Na internet, o julgamento apressado tomou conta das redes sociais: a atitude da criança serviu para que usuários e usuárias da rede mundial de computadores sugerissem que ‘uma boa chinelada’ ou ‘uns tapas’ para resolver o problema esquecendo-se que, desde junho do ano passado, já está valendo a Lei Menino Bernardo (ou Lei da Palmada, como ficou mais conhecida) que pune quem castigar fisicamente crianças. A história que gerou repercussão Brasil afora resultou no afastamento da direção da escola e se desenrolou no final de outubro e começo de novembro deste ano.
Na semana passada, um outro vídeo com criança começou a ser disseminado no Youtube e no WhatsApp em que uma menininha, que aparenta 3 anos de idade, afirma, entre lágrimas: “eu quero um marido”. Com 2 minutos e 28 segundos de duração, o filme começa com a menina guardando objetos que estão em cima de um sofá dentro de uma bolsa que ela segura.
- Por que você está chorando?
- Por que eu quero um marido.
Apesar do questionamento, a menina não está chorando e, sim, brincando com a bolsa e os objetos do sofá. Ela circula pelo ambiente carregando sua bolsinha enquanto a interpelação continua.
- Mas marido é só para adulto. Criança não tem marido.
- Eu vou arrumar um marido.
- Por que você vai arrumar um marido?
- Por que eu vou.
- Mas criança pode ter marido?
- Mas eu vou arrumar.
- Aonde você vai arrumar um marido?
- Lá na minha escolinha.
- Por que você quer um marido?
- Por que eu quero.
- Mas criança pode ter marido?
- Eu quero.
- Mas você é criança...
- Eu vou arrumar um marido pequenininho.
- Mas criança só tem papai e mamãe.
- Vou arrumar um marido desse ‘tamanzinho’. (A garotinha sinaliza com os dedos).
- Mas pra quê você quer um marido?
- Por que eu quero, ué.
- Mas pra quê serve um marido?
- Pra morar comigo.
Nesse momento, já na metade do vídeo, a menina está bem incomodada e o choro da criança fica cada vez mais forte. Ela chega a concluir: “Eu vou ficar pra trás” (se não tiver um marido).
Vincular a felicidade de uma mulher ao casamento ainda não é uma ideia ultrapassada e, como o próprio vídeo mostra, esse ideal é introduzido já na infância de meninas. Para a psicanalista e psicopedagoga Cristina Silveira, o casamento é um costume social que vem sendo repetido e reforçado há décadas na sociedade e com ele o complexo de Cinderela. “O complexo de Cinderela é exatamente isso: incutir na psiquê da mulher que ela foi feita para o casamento e que deve esperar o príncipe encantado resgatá-la do sono eterno.
Para ela, no entanto, algumas mães reforçam “essa posição equivocada da mulher”. Cristina Silveira diz que “a sociedade reafirma esse comportamento quando aceita ‘Escolas de Princesas’ (clique aqui e saiba mais) ou tentam adultizar uma menina para que ela pareça mais atraente e mais ‘feminina’, tirando-lhes o direito a brincar e viver a infância plenamente. As mães que reforçam esse comportamento sonâmbulo em suas filhas estão criando meninas despreparadas para o mundo que vão encontrar, que é muito diferente daquele que ‘moça era para casar’”, reforça.
Além disso, para a especialista, “em tempos de selfies, essa mãe vem mostrar que mais vale uma imagem, do que a dignidade da pessoa”. Isso por que as imagens mostram claramente que a reação é provocada pela mulher que filma a cena. Para a psicanalista, o registro nos convida à reflexão: “Por que e para quê a mulher filmou a criança naquele estado? Por que, ao invés de filmar, ela não acolheu a criança e procurou se inteirar do que estaria acontecendo com ela a ponto de a menina desejar "um marido"? O que significa esse "marido" para aquela criança, que, com a pouca idade que aparenta, não tem noção alguma do verdadeiro significado da palavra? Marido seria amigo? E se for, por que a falta de um amigo a atormenta tanto? Que sentimento de solidão ou de perda está atrelado a esse desejo de ter alguém?”. Para ela, são perguntas que a suposta mãe deveria estar se fazendo ao invés de filmar o sofrimento da menina.
Cristina Silveira afirma ainda que a criança foi exposta de modo inconsequente.
A especialista reforça a necessidade de se proteger as crianças no ambiente virtual. “Atrás dos computadores, ipads, tablets e telefones podem ter pedófilos, sequestradores e oportunistas. Relatório de uma instituição australiana concluiu que dezenas de milhões de fotografias publicadas em páginas como o Facebook ou Instagram foram encontradas em sites de partilhas de pedófilos”, alerta.
Estudo de 2014 realizado pela empresa AVG, de segurança e proteção na internet, e que envolveu 5,4 mil pais de 11 países, incluindo o Brasil, mostrou que compartilhar nas redes sociais imagens de bebês e crianças é uma realidade para 94% das famílias do Brasil. No mundo, 81% das mães e pais no mundo postam fotos de seus filhos e suas filhas on-line.
Mas até que ponto postar a intimidade dos filhos nas redes sociais é saudável? Veja algumas dicas:
» Nunca poste foto de seu filho sem roupa ou em alguma situação íntima, mesmo que seja grupos fechados.
» Ao postar uma imagem, verifique se não há informações que mostrem onde a criança estuda ou mora.
» Não deixe o seu Facebook aberto ao público.
» Se quer mostrar seus filhos a parentes distantes, crie um grupo fechado, que tenha somente pessoas de confiança.
» Evite os exageros. Não tem nada de mais postar fotos de algum evento, mas isso tem que ser esporádico.
» Ao postar uma imagem, selecione as pessoas que você quer que a vejam.
» Jamais poste fotos que exponha o seu filho. Pense que no futuro isso pode ser usado contra ele.
Se o seu filho já tem idade suficiente para usar a internet, tome os seguintes cuidados:
» Mantenha o computador em algum cômodo da casa em que as atividades da internet possam ser acompanhadas de perto.
» Mantenha uma pasta de sites aprovados pelos pais e que as crianças possam visitar por conta própria, como são os casos de sites educativos.
» Mantenha as crianças fora do Facebook, MySpace, Twitter, YouTube e outras redes sociais e sites para adultos.
» Estabeleça um limite de tempo para o uso do pequeno na internet. Mesmo com a máxima segurança no local, nenhuma criança deve passar mais de uma hora on-line.
» Mantenha seus filhos próximos de você. Converse com eles sempre e tente saber o que está ocorrendo em suas vidas..