Geração baby boom: Livro aponta mágoa de pais e mães idosos com seus filhos e filhas adultos

'Filhos adultos mimados, pais negligenciados', de Tania Zagury, tenta entender comportamento de uma geração sem compromisso

por Renata Rusky 08/12/2015 14:00
Paulo Jabur / Divulgação
Tania Zagury (foto: Paulo Jabur / Divulgação )
Especialista em educação, Tania Zagury já lançou mais de 10 livros sobre a relação entre pais e filhos. Nesta entrevista, ela fala sobre o mais recente, Filhos adultos mimados, pais negligenciados (editora Record). O livro alinha diferentes relatos de pais na terceira idade que compartilham uma mágoa: a forma como são tratados nessa fase da vida. Todos os entrevistados pertencem à chamada geração baby boom, composta pelos nascidos entre 1946 e 1964. Tipicamente, eles proporcionaram à prole muito mais liberdade do que tiveram. Mas alguma coisa deu errado nesse jeito de criar e educar. É sobre esse mal-estar que a autora discorre a seguir.

Pelo que a senhora escreve no livro, a chamada síndrome do ninho vazio parece ser sentida de uma forma mais pesada pelos boomers. Isso, de fato, acontece? Por quê?
No novo livro, o meu foco é mostrar a quem está criando filhos agora o quanto é importante ter consciência de que a forma pela qual se educa no presente tem grande influência nas atitudes que as novas gerações terão no futuro — inclusive em relação a seus próprios pais. Quem desenvolve habilidades sociais e afetivas positivas nos filhos, capacita-os a perceber necessidades de outras pessoas, e não somente as suas próprias. E, como a pesquisa mostrou, há grandes chances de os próprios pais se beneficiarem disso. Já quem cria filhos voltados apenas para o seu próprio ego — problema para o qual tenho alertado os pais nos últimos 26 anos — provavelmente sentirá na pele o que é uma pessoa egocentrada. A síndrome do ninho vazio é um problema que acomete apenas pais que não têm outros interesses na vida que não os filhos, razão por que quando esses ganham o mundo, sentem-se esvaziados, podendo se deprimir e até se desestruturar.

Mesmo com a melhor das intenções, eles erraram na criação dos filhos?
Só errou quem julgou que educar fosse atender a todos os desejos dos filhos. Porque, nesse caso, tornaram-se de tal forma superprotetores que não os deixaram ver o mundo da forma que é de fato. Essas crianças cresceram muito protegidas e sem limites, o que gera uma visão inadequada da vida. Assim, encontramos hoje adultos jovens que não compreenderam que têm compromissos com a sociedade e com sua família; cresceram achando que têm todos os direitos, mas raramente pensam que dos direitos derivam deveres também. Esses pais permissivos pecaram pelo excesso, pelo medo de errar e por confundirem limites com autoritarismo. Mas, obviamente, não foram todos que agiram dessa forma.

Esses pais se anularam em nome dos filhos? É importante que eles deem mais prioridade às próprias vontades?
Pelo contrário! O meu intuito é justamente mostrar a quem hoje está criando os filhos o quanto é importante ter clareza em relação ao projeto educacional. Os boomers priorizaram os filhos sim, mas o fizeram porque de fato consideravam fundamental fazê-lo. Como deve ser feito, porque ter filhos não é uma brincadeirinha, que pode ser terceirizada quando se deseja. Os boomers não se arrependeram de sua decisão. Apenas pensavam que receberiam um pouco mais de reciprocidade, tendo se dedicado tanto aos filhos. O que os está fazendo se sentirem negligenciados é o pouco tempo e a incompreensão que os filhos demonstram em relação às suas necessidades na terceira idade, mas que são basicamente de afeto. O que desejam não é muito: uma visita, um telefonema — duas vezes por semana que seja. Também adorariam que se interessassem pelo que acontece em suas vidas e que demonstrassem um mínimo de desejo de estar com eles, de compartilhar momentos conjuntos!

Reprodução Internet
(foto: Reprodução Internet)
Os boomers criaram filhos ingratos?
Não simpatizo muito com o termo “ingratidão”. Prefiro falar em negligência. Acredito que a maioria dos filhos adultos que se esquecem ou raramente se lembram de fazer contato com os pais idosos sem outra intenção, que não seja saber deles com real afeto e interesse, não percebem o quanto essas pequenas atenções fazem diferença na vida de seus pais idosos. Não creio que haja intenção de magoar ou de ferir, na maioria dos casos. Escrever o livro foi decorrência dessa convicção. Acredito realmente que aqueles que lerem o meu novo livro se conscientizarão do sofrimento e da decepção que involuntariamente estão causando e, com isso, imagino que a maioria mudará de atitude com os pais — tão queridos, mas muitas vezes ignorados.

