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Os cientistas chegaram a essa conclusão ao analisar o sistema imunológico de idosos solitários. Os voluntários apresentavam uma alta expressão de uma reação genética que provoca instabilidade no sistema imune. “Cerca de uma década atrás, meu colega Steve Cole e eu decidimos investigar em que medida a percepção do ambiente social das pessoas pode modular a expressão gênica em leucócitos (células brancas de defesa do corpo). Nós publicamos o nosso primeiro estudo em 2007 e esse programa de investigação levou ao atual trabalho”, detalhou ao Correio John Cacioppo, pesquisador do Departamento de Psiquiatria da Universidade de Chicago e um dos autores do estudo.
Para a etapa atual, os cientistas utilizaram dados de 141 idosos, moradores de Chicago e que se descreveram como isolados. A equipe concentrou-se na expressão dos leucócitos e notou que o sistema imune dos voluntários apresentava um diferencial na reação genética chamada resposta transcricional conservada às adversidades (CTRA, pela sigla em inglês). “Houve aumento da inflamação e diminuição da expressão de um gene antiviral”, destacou o autor; ou seja, concluiu-se que pessoas solitárias têm uma resposta imunológica menos eficaz e apresentam maiores riscos de inflamações do que os não solitários. Esse quadro, segundo os cientistas, aumenta o risco de morte prematura em 14%.
Durante as análises, os cientistas também observaram que os níveis altos da reação genética se mantiveram um ano após o relato de solidão dos voluntários. “A expressão do gene de leucócitos e a solidão parece ter uma relação de reciprocidade, o que sugere que um pode ajudar a propagar o outro ao longo do tempo”, destaca Cacioppo. Para os estudiosos, ao observar a instabilidade no sistema imune de uma pessoa, seria possível prever problemas futuros de convívio social.
Neurotransmissor
Apesar das constatações, os cientistas não descobriram por que a reação genética se expressa de forma distinta em solitários. Para tentar esclarecer essa questão, analisaram macacos rhesus, uma das espécies de animais com maior sociabilidade. Os investigadores utilizaram cobaias do Centro de Pesquisa Nacional de Primatas Califórnia que eram descritas como isoladas e descobriram que, assim como os humanos, os animais apresentaram atividade maior de CTRA, além de níveis expressivos de norepinefrina. Esse neurotransmissor está ligado a sensações de luta e fuga.
Estudos anteriores mostraram que a norepinefrina pode estimular as células estaminais do sangue na medula óssea para fabricar células imunitárias chamadas de monócitos. Em solitários, a produção dessas substâncias, porém, ocorre de forma precoce. “A noropinefrina é ativada quando queremos fugir ou lutar contra algo. Os solitários, ao apresentarem alto nível desse neurotransmissor, teriam esses monócitos liberados mais cedo, e essa saída precoce faz com que eles percam a capacidade de defesa adequada, gerando esses problemas no sistema imune”, explica Clarissa Honorio, imunologista do Hospital Santa Luzia, em Brasília. Nos experimentos divulgados na Pnas, os humanos solitários também apresentaram níveis altos de monócitos no sangue.
Novas intervenções
Ana Karolina Barreto, imunologista e membro da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia, destaca que o estudo reforça questões já levantadas na área médica sobre os malefícios do isolamento. “Temos estudos que mostram resultados semelhantes, só que analisando os impactos do estresse, e sabemos de casos de depressão que reduzem a imunidade. O grande ganho desse estudo é sabermos que essa reação estaria ligada à expressão de CTRA”, destaca a especialista.
Honorio também acredita que os achados podem ajudar a área clínica no futuro, principalmente na combinação de especialidades médicas. “Precisamos de mais trabalhos para entender essa interação, mas o estudo mostra dados muito interessantes e é indiscutível como a comunidade científica tem interligado diversas áreas, como a psiquiatria e a neurologia, por exemplo. Isso, com certeza, abre portas para um maior entendimento das enfermidades e de como preveni-las”, destaca.
Barreto destaca ainda que a descoberta pode contribuir para a prevenção de doenças. “Com base nesses novos dados, podemos levar em conta que pessoas que vivem sozinhas poderiam ficar mais atentas quanto a enfermidades infecciosas. Quem sabe fazer mais exames periódicos, por exemplo. É um caminho que pode ser seguido no futuro”, complementa.
Aids mais forte
Em um modelo com 17 macacos riquesus infectados com o vírus da imunodeficiência símia a versão símia do HIV), Os pesquisadores notaram que a enfermidade similar Aids crescia mais rapidamente no sangue no cérebro dos animais com maior expressão de CTRA. O achado reforça a tese de comprometimento do sistema imune de solitários.
Falsa independência
“Estudar mais a fundo efeitos da solidão, como nesse trabalho, é algo muito importante, principalmente porque atualmente existe uma tendência na nossa sociedade de que a pessoa solitária é independente. Porém, na maioria das vezes, ela não mostra o seu sofrimento. É algo como o alcoolismo. O indivíduo não diz que está sentindo algo de errado e isso pode ser muito prejudicial. O filósofo Muntinta Bauma tem um conceito que define muito bem como a nossa sociedade tem lidado com o contato social. Ele falava da modernidade líquida, ligada a relações mais superficiais, que são muitas, mas que não criamos laços mais profundo. Podemos ver isso hoje em dia ao observar a quantidade de amigos em redes sociais e aplicativos, mas que não se aprofundam em um contato mais intenso”
Analice Gigliotti, siquiatra e diretora a clínica Espaço Clif, o Rio de Janeiro
Terapias não tradicionais
Estratégias diferentes das usuais, como a psicoterapia, para combater a solidão também têm sido alvo de estudos. Cientistas da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, utilizaram um programa de meditação por oito semanas em um grupo de idosos que sofria com o isolamento. A técnica milenar reduziu sintomas e complicações do problema ao diminuir genes inflamatórios ligados a doenças como a depressão. Outra alternativa testada na Universidade de Geórgia, também nos EUA, focou no convívio com animais. Cinquenta e cinco universitários que relatavam sofrer com sintomas de ansiedade e solidão passaram a ter a companhia de cachorros. Os participantes interagiram com os bichos duas vezes por mês, em sessões de duas horas, durante um trimestre acadêmico. Houve melhoras consideráveis no grupo, com diminuição dos sintomas e uma maior interação com os médicos. Os pesquisadores acreditam que os animais passaram maior confiança aos participantes.