criança, que, com a pouca idade que aparenta, não tem noção alguma do verdadeiro significado da palavra? Marido seria amigo? E se for, por que a falta de um amigo a atormenta tanto? Que sentimento de solidão ou de perda está atrelado a esse desejo de ter alguém?”. Para ela, são perguntas que a suposta mãe deveria estar se fazendo ao invés de filmar o sofrimento da menina.
Cristina Silveira afirma ainda que a criança foi exposta de modo inconsequente. “Não se respeitou a privacidade dela, que ao que parece, realmente estava incomodada com a questão. Ela foi insensível, pensando apenas no seu prazer em exibir o choro da criança, sem medir as consequências do seu ato”, pondera.
A especialista reforça a necessidade de se proteger as crianças no ambiente virtual. “Atrás dos computadores, ipads, tablets e telefones podem ter pedófilos, sequestradores e oportunistas. Relatório de uma instituição australiana concluiu que dezenas de milhões de fotografias publicadas em páginas como o Facebook ou Instagram foram encontradas em sites de partilhas de pedófilos”, alerta.
Estudo de 2014 realizado pela empresa AVG, de segurança e proteção na internet, e que envolveu 5,4 mil pais de 11 países, incluindo o Brasil, mostrou que compartilhar nas redes sociais imagens de bebês e crianças é uma realidade para 94% das famílias do Brasil. No mundo, 81% das mães e pais no mundo postam fotos de seus filhos e suas filhas on-line.
Mas até que ponto postar a intimidade dos filhos nas redes sociais é saudável? Veja algumas dicas:
» Nunca poste foto de seu filho sem roupa ou em alguma situação íntima, mesmo que seja grupos fechados.
» Ao postar uma imagem, verifique se não há informações que mostrem onde a criança estuda ou mora.
» Não deixe o seu Facebook aberto ao público.
» Se quer mostrar seus filhos a parentes distantes, crie um grupo fechado, que tenha somente pessoas de confiança.
» Evite os exageros. Não tem nada de mais postar fotos de algum evento, mas isso tem que ser esporádico.
» Ao postar uma imagem, selecione as pessoas que você quer que a vejam.
» Jamais poste fotos que exponha o seu filho. Pense que no futuro isso pode ser usado contra ele.
Se o seu filho já tem idade suficiente para usar a internet, tome os seguintes cuidados:
» Mantenha o computador em algum cômodo da casa em que as atividades da internet possam ser acompanhadas de perto.
» Mantenha uma pasta de sites aprovados pelos pais e que as crianças possam visitar por conta própria, como são os casos de sites educativos.
» Mantenha as crianças fora do Facebook, MySpace, Twitter, YouTube e outras redes sociais e sites para adultos.
» Estabeleça um limite de tempo para o uso do pequeno na internet. Mesmo com a máxima segurança no local, nenhuma criança deve passar mais de uma hora on-line.
» Mantenha seus filhos próximos de você. Converse com eles sempre e tente saber o que está ocorrendo em suas vidas.
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Na semana passada, um outro vídeo com criança começou a ser disseminado no Youtube e no WhatsApp em que uma menininha, que aparenta 3 anos de idade, afirma, entre lágrimas: “eu quero um marido”. Com 2 minutos e 28 segundos de duração, o filme começa com a menina guardando objetos que estão em cima de um sofá dentro de uma bolsa que ela segura. Parece que ela está na sala da própria casa. A mulher, que supostamente é a mãe e grava as imagens, pergunta:
- Por que você está chorando?
- Por que eu quero um marido.
Apesar do questionamento, a menina não está chorando e, sim, brincando com a bolsa e os objetos do sofá. Ela circula pelo ambiente carregando sua bolsinha enquanto a interpelação continua.
- Mas marido é só para adulto. Criança não tem marido.
- Eu vou arrumar um marido.
- Por que você vai arrumar um marido?
- Por que eu vou.
- Mas criança pode ter marido?
- Mas eu vou arrumar.
- Aonde você vai arrumar um marido?
- Lá na minha escolinha.
- Por que você quer um marido?
- Por que eu quero.
Nesse momento do vídeo, que não será exibido nessa reportagem para preservar a imagem da criança, a garotinha começa a dar sinais de que vai chorar. A mulher insiste novamente:
- Mas criança pode ter marido?
- Eu quero.
- Mas você é criança...
- Eu vou arrumar um marido pequenininho.
- Mas criança só tem papai e mamãe.
- Vou arrumar um marido desse ‘tamanzinho’. (A garotinha sinaliza com os dedos).
- Mas pra quê você quer um marido?
- Por que eu quero, ué.
- Mas pra quê serve um marido?
- Pra morar comigo.
Nesse momento, já na metade do vídeo, a menina está bem incomodada e o choro da criança fica cada vez mais forte. Ela chega a concluir: “Eu vou ficar pra trás” (se não tiver um marido).
