Desde a infância, Soraya Castilho, 48 anos e oficial de chancelaria, sonhava ter um yorkshire. O sonho, porém, só foi se realizar anos depois, por acaso. Sua filha, Victoria, frequentava a casa de uma amiga de escola que tinha o cão da raça preferida de Soraya. Quando a cadelinha ficou prenhe, Soraya achou que seria uma boa ideia reavivar a antiga vontade. As duas acompanharam a gestação da cadela, sempre atentas e cada vez mais apaixonadas. “Àquela altura do campeonato, minha filha não parava de pedir para que eu o comprasse”, lembra. Ela pesquisou com alguns criadores da raça para saber a faixa de preço do filhote e viu que os valores estavam equiparados. “Cheguei a marcar uma visita a uma criadora para ver um filhote que me custaria praticamente o mesmo valor que acabei pagando pelo meu. A diferença era que o dela tinha pedigree.”
Saber se um animal tem ou não pedigree é um pré-requisito para que ele seja considerado “de raça”. Pedro Loes, diretor da Kennel Club Brasília, explica que o termo se refere a um Certificado de Registro (CR), algo como uma certidão de nascimento do bicho. “Se o cachorro tem um, é possível afirmar, com certeza, que ele é puro”, completa. Além das características típicas de cada raça, como tipo de pelagem e personalidade, a partir do número de registro do documento, é possível identificar a árvore genealógica de cada bicho. Ainda que o animal possua a maioria dos traços de determinada raça, o documento é, segundo Loes, imprescindível para atestar a “pureza” do cão.
Caso um dos pais do animal tenha pedigree e outro não, o filhote não será puro. “Para o criador registrar o pedigree dos seus animais, a mãe e o pai têm que ter”, reforça Pedro Loes. Segundo ele, o registro é feito pela Confederação Brasileira de Cinofilia (CBKC). O órgão mantém um imenso banco de dados, capaz de identificar a família do pet. “O Kennel Club funciona como um cartório, que faz a mediação entre o criador e a Confederação”, explica.
A ideia de escolher um cão por conta de uma raça específica pode até não agradar a todos, mas Pedro Loes explica que há uma funcionalidade intrínseca a cada estirpe. “Eu, por exemplo, crio buldogue francês por causa da personalidade bonachona e tranquila”, exemplifica. “Se ele cruza com outra raça, vai mudar seu comportamento. O pedigree ajuda a ter confiança de que o cachorro que a pessoa está adquirindo tem as características que se aproximam do que ela deseja.”
Um registro de pedigree, segundo Loes, custa em torno de R$ 50. Para casos em que o animal não foi adquirido com o documento, mas os donos têm certeza de sua procedência, o tutor ou o criador tem que, primeiro, fazer um registro inicial de pedigree — algo como dar entrada no processo. Uma equipe de três árbitros da CBKC submete o animal a uma avaliação. Se os três concordarem que o cachorro tem realmente todas as características da raça, o cão tira o documento, que vem com a sigla CPR na frente do RG. “A sigla identifica que esse registro é o inicial, porque a árvore genealógica do animal está vazia e vai começar com aquele animal”, detalha Pedro Loes. “Os filhos desse cachorro já terão pedigree e ele vai aparecer como o primeiro nos registros.”
Renato do Coutro Buani, psicólogo especializado em comportamento de animais, explica que uma boa forma de tirar a dúvida é apostar em pesquisas em sites especializados e enciclopédias animais. Com base nessas informações, é possível comparar o “conjunto da obra” e ver se o cão se assemelha ou não à raça pretendida, como tipo de focinho, orelhas e cor da pelagem. “O border-collie, por exemplo, se tiver predominância de marrom, preto ou outra cor que não seja o branco, já sabemos que ele provavelmente tem uma variação genética diferenciada.”
Buani explica que um cão de raça tem de 40% a 50% de suas características principais definidas pela linhagem. Para pessoas que desejam um animal para desempenhar tarefas específicas, como um cão farejador, saber quais são os atributos gerais do bicho é essencial. “Nesse exemplo, é interessante que o cachorro seja de uma raça farejadora, como o pastor alemão, que tem um focinho mais alongado e, por isso, mais células olfativas.” Mas a genética não é soberana: é possível, até certo ponto, “remodelar” alguns traços do pet. “Nunca é possível mudar um animal 100%. Mas, até 1 ano de idade ocorre a zona de sedimentação do comportamento animal, que é quando ele estabelece hierarquia, hábitos e personalidade.”
