Os cientistas sociais desenharam um experimento no qual duas crianças sentavam-se uma em frente à outra, tendo, no meio, uma mesa com alguns doces. Aleatoriamente, o mediador oferecia algumas guloseimas para cada uma delas, que tinham de definir se aceitavam ou não a divisão, com base no senso de justiça. Por exemplo, ao ver que o colega recebeu a oferta de um número maior de brindes, o participante poderia aceitar essa distribuição desigual ou puxar uma manivela, em sinal de rejeição. O contrário também era verdadeiro: caso ganhasse mais doces que o outro e achasse que isso não era correto, o beneficiado poderia recusar o agrado.
Para verificar desde quando a rejeição à iniquidade se manifesta, os cientistas realizaram os testes com 866 pares de meninos e meninas de 4 a 15 anos. A investigação sobre a influência cultural se deu em sete países: Estados Unidos, Canadá, Índia, México, Peru, Senegal e Uganda.
"Em todos os países, as crianças mais novas já demonstravam aversão à iniquidade quando elas eram
as desfavorecidas. Acreditamos que esse senso de justiça, de recusar quando se recebe menos que o outro, é universal”
Katherine McAuliffe, psicóloga e autora da pesquisa
as desfavorecidas. Acreditamos que esse senso de justiça, de recusar quando se recebe menos que o outro, é universal”
Katherine McAuliffe, psicóloga e autora da pesquisa
Um dado pareceu surpreendente a Peter Blake, pesquisador do Departamento de Ciências Psicológicas e do Cérebro da Universidade de Boston, principal autor do estudo. Enquanto os pequenos rejeitavam rapidamente o jogo quando se sentiam em desvantagem, por volta dos 8 anos, eles também mostravam aversão à injustiça praticada contra o colega de teste. “Quando o outro participante recebia menos doces, as crianças que ganhavam mais puxavam a manivela verde, indicando que não aceitariam essa oferta, mesmo que ela fosse vantajosa para elas”, descreveu. “Isso foi um dado que nos deixou intrigados. As crianças estão dispostas a fazer sacrifício para que o outro não seja prejudicado.” A resposta dos pequenos quando indagados sobre o motivo pelo qual recusaram o doce era simples e direta: “Eles diziam simplesmente que não era justo”.
Essa disposição, no entanto, não foi vista em todos os lugares pesquisados. Em um indicativo de que o surgimento dos conceitos de justiça e iniquidade varia de acordo com a cultura, apenas em três países as crianças rejeitaram as guloseimas quando as outras receberiam menos: Canadá, Estados Unidos e Uganda. Nas demais nações, embora recusassem um número menor de balas, os meninos e as meninas de todos os grupos etários aceitavam receber mais que os colegas.
Pais
Katherine McAuliffe esclarece que isso não significa que nesses lugares não exista senso de iniquidade quando o atingido é um terceiro.
Blake destaca que, provavelmente, no Canadá, nos Estados Unidos e em Uganda, os pais, desde muito cedo, reforcem aos filhos a necessidade de se fazer divisões igualitárias. E que é possível que, em outras culturas, esses conceitos sejam ensinados mais tarde. “Algo que podemos inferir dos resultados, acredito, é que a aversão à iniquidade desvantajosa para nós seja um valor universal na humanidade. Já o contrário, a aversão à iniquidade desvantajosa para o outro, seja mais influenciada por normas culturais”, avaliou.
Os autores ressaltam que, embora tenham diversificado os locais de estudo, ainda assim a pesquisa é uma pequena amostra da grande diversidade cultural humana. De acordo com eles, investigações mais amplas precisam ser feitas antes de se fechar a questão. “Nossos resultados referem-se às culturas que testamos. Há sempre uma grande possibilidade de não vermos esses mesmos padrões em outras culturas”, observou Blake..