Vincular a felicidade de uma mulher ao casamento ainda não é uma ideia ultrapassada e, como o próprio vídeo mostra, esse ideal é introduzido já na infância de meninas. Para a psicanalista e psicopedagoga Cristina Silveira, o casamento é um costume social que vem sendo repetido e reforçado há décadas na sociedade e com ele o complexo de Cinderela. “O complexo de Cinderela é exatamente isso: incutir na psiquê da mulher que ela foi feita para o casamento e que deve esperar o príncipe encantado resgatá-la do sono eterno. Acontece que, há muito tempo, as mulheres já acordaram desse sono/sonho e, no mundo contemporâneo já não cabem mais mulheres sonâmbulas que necessitam de um casamento para se encontrarem. O casamento pode até acontecer, mas não como única opção possível na vida da mulher”, explica a especialista.
Para ela, no entanto, algumas mães reforçam “essa posição equivocada da mulher”. Cristina Silveira diz que “a sociedade reafirma esse comportamento quando aceita ‘Escolas de Princesas’ (clique aqui e saiba mais) ou tentam adultizar uma menina para que ela pareça mais atraente e mais ‘feminina’, tirando-lhes o direito a brincar e viver a infância plenamente. As mães que reforçam esse comportamento sonâmbulo em suas filhas estão criando meninas despreparadas para o mundo que vão encontrar, que é muito diferente daquele que ‘moça era para casar’”, reforça.
Além disso, para a especialista, “em tempos de selfies, essa mãe vem mostrar que mais vale uma imagem, do que a dignidade da pessoa”. Isso por que as imagens mostram claramente que a reação é provocada pela mulher que filma a cena. Para a psicanalista, o registro nos convida à reflexão: “Por que e para quê a mulher filmou a criança naquele estado? Por que, ao invés de filmar, ela não acolheu a criança e procurou se inteirar do que estaria acontecendo com ela a ponto de a menina desejar "um marido"? O que significa esse "marido" para aquela criança, que, com a pouca idade que aparenta, não tem noção alguma do verdadeiro significado da palavra? Marido seria amigo? E se for, por que a falta de um amigo a atormenta tanto? Que sentimento de solidão ou de perda está atrelado a esse desejo de ter alguém?”. Para ela, são perguntas que a suposta mãe deveria estar se fazendo ao invés de filmar o sofrimento da menina.
Cristina Silveira afirma ainda que a criança foi exposta de modo inconsequente. “Não se respeitou a privacidade dela, que ao que parece, realmente estava incomodada com a questão. Ela foi insensível, pensando apenas no seu prazer em exibir o choro da criança, sem medir as consequências do seu ato”, pondera.
A especialista reforça a necessidade de se proteger as crianças no ambiente virtual. “Atrás dos computadores, ipads, tablets e telefones podem ter pedófilos, sequestradores e oportunistas. Relatório de uma instituição australiana concluiu que dezenas de milhões de fotografias publicadas em páginas como o Facebook ou Instagram foram encontradas em sites de partilhas de pedófilos”, alerta.
Estudo de 2014 realizado pela empresa AVG, de segurança e proteção na internet, e que envolveu 5,4 mil pais de 11 países, incluindo o Brasil, mostrou que compartilhar nas redes sociais imagens de bebês e crianças é uma realidade para 94% das famílias do Brasil. No mundo, 81% das mães e pais no mundo postam fotos de seus filhos e suas filhas on-line.
Mas até que ponto postar a intimidade dos filhos nas redes sociais é saudável? Veja algumas dicas:
» Nunca poste foto de seu filho sem roupa ou em alguma situação íntima, mesmo que seja grupos fechados.
» Ao postar uma imagem, verifique se não há informações que mostrem onde a criança estuda ou mora.
» Não deixe o seu Facebook aberto ao público.
» Se quer mostrar seus filhos a parentes distantes, crie um grupo fechado, que tenha somente pessoas de confiança.
» Evite os exageros. Não tem nada de mais postar fotos de algum evento, mas isso tem que ser esporádico.
» Ao postar uma imagem, selecione as pessoas que você quer que a vejam.
» Jamais poste fotos que exponha o seu filho. Pense que no futuro isso pode ser usado contra ele.
Se o seu filho já tem idade suficiente para usar a internet, tome os seguintes cuidados:
» Mantenha o computador em algum cômodo da casa em que as atividades da internet possam ser acompanhadas de perto.
» Mantenha uma pasta de sites aprovados pelos pais e que as crianças possam visitar por conta própria, como são os casos de sites educativos.
» Mantenha as crianças fora do Facebook, MySpace, Twitter, YouTube e outras redes sociais e sites para adultos.
» Estabeleça um limite de tempo para o uso do pequeno na internet. Mesmo com a máxima segurança no local, nenhuma criança deve passar mais de uma hora on-line.
» Mantenha seus filhos próximos de você. Converse com eles sempre e tente saber o que está ocorrendo em suas vidas.