O ego muito grande seria uma característica dos filhos dos boomers. Não existiria  também uma dificuldade de entender o pensamento dos pais, mais velhos, e até uma intolerância com as ideias deles, o que faria com que as conversas fossem desagradáveis para ambos?
A meu ver, essa dificuldade para captar as necessidades do outro (ainda que esse “outro” seja seu pai ou sua mãe) deriva de uma educação calcada no “eu” (eu gosto, eu não gosto, eu quero, eu não quero), no egocentrismo, no individualismo e na vaidade (muito incentivada atualmente na sociedade ocidental). É o que chamei de “efeito colateral de uma educação sem limites”. Fato é que os boomers incentivaram que seus filhos fizessem sempre “o que fosse melhor para si”. Eles obedeceram (e gostaram!). Afinal, nada mais fácil do que só pensar no que é conveniente para si e ignorar o que é bom para os outros. Por conta disso é que surgiu a intolerância — e não apenas em relação aos seus pais, mas a tudo que os desagrade. A incapacidade de tolerar frustrações, sobre a qual adverti faz duas décadas, está aí em cada esquina. Ocorre que muitos dos idosos de hoje também não concordavam com o que seus pais lhes diziam. No entanto, guardavam suas opiniões para si ou as externavam de forma educada e respeitosa! Jamais diriam o que se escuta hoje: “Ai, mãe, que saco!” ou “Não dá mesmo para conversar com você, né, só tem ideia ridícula!” É uma questão de querer e de se disponibilizar para que a relação se mantenha num nível afetuoso. Afinal, somos todos adultos agora, não?

A senhora comenta sobre os afetos líquidos e sobre como as gerações X e Y têm capacidade de romper relações com facilidade. Os rompimentos de casamento seriam também uma prova disso?
Não há dúvida de que muitas pessoas hoje em dia se sentem altamente comprometidas consigo próprias, mas bem pouco com o outro. É isso que faz com que se torne mais fácil descartar relacionamentos do que batalhar para que o entendimento se restabeleça. Afinal, pensar, rever posturas, conversar, ouvir e também se autoanalisar é trabalhoso. E pode ser penoso às vezes. Olhar suas próprias fraquezas, analisar dificuldades na relação, mudar atitudes e lutar para se manter ao lado de alguém que se considerou valer a pena dá trabalho. É construção diária. Daí que se torna mais conveniente para alguns começar outra relação. Seja no amor, no trabalho, seja com amigos. Então, como dizem alguns, de forma bem utilitarista: “o negócio é fazer a fila andar”.

Seu livro propõe uma mudança de comportamento para quem já é adulto e se reconhece com um tipo de relacionamento ruim com os pais e também alerta quem ainda está criando um filho pequeno. Para quem já tem um filho um pouco mais velho e sente que a situação já está degringolando, o que é possível fazer?
Considero que o homem é um ser em construção. Daí porque creio no poder da educação. Sempre dá para reverter um processo, desde que, no caso da família, os pais compreendam que precisam mudar de atitude. Quando isso ocorre, metade do caminho está percorrido. A partir daí, é ter segurança e persistência para colocar em prática. Sempre cientes de que, em educação, nada acontece do dia para a noite, especialmente quando se agiu durante anos de forma oposta.

O meio-termo é sempre difícil de ser alcançado. Como seria o equilíbrio entre o modelo de educação que vigorou até os anos 1950 e os que os baby boomers colocaram em prática?
Nem tão difícil assim, a meu ver e desde que as pessoas compreendam que todo extremo é radical. Basta que se busque o equilíbrio: nem oito nem oitenta, como reza a sabedoria popular; ou, como diria Aristóteles, a virtude está no meio-termo. E completo, com um pensamento que cunhei pensando nesse equilíbrio: “Diga sim sempre que possível, e não sempre que necessário.”

A falta de hierarquia é romantizada em nossa sociedade. Dentro da família, qual é a importância e a necessidade dela?
Acredito que, na família, especialmente durante a infância e até meados da adolescência, os pais devem deixar claro para os filhos (pelas suas atitudes no dia a dia principalmente e não tanto pela “falação”) que existe uma hierarquia ali. Não tão rígida como no passado recente, mas uma hierarquia clara. A autoridade parental precisa ser reconhecida pelas crianças, bem como a consciência de que a palavra final pertence a quem é a autoridade. Ouvir o que os filhos querem ou reivindicam é essencial, mas a decisão deve ser sempre dos adultos.

De que forma os pais menosprezam a capacidade das crianças de compreender e aprender regras?
Deixando para depois — para anos depois, melhor dizendo —, a aprendizagem do que pode ou não pode, da hora do sim e do não, de ensinar responsabilidades. E, especialmente, “passando a mão na cabeça dos filhos” cada vez que fazem alguma coisa errada, em vez de corrigir e sancionar quando necessário, porque sempre acham que “é cedo”.