Quando Ziggy Marley nasceu, a família de Soraya se sentiu completa. “O envolvimento emocional com o Ziggy, desde o nascimento, falou mais alto do que qualquer pedigree. Ainda fala até hoje”, derrete-se. À época, contudo, ela ainda não sabia que o cão não poderia ser considerado puro sem o documento. Em uma consulta à veterinária, Soraya notou que as orelhas de Ziggy eram grandes e não ficavam em pé, por mais talas que ela e a profissional fizessem. “Expressei a ela minha preocupação quanto ao fato de ele não ser yorkshire puro. Ela disse para eu não me preocupar, explicando-me que, por ele ser filho e neto do mesmo cachorro, a linha de sangue se fechara e que, quando isso acontece, eventuais características mais proeminentes de seus ancestrais ficavam mais evidentes na ninhada.”
Por volta dos 6 meses de vida, as perguntas sobre qual seria a raça de Ziggy começaram a incomodar. “Muita gente o confundia com um filhote de schnauzer, já que o focinho dele estava ficando bem quadrado e o pelo no dorso, um pouco enrolado”, explica Soraya. Em um pet shop diferente, em que os donos haviam sido criadores de yorkshire, a revelação de que Ziggy não era puro foi um susto. “Minha filha caiu em prantos na loja. Ainda assim, o sinal amarelo não acendeu. Achei que era papo de criador.” Dias depois, aproveitando a visita de uma amiga membro do Kennel Club de Brasília, Soraya comentou o ocorrido.
O olhar treinado da especialista não demorou a confirmar o que os donos da pet shop já sabiam: Ziggy era um SRD (Sem Raça Definida). “Ali sim, fiquei atordoada e veio todo aquele filme à minha mente: as orelhas grandes, a explicação da veterinária, as perguntas na rua, o dono da petshop, o choro da minha filha”, relembra. “Naquela noite, minha filha chorou muito, novamente. Conversei bastante com ela e lhe disse que precisávamos tomar uma decisão. Havia dois caminhos: devolver o Ziggy ou assimilar a situação e não reclamar.”
O amor, felizmente, falou mais alto que qualquer definição. Atualmente, Soraya não concebe a vida sem Ziggy. “Digo a todos que ainda me perguntam qual a raça dele, que se trata de um ‘yorkchoro’”, brinca. O episódio fez com que Soraya e a filha despertassem o interesse pela causa dos animais abandonados. As duas viraram frequentadoras assíduas de feiras de adoção e passaram a ajudar entidades que recolhem, tratam e buscam lares para animais abandonados. “Se eu tivesse essa percepção lá atrás, certamente, eu teria adotado um cãozinho. Sei do amor legítimo que tenho pelo Ziggy e do real amor dele por nós. E, como ele, há dezenas de cãezinhos lindíssimos, meigos, ansiosos por serem adotados, a cada semana, nas diversas feiras de adoção da cidade.”
Saber se um animal tem ou não pedigree é um pré-requisito para que ele seja considerado “de raça”. Pedro Loes, diretor da Kennel Club Brasília, explica que o termo se refere a um Certificado de Registro (CR), algo como uma certidão de nascimento do bicho. “Se o cachorro tem um, é possível afirmar, com certeza, que ele é puro”, completa. Além das características típicas de cada raça, como tipo de pelagem e personalidade, a partir do número de registro do documento, é possível identificar a árvore genealógica de cada bicho. Ainda que o animal possua a maioria dos traços de determinada raça, o documento é, segundo Loes, imprescindível para atestar a “pureza” do cão.
Caso um dos pais do animal tenha pedigree e outro não, o filhote não será puro. “Para o criador registrar o pedigree dos seus animais, a mãe e o pai têm que ter”, reforça Pedro Loes. Segundo ele, o registro é feito pela Confederação Brasileira de Cinofilia (CBKC). O órgão mantém um imenso banco de dados, capaz de identificar a família do pet. “O Kennel Club funciona como um cartório, que faz a mediação entre o criador e a Confederação”, explica.
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Um registro de pedigree, segundo Loes, custa em torno de R$ 50. Para casos em que o animal não foi adquirido com o documento, mas os donos têm certeza de sua procedência, o tutor ou o criador tem que, primeiro, fazer um registro inicial de pedigree — algo como dar entrada no processo. Uma equipe de três árbitros da CBKC submete o animal a uma avaliação. Se os três concordarem que o cachorro tem realmente todas as características da raça, o cão tira o documento, que vem com a sigla CPR na frente do RG. “A sigla identifica que esse registro é o inicial, porque a árvore genealógica do animal está vazia e vai começar com aquele animal”, detalha Pedro Loes. “Os filhos desse cachorro já terão pedigree e ele vai aparecer como o primeiro nos registros.”
