Ela tem 1,57m de altura, veste manequim 50 e afirma não ter a menor ideia de seu peso. Ou melhor, não tem o menor interesse em saber. Para Juliana Romano, blogueira plus size, viver é muito melhor longe dos padrões impostos pela mídia. Em abril deste ano, ela quebrou a internet, ao estampar a capa da edição on-line dos 27 anos da revista Elle, uma das mais respeitadas do mundo. A jornalista orgulha-se de ser a primeira mulher a posar nua, sem photoshop, na capa de uma publicação de moda.
A ideia, que partiu da própria publicação, foi defender a autonomia de cada um sobre o próprio corpo, bandeira que Ju Romano, aos 26 anos, agarra com unhas e dentes. Nos dias atuais, é difícil encontrar pessoas como ela, capazes de criticar a imposição de arquétipos físicos. Buscar novos valores em um campo dominado pela publicidade é muito difícil, especialmente quando envolve questões de autoestima e beleza. Mas a blogueira provou que é possível ser bonita e feliz ao natural.
Leia Mais
Depois da onda do cabelo liso, mulheres aposentam químicas e chapinhas e assumem o cabelo crespo ou cacheado'Encolhimento' do padrão plus size causa polêmica no mundo da moda Moda Plus Size: 'Querem nosso dinheiro, mas não querem nos representar'Apesar dos avanços, a sexualidade do brasileiro ainda é cercada por mitos e tabusO 'Chip da beleza' e a busca sem fim de um padrão encantadorHair stylist de famosas fala sobre as apostas de cor, penteado e corte para modernizar o visual Pessoas com dificuldade para ganhar peso são chamadas de ectomorfasDeu branco no cabelo e vou deixar assimAltas temperaturas exigem atenção redobrada com os cabelos, que sofrem com a desidrataçãoMas nem sempre foi assim. “Hoje, amo meu corpo e entendi muito sobre ele e como funciona o meu metabolismo. Mas demorei anos para entender que o meu corpo, seu formato, peso e numeração não influenciam em nenhum outro aspecto da minha personalidade ou convivência social.”
Romper com os estereótipos de beleza não é fácil. A indústria da moda é cruel, na avaliação de Romano, o que torna essa libertação ainda mais difícil. “A indústria da moda é excludente, preconceituosa, preguiçosa e levemente burra. No Brasil, mais de 50% da população está acima do peso considerado ideal (IMC até 25), o que coloca mais da metade do país em tamanhos acima do 44. Você olha as araras dos shoppings e só sobram os números menores, como 38 e PP. Não estou falando que as magras não têm que ter o seu lugar, é claro que têm, mas desperdiçar o dinheiro de metade da população é burrice. A questão é que o plus size é uma ideia relativamente nova, então, as marcas ainda não têm o conhecimento para a produção de modelagens maiores (aí a preguiça) e muitas nem querem se aventurar nesse segmento, porque ainda desconsideram a gorda como consumidora (aí o preconceito) e, quando se aventuram, não conseguem enxergar a mulher gorda como qualquer outra mulher, produzem peças para a mulher se esconder, e não se mostrar.”
Nesse sentido, a beleza está relacionada com felicidade e aceitação. E para isso, segundo Ju Romano, as pessoas precisam se enxergar. “Elas precisam parar de colocar só um fator como definidor de sucesso e começar a olhar o todo. A Angelina Jolie, por exemplo, não é um sucesso porque é bonita. É sucesso porque é dedicada, sabe usar o corpo, o olhar, o sorriso, a personalidade, o charme... Isso ocorre com todo mundo! A Lena Dunhan não é um sucesso porque tem um corpo, é porque tem inteligência, sagacidade, entre tantas outras qualidades que vão muito além do corpo. Minha mãe sempre me disse: 'Um corpo sem um cérebro não te leva a lugar nenhum'. E é verdade. De nada adianta você ficar perseguindo padrões de beleza se não trabalhar todos os seus outros potenciais, e, acredite, toda mulher é cheia de potenciais para serem explorados, muito além do bumbum empinado e da barriga negativa.”
QUANTO MAIS POWER, MELHOR
A escravidão da chapinha ou progressiva nos cabelos vem caindo por terra desde o momento em que mulheres descobriram a importância de manter sua identidade própriava
Diante dos padrões de beleza impostos, especialmente pela mídia, ser uma mulher normal não é fácil. Exige coragem e muita disposição para fugir dos arquétipos estéticos institucionalizados. Foi justamente o que ocorreu com a jornalista Etiene Martins. Depois de anos de alisamento, ela se libertou. Deixou de ser escrava da chapinha e está muito bem resolvida com seus cabelos crespos.
