Uai Saúde

IDADE E MEMÓRIA

Não se esqueça: cuidados com a memória começam desde cedo

Exercitar a mente, manter-se ativo cognitivamente, diversificando ao máximo os afazeres, e praticar atividade física ajudam a evitar ou retardar a perda de neurônios

Gustavo Perucci

Neurologista e professor da UFMG, Paulo Caramelli diz que é importante observar se o esquecimento começou a trazer prejuízo ao indivíduo - Foto: BETO NOVAES/EM/D.A PRESS

Dependência. Esse costuma ser o maior medo das pessoas ao envelhecer. Geralmente ligada ao desenvolvimento de problemas de memória e cognição, a diminuição da autonomia do indivíduo é vista quase como um caminho inevitável com o passar dos anos. E a proporção é, ao menos no entendimento popular, contínua: depois de certa idade, quanto mais vivermos, mais necessidade de ajuda teremos. Além do declínio físico natural, ainda existe o fantasma da doença de Alzheimer, enfermidade que ainda não tem cura.

Não adianta negar que o corpo como um todo sofre prejuízos com o passar do tempo e episódios menores de esquecimento são comuns. O que não é normal, mesmo em idosos, é um declínio mais forte da memória.

Neurologista e professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais, Paulo Caramelli explica, que durante o processo de envelhecimento, ocorrem modificações fisiológicas naturais do cérebro, que se apresentam como a perda de memória e da velocidade de processamento de informações. Essas alterações são próprias da idade, mas não podem interferir de modo significativo na autonomia do indivíduo.

“O que se tem são modificações leves de memória. Lembrando que até o jovem pode ter algum esquecimento ocasional.

No idoso, não é diferente. O indivíduo pode ter alguma alteração, especialmente quando tem que lidar com muitas informações simultaneamente. Talvez, secundariamente, seja nisso que a memória se altera nos mais velhos em relação aos mais novos. Porque uma de suas dificuldades mais comuns é a de processar muitas informações ao mesmo tempo”, aponta Caramelli.

Rosamaria Peixoto Guimarães, presidente da Sociedade Mineira de Neurologia, esclarece que, durante nossa vida, perdemos neurônios, desde o momento do nascimento. Como temos bilhões dessas células, não sentimos essa perda. Mas, ao se atingir uma idade mais avançada, ela fica mais perceptível. “O envelhecimento como um todo, não só no aspecto cerebral, atinge o corpo inteiro. Suas articulações não são mais as mesmas, a coluna, o coração. E ninguém fala que isso é uma doença. Isso seria a senilidade, um estágio da vida. No cérebro, ocorre exatamente a mesma coisa, só que com a singularidade de os neurônios não se regenerarem. Ao chegarmos aos 70, 80 anos, existe sim uma queda natural na velocidade de raciocínio e uma perda de memória episódica, para fatos mais corriqueiros”, afirma.

ALERTA O limite entre a falha de memória ocasional e um sinal de problema maior é sutil. Paulo Caramelli alerta que é importante observar se o esquecimento começou a trazer prejuízo ao indivíduo.
Não lembrar de acontecimentos recentes também é indicativo que há algo de errado. O papel da família no sentido dessa observação, segundo o professor, é muito importante.

“Esquecer fatos recentes de experiências marcantes, como ir ao cinema assistir a um filme, deve servir de alerta. Outra coisa é quando há uma desproporção entre a percepção do indivíduo, no caso, o idoso, sobre a sua memória e a de um familiar, que percebe as falhas de memória mesmo que não haja queixa da pessoa. Nos casos mais preocupantes, que podem refletir uma doença mais séria, subjacente, a percepção do paciente é menor do que a de um familiar. Isso é muito importante, porque existem muitas situações, doenças, que podem interferir com a memória. Depressão, por exemplo, que é uma condição relativamente frequente”, observa Caramelli. Efeitos de medicamentos, especialmente sedativos e ansiolíticos, alterações no sono, álcool, entre outros, são fatores que podem interferir na memória e concentração, segundo o professor. Essas nuances reforçam a necessidade de, ao se sentir uma alteração mais substancial, procurar um profissional com experiência na área.