Renato do Coutro Buani, psicólogo especializado em comportamento de animais, explica que uma boa forma de tirar a dúvida é apostar em pesquisas em sites especializados e enciclopédias animais. Com base nessas informações, é possível comparar o “conjunto da obra” e ver se o cão se assemelha ou não à raça pretendida, como tipo de focinho, orelhas e cor da pelagem. “O border-collie, por exemplo, se tiver predominância de marrom, preto ou outra cor que não seja o branco, já sabemos que ele provavelmente tem uma variação genética diferenciada.”
Buani explica que um cão de raça tem de 40% a 50% de suas características principais definidas pela linhagem. Para pessoas que desejam um animal para desempenhar tarefas específicas, como um cão farejador, saber quais são os atributos gerais do bicho é essencial. “Nesse exemplo, é interessante que o cachorro seja de uma raça farejadora, como o pastor alemão, que tem um focinho mais alongado e, por isso, mais células olfativas.” Mas a genética não é soberana: é possível, até certo ponto, “remodelar” alguns traços do pet. “Nunca é possível mudar um animal 100%. Mas, até 1 ano de idade ocorre a zona de sedimentação do comportamento animal, que é quando ele estabelece hierarquia, hábitos e personalidade.”
Quando Ziggy Marley nasceu, a família de Soraya se sentiu completa. “O envolvimento emocional com o Ziggy, desde o nascimento, falou mais alto do que qualquer pedigree. Ainda fala até hoje”, derrete-se. À época, contudo, ela ainda não sabia que o cão não poderia ser considerado puro sem o documento. Em uma consulta à veterinária, Soraya notou que as orelhas de Ziggy eram grandes e não ficavam em pé, por mais talas que ela e a profissional fizessem. “Expressei a ela minha preocupação quanto ao fato de ele não ser yorkshire puro. Ela disse para eu não me preocupar, explicando-me que, por ele ser filho e neto do mesmo cachorro, a linha de sangue se fechara e que, quando isso acontece, eventuais características mais proeminentes de seus ancestrais ficavam mais evidentes na ninhada.”
Por volta dos 6 meses de vida, as perguntas sobre qual seria a raça de Ziggy começaram a incomodar. “Muita gente o confundia com um filhote de schnauzer, já que o focinho dele estava ficando bem quadrado e o pelo no dorso, um pouco enrolado”, explica Soraya. Em um pet shop diferente, em que os donos haviam sido criadores de yorkshire, a revelação de que Ziggy não era puro foi um susto. “Minha filha caiu em prantos na loja. Ainda assim, o sinal amarelo não acendeu. Achei que era papo de criador.” Dias depois, aproveitando a visita de uma amiga membro do Kennel Club de Brasília, Soraya comentou o ocorrido.
O olhar treinado da especialista não demorou a confirmar o que os donos da pet shop já sabiam: Ziggy era um SRD (Sem Raça Definida). “Ali sim, fiquei atordoada e veio todo aquele filme à minha mente: as orelhas grandes, a explicação da veterinária, as perguntas na rua, o dono da petshop, o choro da minha filha”, relembra. “Naquela noite, minha filha chorou muito, novamente. Conversei bastante com ela e lhe disse que precisávamos tomar uma decisão. Havia dois caminhos: devolver o Ziggy ou assimilar a situação e não reclamar.”
O amor, felizmente, falou mais alto que qualquer definição. Atualmente, Soraya não concebe a vida sem Ziggy. “Digo a todos que ainda me perguntam qual a raça dele, que se trata de um ‘yorkchoro’”, brinca. O episódio fez com que Soraya e a filha despertassem o interesse pela causa dos animais abandonados. As duas viraram frequentadoras assíduas de feiras de adoção e passaram a ajudar entidades que recolhem, tratam e buscam lares para animais abandonados. “Se eu tivesse essa percepção lá atrás, certamente, eu teria adotado um cãozinho. Sei do amor legítimo que tenho pelo Ziggy e do real amor dele por nós. E, como ele, há dezenas de cãezinhos lindíssimos, meigos, ansiosos por serem adotados, a cada semana, nas diversas feiras de adoção da cidade.”