Hoje, Etiene se orgulha dos fios originais, mas não esconde que foi adepta do 'quanto mais liso. melhor'. Afinal, passou toda a infância escutando essa frase. Seu primeiro alisamento, aliás, foi feito aos 5 anos, pela mãe, dona Márcia Martins, durante uma preparação para uma sessão de fotos, num estúdio em Belo Horizonte, famoso na época.
“Minha lembrança da primeira vez que alisei os cabelos foi para fazer umas 'fotinhas' na Sonora. Minha mãe alisava o nosso cabelo com pente quente, um pente de ferro, com cabo de madeira, que era levado ao fogo e, depois, era passado no cabelo. Ela também usava. Para deixar o meu cabelo bonito para a foto, ela fez em mim. Eu tinha 5 anos. Não a culpo, era o bonito da época, o que era visto como aceito, era o padrão, então, ela não podia me levar com o cabelo de outro jeito.”
O uso do pente quente era rotina na vida de Etiene e da irmã Erliene, até surgirem outros mecanismos de alisamento. “Passamos toda a nossa adolescência alisando cabelo, porque essa questão da aceitação era e ainda é muito complicada. Depois, usei megahair para alongar os fios, uma técnica que dói demais a cabeça, fora o dinheiro que a gente gasta.”
ACEITAÇÃO A libertação de Etiene ocorreu logo em seu primeiro emprego. Recém-formada, ela foi contratada para trabalhar em uma revista voltada para a comunidade negra. “A partir daí, passei a ter noção da aceitação do meu corpo, e o meu cabelo é parte desse corpo. Chegou um determinado momento em que aquele cabelo alisado não fazia mais parte de mim. Sem contar que já não tinha mais identidade, já não sabia como era o meu cabelo, a estrutura real dele.”
A necessidade de voltar à origem era pungente, mas Etiene sabia que não seria fácil. Os anos de química eram uma realidade cruel. “Parei de alisar, meu cabelo nunca seria liso mesmo. Mesmo assim, continuei escovando e não dava efeito nenhum. Foi quando tomei uma decisão um pouco mais radical: cortei curto e trancei.”
Em seis meses, Etiene tirou a trança e ganhou de volta a sua identidade. Foi uma libertação, segundo ela. “O cabelo estava curto, mas todo crespo e black power. Acho que é muito mais fácil a gente ser feliz sendo o que a gente realmente é. É uma violência querer mudar a nossa natureza. Se a pessoa não se aceita, é doloroso. Ser livre para gostar do que a gente vê no espelho, não há dinheiro que pague.”
SANSÃO ÀS AVESSAS
A atriz Sofia Abreu, de 28 anos, concorda com Etiene. Para ela, ser bonita é estar feliz. “Beleza não é questão estética. Para ser bela, a aceitação é o caminho mais sossegado, mais satisfatório”, reforça. Dona de uma vasta cabeleira cacheada, ela conta que, inicialmente, teve problemas para aceitar os fios, mas, diferentemente de Etiene, contou com a ajuda da mãe para gostar dos cabelos naturais.
“Foi muito complicado na infância. Minha mãe tem o cabelo muito liso, mas sempre amou o meu. Nasci com o cabelo bem crespo e ela sempre cuidou muito bem dele. Mas, na adolescência, começa essa coisa do padrão imposto pela mídia. Foi difícil. Não queria alisar meu cabelo, porque fui criada para que ele fosse do jeito que é, mas queria que não fosse volumoso, algo que era surreal.”
Sofia conta que esse confronto, no entanto, foi confortável em casa, porque sempre contou com o apoio materno. “Ela sempre dizia que as pessoas são diferentes. Fui desencanando. Então, não teve muito espaço na minha vivência.”
Para acabar com o volume do cabelo, em vez de usar produtos químicos, a atriz deixou os fios crescerem. “Acho que também me resolvi bem porque deixei o meu cabelo muito grande e os cachos foram pesando. Tinha uma cabeleira cacheada até abaixo da cintura”, conta.