“A indicação é de se procurar um neurologista ou geriatra. Mas pode ser um cardiologista ou clínico geral. Até o ginecologista pode encaminhar o paciente para especialistas.
O melhor é que seja um profissional que já conheça e acompanhe a pessoa, que seja de confiança da família”, orienta Rosamaria Guimarães.


PREVINIR É O MELHOR REMÉDIO
Conseguir evitar ou retardar os efeitos da perda de memória que pode levar a quadros iniciais de demência está diretamente ligado à maneira que o indivíduo leva sua vida e cuidados com sua saúde. A neurologista Rosamaria Guimarães indica estudos já comprovados que relacionam a escolaridade como fator protetor da saúde mental nos idosos. “Mas não adianta fazer isso ao envelhecer, de última hora”, completa.

Paulo Caramelli destaca que a prevenção da demência, doença de Alzheimer e declínio cognitivo pode ser dividida em quatro pilares de cuidado com a saúde, que, quanto antes começarem a fazer parte da vida da pessoa, melhor. Primeiro é o controle rigoroso de fatores de risco vascular. “Quem é hipertenso tem que tratar e se cuidar adequadamente. O diabético, idem. Fuma? Tem que parar de fumar”, afirma.

Segundo é se manter ativo cognitivamente, diversificando ao máximo as atividades, que, quanto mais desafiadoras, melhor. “Leitura é uma atividade fantástica. Jogos, principalmente os que demandem estratégia. Palavras cruzadas é bom? Sim. Mas tem vir acompanhado de outras atividades”, explica Caramelli.

“Fazer coisas corriqueiras de forma diferente. Quando destro, escovar o dente com a mão esquerda e vice-versa. Isso vai ativar áreas do cérebro que geralmente não são utilizadas. Somos preguiçosos e utilizamos sempre as mesmas vias de transmissão. Quando se faz isso, uma nova via cerebral que  está sendo utilizada é estimulada. Tente fazer caminhos diferente quando for ao trabalho ou explorar um bairro que você não costuma passar. Isso tudo ajuda”, completa Rosamaria Guimarães.

Em terceiro lugar, vem a prática de alguma atividade física, principalmente aeróbica. A recomendação é de, no mínimo, 150 minutos semanais de exercício. Por último, mas não menos importante, fica uma dieta balanceada e saudável. “Linhaça, salmão, peixes em geral. O consumo do ômega 3, comprovadamente, melhora a neurotransmissão”, oriente a neurologista.


TRÊS PERGUNTAS PARA...
PAULO CARAMELLI, geriatra e professor da Faculdade de Medicina da UFMG
1) Existe alguma novidade no tratamento do Alzheimer?
Vivemos uma entressafra longa de novas medicações. A última disponibilizada para a doença já tem mais de 10 anos. Algumas novas drogas promissoras podem aparecer a médio prazo. O problema é que, durante o período de testes, algumas funcionam muito bem em animais, mas, quando vão para os humanos, não têm a mesma eficácia. Uma coisa interessante na doença de Alzheimer é que todo mundo fica esperando a pílula milagrosa. Mas, infelizmente, os desafios ainda são grandes para algum novo tratamento efetivo e seguro surgir.

2) Além do tratamento farmacológico, quais são as alternativas?
Uma questão importante é a do tratamento não medicamentoso. O papel das intervenções não farmacológicas é fundamental. Claro que temos que continuar a tratar os pacientes, mas já sabemos que a orientação adequada dos familiares e cuidadores e intervenções no ambiente têm um efeito muito positivo. É um tratamento multiprofissional.

3) Como se prevenir ou retardar os efeitos da doença?
Se as pessoas ficam preocupadas em desenvolver a doença de Alzheimer, é importante que os cuidados com a saúde comecem já na meia-idade, pois quanto antes, melhor. Se preparar para o processo de envelhecimento é fundamental, mas não muito comum. Temos de mudar o foco, trabalhando a promoção e prevenção da saúde. Não adianta começar muito tarde.

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