O trabalho foi feito com base em dados de 6.814 adultos, acompanhados ao longo de 10,2 anos por meio do Estudo Multiétnico de Arteriosclerose. Nesse período, avaliaram-se os hábitos de cada um dos voluntários em relação aos Life’s Simple 7 — controlar a pressão arterial, o colesterol e a glicemia, ter hábitos alimentares saudáveis, manter-se no peso adequado, praticar atividade física e não fumar (veja quadro acima). O comportamento de cada pessoa foi classificado como ideal, intermediário ou pobre.
Os pesquisadores, então, relacionaram a pontuação dos participantes à ocorrência de seis condições diagnosticadas entre os voluntários ao longo do tempo em que foram acompanhados. Depois de fazer ajustes para idade, etnia e status socioeconômico, eles constataram que a adoção de hábitos saudáveis e o controle das taxas diminuíram em 21% o risco de câncer, 62% o de doença renal crônica, 43% o de pneumonia, 49% o de doença pulmonar obstrutiva crônica, 20% o de demência e 38% o de fratura no quadril.
“Embora desenhado pela Academia Americana do Coração para a proteção contra condições cardiovasculares, esse programa, quando seguido de forma ideal, acaba por reduzir uma série de outras doenças, o que tem implicações para a população e também para a saúde pública, pois significa menos custos com tratamentos e internações”, observou, em comunicado, Oluseye Ogunmoroti, pesquisador do Hospital Batista do Sul da Flórida, que apresentou o trabalho no congresso médico.
Soma de benefícios
Segundo Ogunmoroti, as medidas propostas promovem benefícios que contemplam todo o organismo. As relações dos Life’s Simple 7 com o sistema pulmonar, por exemplo, são muitas. Além do tabagismo, o peso corporal excessivo exige um trabalho mais intenso dos pulmões, que podem ficar sobrecarregados em pessoas obesas. E a atividade física, outro dos sete passos recomendados pelos cardiologistas, melhora muito o fôlego e a performance do órgão. Da mesma forma, a dieta saudável garante os nutrientes necessários para fortalecer os ossos, protegendo contra fraturas. No caso da demência, há evidências de que o entupimento de veias e artérias, além de hipertensão, pode favorecer o desenvolvimento do problema.
A redução do risco de câncer associada aos Life’s Simple 7 já havia sido investigada, há dois anos, pela Faculdade de Medicina Feinberg, da Universidade de Washington. A professora de medicina preventiva Laura Rasmussen-Torvik estudou dados de 13.253 homens e mulheres, acompanhados durante 20 anos por um estudo epidemiológico.
Aqueles que eram fisicamente ativos, mantinham um peso saudável, se alimentavam bem, cuidavam do índice glicêmico, do colesterol e da pressão, além de não fumarem, tiveram 51% menos chance de desenvolver câncer, comparado aos que não atendiam a nenhum dos sete critérios. Seguir apenas quatro dos passos levou à redução de 33% de risco. Os que tinham de um a dois hábitos saudáveis também se beneficiaram, com menos 21% de probabilidade de ter câncer. “O resultado adicionou evidência a um corpo robusto de literatura segundo o qual nunca é tarde para mudar e que você pode fazer mudanças na vida, como melhorar a dieta e parar de fumar, para reduzir tanto o risco de doenças cardiovasculares quanto de câncer”, observa Rasmussen-Torvik.
Querer mudar
A presidente da Sociedade de Cardiologia do Estado do Rio de Janeiro (Socerj), Olga Souza, diz que esses trabalhos confirmam o que as associações médicas do Brasil e dos Estados Unidos vêm insistindo há muito tempo: a necessidade de se controlar os fatores de risco de doenças crônicas. “A Socerj e a Sociedade Brasileira de Cardiologia fazem as mesmas orientações de boas práticas, como controle do colesterol, do tabagismo e do diabetes”, exemplifica.
Embora não esquematizadas em sete passos, como da Academia Americana do Coração, as recomendações brasileiras, muitas vezes, são reforçadas em campanhas, como a do Dia do Colesterol. “O controle do colesterol ajuda não só a não formar placas no coração, como em outras áreas do corpo também. Uma placa no cérebro pode resultar em AVC”, exemplifica Olga Souza.
“O primeiro passo para mudar é ter a clareza da importância dessas informações.
Crianças com o coração enfraquecido
A combinação de sedentarismo com uma dieta rica em alimentos industrializados, processados e com alto percentual de gordura e açúcar está levando meninas e meninos a desenvolver doenças cardíacas, alertou outro estudo apresentado ontem no congresso da Academia Americana do Coração. Exames de imagem de crianças obesas — algumas com apenas 8 anos — já mostram sinais significativos de comprometimento do coração e anomalias no músculo cardíaco, afirmaram pesquisadores da Pensilvânia, que compararam 20 pacientes com excesso de peso e 20 com peso normal.
Quarenta por cento das crianças com massa corporal acima do limite saudável foram consideradas em alto risco devido a problemas de enfraquecimento do músculo cardíaco, associado a deficiências na habilidade de bombear o sangue para o restante do corpo. Nenhum dos participantes apresentava sintomas físicos, mas os pesquisadores ressaltam que problemas cardíacos durante a infância podem levar a condições de saúde mais graves na idade adulta, incluindo a probabilidade aumentada de morte prematura.
“Os pais deveriam ser mais motivados a ajudar seus filhos a manter o peso saudável”, disse, em comunicado, Linyuan Jing, do Sistema de Saúde Geisinger e principal autora do estudo. “Esperamos que os efeitos que vemos nos corações dessas crianças sejam reversíveis; mas é possível que haja um dano permanente. Isso deveria ser um estímulo para os pais as ajudarem a ter um estilo de vida mais saudável”, disse.
A médica Patrícia Martins Moura Barrios, do Departamento de Cardiologia da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), ressalta que muitos pais insistem em adicionar farinha de arroz e maisena na mamadeira dos filhos, algo que, além de desnecessário, leva à obesidade. “Necrópsias já mostraram placas de gordura na artéria coronária de crianças de 3, 4 anos de idade”, afirma. No consultório, ela diz que não é incomum bebês com celulite e obesidade abdominal, a mais danosa à saúde. Muitos chegam comendo salgadinho.
No Brasil, 7,3% das crianças de até 5 anos estão com excesso de peso, percentual que sobe para 33,5% na faixa dos 5 aos 9, e para 20,5% na adolescência, segundo o Sistema Nacional de Indicadores em Direitos Humanos. Além da alimentação pouco saudável, a pediatra Patrícia Martins Moura Barrios destaca o sedentarismo como motor da obesidade infantojuvenil. “Sempre se diz que a dieta mediterrânea é muito boa. Mas não é tanto a comida. Os europeus caminham, se mexem. Aqui não se anda, as crianças não brincam mais, estão só dentro de casa, com celular”, alerta..