Para a atriz, talvez o cabelo tenha sido o menor dos problemas na adolescência. “Passei pela fase de querer ser magra. E, hoje, não tenho a menor pretensão de ser. Sempre fui uma mulher muito grande e me sacrificava para entrar nos padrões. Quando completei 25 anos, optei pelo meu bem-estar, queria uma vida gostosa de ser vivida. E sou feliz exatamente do jeito que sou. Não deixaria de comer nada para não ter barriga.” (LS)
DE VOLTA PARA SI MESMA
Na contramão das cirurgias plásticas para colocação de próteses de silicone, a novidade agora é reverter procedimentos estéticos para buscar um aspecto mais natural
Existe beleza perfeita? Para muitas mulheres, sim. E ela está longe de se encaixar nos ditos padrões estéticos. Na contramão da imposição desses estereótipos, essas mulheres acreditam que a beleza está na naturalidade. Muitas, inclusive, estão revertendo procedimentos estéticos para buscar um aspecto mais natural.
Diferentemente de Victoria, a atriz Keira Knightley nunca usou próteses. Em maio deste ano, ela protagonizou a revolução dos seios pequenos – e irregulares! Ela estampou a capa da revista americana Interview de topless, provando que a mulher não precisa se render a padrões de beleza para ser linda. Na época, a colunista de moda Claire Cohen, do jornal Daily Telegraph, considerou a atitude da atriz uma vitória para as mulheres de seios pequenos. “Keira ajudou a rejeitar a ideia de como devem ou não ser as formas de uma mulher nua”, disse.
A advogada Letícia Bittencourt fez como Victoria Beckham. Depois de uma experiência malsucedida com o uso do silicone, ela decidiu retirar as próteses. “Na realidade, nunca quis pôr, mas acabei sendo convencida pelo médico. Fui fazer uma cirurgia para flacidez e ele me convenceu a colocar a prótese. Nem discutimos o tamanho, tudo foi ele quem definiu. Meu peito não aguentou o peso e despencou, além de ter dado seroma (complicação que pode ocorrer após qualquer cirurgia, sendo caracterizada pelo excesso de líquido que fica retido próximo à cicatriz cirúrgica, causando inflamação).”
EXCESSOS Autora do livro Beleza sustentável – como pensar, agir e permanecer jovem, a cirurgiã Carla Góes condena a busca desenfreada por padrões de beleza e defende a naturalidade. “As pessoas continuam querendo ficar bonitas, sensuais, gostosonas, só que, com o passar do tempo, foram observando os resultados. No início, tudo é novidade, mas a gente vai envelhecendo e, de repente, aquela boca de antes não acompanha mais a realidade da idade.”
A especialista conta que tem sido procurada por pacientes que querem reverter cirurgias, especialmente no rosto. “Se você quiser copiar o modismo, vai estar fadado à frustração. Ninguém vai ser uma Angelina Jolie, por exemplo, porque cada traço do rosto, fio de cabelo, sobrancelha é disposto de forma harmônica individualmente. E nosso rosto está em constante transformação. A aplicação de produtos definitivos de forma exagerada, mesmo a pedido do paciente, não vai acompanhar o envelhecimento. A boca endurece, vai formando granulomas. Então, as pessoas percebem que esses excessos não valem a pena.”
UMA NOVA VISÃO DO MUNDO
Nos dois últimos trabalhos da agência para marcas de maquiagens e cosméticos, foram entrevistadas mulheres que foram protagonistas de suas escolhas. E elas não correspondem ao padrão estético criado pela mídia. “São altas, baixas, gordinhas, magras, negras, com cabelos crespos e outra infinidade de características próprias da diversidade da mulher brasileira”, comenta Caio Casseb, sócio da agência.
Segundo o especialista, ao mesmo tempo em que a pesquisa se deparou com um número considerável de pessoas que desejavam um padrão de capa de revista, havia também um grupo significativo de mulheres na contramão disso. “A gente aprendeu que é uma questão de aceitação das mulheres, que uma parte delas percebe que esse padrão que as propagandas impõem já não faz sentido.”
A movimentação desse grupo, de acordo com Cássio, é quase política. “Assumir o cabelo natural ou o corpo que se tem é uma espécie de libertação e uma forma de se posicionar. Elas querem ser bonitas naturalmente e falar para o mundo que ele é que está errado. Há uma série de grupos na internet que promovem esse empoderamento da mulher, que vem de várias frentes, social e econômica. É uma forma de gritar: 'Aqui, eu estou aqui, eu existo e sou muito feliz e bonita do jeito que sou.'” (LS)