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Com uma pequena seringa, os cientistas depositaram no estômago de ratos um líquido com parasitas. Cerca de 50% desses animais foram infectados. Para outro grupo de roedores, foi dado um líquido contaminado para ser ingerido. Nesse caso, a taxa de infecção chegou a quase 100%. “Além da parasitemia (presença de patógenos no sangue), a taxa de mortalidade maior no grupo infectado por via oral chamou nossa atenção imediatamente”, conta Juliana Barreto de Albuquerque, doutoranda do programa de pós-graduação em biologia celular e molecular do IOC e uma das autoras do estudo, detalhado na revista norte-americana Plos Neglected Tropical Diseases.
Após esses resultados, os cientistas decidiram investigar se haveria diferenças entre os principais órgãos afetados pela doença de Chagas nos dois tipos de contaminação. Embora tivessem um número maior de parasitas no sangue, os camundongos infectados por via oral apresentaram menos danos cardíacos. Ao mesmo tempo, o fígado foi mais afetado pela doença e detectou-se índice mais alto da molécula inflamatória TNF circulando na corrente sanguínea.
“Os resultados nos fizeram sugerir que a lesão cardíaca não é a principal causa da alta mortalidade observada entre os animais infectados pela via oral. Esses óbitos parecem estar ligados aos altos níveis de moléculas pró-inflamatórias, que podem danificar os órgãos e levar à morte”, explica Juliana Barreto.
Quadros agudos
A forma clássica de transmissão da doença de Chagas se dá por meio de um inseto conhecido como barbeiro, que é infectado pelo Trypanosoma cruzi ao sugar o sangue de pessoas ou animais doentes. O barbeiro contaminado propaga a infecção da seguinte forma: ao picar um novo indivíduo, defeca e elimina parasitas nas fezes. Esses protozoários entram na corrente sanguínea de pessoas quando se coçan, promovendo, assim, o contato das fezes do barbeiro com a área ferida da pele.
No entanto, nos últimos anos, o país passou a registrar surtos de quadros agudos — quando os sintomas da doença aparecem logo após a contaminação — causados por alimentos contaminados. “Nos estados da Região Amazônica, mais de 70% dos surtos de infecção registrados são por via oral. Somente no Pará, há uma média de 100 a 150 casos agudos por ano”, alerta Juliana de Meis.
A principal forma de contaminação por via oral ocorre pela ingestão de alimentos como a cana-de-açúcar e o açaí, que muitas vezes são triturados com insetos contaminados. Outro grande problema são as cozinhas abertas, muito comuns na Região Norte. Esses locais propiciam que o barbeiro defeque sobre a comida.