A partir de que idade é possível começar a colocar regras? A criança pode ser esperta o suficiente para fingir que não entende?
A partir de 1 ano e meio, em torno disso. Jamais antes de ela compreender o que está falando, ou seja, quando ela já tiver vocabulário em torno de 300 palavras, o que costuma ocorrer exatamente na idade que citei. A criança saudável é esperta e inteligente sim, mas jamais terá, aos 2 ou 3 anos, capacidade de fingir. O que pode ocorrer é ela perceber que os pais são inseguros; que as atitudes de um e outro não são harmônicas; que um é mais fácil de dobrar que o outro etc. A partir daí é que ela se torna mais insistente. O que só comprova que são os pais que precisam definir — e, de preferência, em conjunto — quais regras adotarão. Sabendo exatamente o que se quer fica mais fácil ser coerente.

Essa ideia de que é preciso sempre estar “fazendo alguma coisa” com os filhos, por que descartá-la? Não seria bom se divertir a toda hora?
Seria ótimo se divertir a toda hora, mas é impossível. Há muitas horas para nos divertirmos: férias, fins de semanas, à noite etc, desde que se esteja com quem amamos. Há horas, porém, em que todos temos que fazer coisas nem tão divertidas assim: ir ao banco, pagar contas, fazer compras nos supermercados, lavar roupa, fazer relatórios no trabalho, enfrentar dificuldades no relacionamento, enfrentar a má vontade de pessoas que não gostam do trabalho que fazem etc. Não existe esse mundo em que todos se divertem o tempo todo! E quem decide ter filhos precisa saber que está assumindo uma tarefa que lhe dará, no mínimo, 30 anos de trabalho. Então, é importante que saibamos conviver, ou seja, é necessário entender que todos temos momentos de mau humor. Às vezes, adoece ou se perde o emprego. Nada é perfeito todo o tempo. Se não ensinarmos a nossos filhos que a vida é assim, com momentos felizes e outros nem tanto, eles não estarão preparados para as dificuldades naturais da vida. Se os criarmos deixando que acreditem que tudo é festa, como reagirão diante do infortúnio? Todos passamos por revezes em algum momento. É preciso que tenhamos raízes fortes e que as desenvolvamos em nossos filhos também — só assim teremos serenidade e equilíbrio emocional para enfrentar o que se apresentar a nós.

O exibicionismo das redes sociais também pode ter uma culpa nisso?
Sem dúvida. Nós vivemos a sociedade do espetáculo, ou seja, todos querem ser felizes, realizados, célebres e... famosos! Só que isso é uma total impossibilidade, ao menos o tempo todo e para todos. As redes estão estimulando a ideia de que todos são imensamente felizes, vivem de bem com a vida — com a família, o maridão, os irmãos —, o que é totalmente ilusório. Pelo contrário, sabemos que a maioria das famílias tem desentendimentos, conflitos, além de amor. Então o que nos resta fazer é tornar nossos filhos conscientes e críticos, de forma a que não embarquem num mundo de ilusões, potencialmente perigoso para a saúde mental de cada um e de toda a sociedade.

O número de jovens, de 15 a 29 anos, que não estudam nem trabalham chegou a 9,6 milhões. Esse número tende a aumentar com a forma como os filhos dos boomers educam os filhos?
Quem educa hoje são os filhos dos boomers, que estão repetindo o modelo de muita liberdade e quase nenhuma hierarquia. Somam-se ainda o consumismo e o imediatismo, características dos adultos jovens da atualidade, que também priorizam o prazer, a liberdade e a felicidade instantânea o mais das vezes. O perigo é que quem busca realização em coisas materiais logo se cansa disso, porque consumir não preenche o indivíduo a longo prazo. Daí porque tão grande aumento no número de suicídios e depressão entre os jovens (300% em 10 anos). Se a pessoa se coloca a serviço de metas ralas e não em um projeto consistente que a encante e dê sentido à vida, sentirá, em poucos anos, o vazio existencial se instalar ou a inexplicável e perene ansiedade que inferniza a vida de tantos. Daí a busca por outro passeio, outra viagem, outra aquisição. Ou a beber mais e mais, ou tomar remédios para dormir e antidepressivos para se animar. Hoje, o grande projeto de muitas famílias é levar os filhos à Disney World! Pouco a pouco, esse jeito de viver se revela incapaz de trazer felicidade. Frente a frente consigo próprio, o tédio e a falta de objetivos se materializam. Se esses jovens pais não se ajudarem nesse sentido, provavelmente, o percentual dos nem-nem (não trabalham nem estudam) subirá sim.