A substância foi desenvolvida há mais de 20 anos por pesquisadores do Instituto de Química de São Carlos (IQSC) da Universidade de São Carlos e vem sendo usada como tratamento experimental contra o câncer. Relatos de supostas curas fizeram crescer a procura pela substância, que não tem registro na Anvisa.
De acordo com a empresa, houve manifestação de interesse do Laboratório Farmacêutico do Rio Grande do Sul (Lafergs), vinculado à Fundação de Produção e Pesquisa em Saúde, em dar seguimento às pesquisas já realizadas na USP pelo ex-professor Gilberto Orivaldo Chierice. Uma reunião entre as partes está agendada para esta semana, em Porto Alegre, mas a empresa ressalva que as tratativas estão em fase inicial. O laboratório foi procurado, mas o expediente já havia se encerrado.
Autuação
Em uma fiscalização realizada no último dia 28, o Conselho Regional de Farmácia do Estado de São Paulo (CRF-SP) autuou o laboratório que produz a substância fosfoetanolamina sintética, instalado no Instituto de Química da USP em São Carlos. De acordo com o conselho, a fiscalização constatou que a produção não segue as normas para sintetização de fármacos e não conta com farmacêutico responsável.
Ainda segundo o CRF-SP, para ser considerado medicamento possível de utilização de forma segura no país, a fosfoetanolamina teria de ser registrada segundo as normas sanitárias do governo federal. "Não há segurança no uso dessa substância.
Segundo ele, diante do clamor público, o governo poderia liderar um esforço concentrado para realizar as pesquisas mínimas de segurança e liberar com isso a utilização da substância em casos específico. "Da forma como está, a população está exposta a riscos", declarou em nota distribuída pela assessoria de imprensa.
De acordo com o CRF, a USP pode ser multada se não adotar boas práticas de produção, controle de qualidade e designar farmacêutico para ser o responsável técnico pelo substância.
Por se tratar de órgão de pesquisa que produz a substância em pequena quantidade e distribui gratuitamente, o valor da multa, ainda a ser calculado, será simbólico. A Vigilância Sanitária, órgão a quem compete uma possível interdição do laboratório, foi notificada, mas ainda não se pronunciou. Embora a produção seja autorizada pela Justiça, o CRF entendeu que estaria deixando de cumprir obrigação legal se não fizesse a fiscalização no Instituto de Química. Segundo o conselho, isso não ocorreu antes porque até decisão recente da Justiça, a substância não era usada como medicação.
No mês passado, revendo decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, o Supremo Tribunal Federal liberou a entrega das cápsulas a uma paciente terminal por entender que o uso da substância era o último recurso e que apenas a falta de registro na Anvisa não caracteriza lesão à ordem pública. O TJ, em seguida, liberou para os demais pacientes com liminar da Justiça. A produção é feita exclusivamente para atender a essas liminares.
Procurado, o Instituto de Química de São Carlos não se manifestou sobre a autuação. A USP informou que sua posição é a mesma do comunicado emitido em outubro, no qual afirma que é obrigada a fornecer o produto para os que solicitam através de liminares judiciais. A USP esclarece que a substância não é remédio, foi estudada como produto químico e não existe demonstração cabal de que tenha ação efetiva contra a doença.
No comunicado, a USP afirma ainda que não é uma indústria química ou farmacêutica, não tem condições de produzir a substância em larga escala e que, por ser produção artesanal, não atende aos requisitos nacionais e internacionais para a fabricação de medicamentos. Segundo o comunicado, a fosfoetalonamina está disponível no mercado e pode se adquirida pelas autoridades públicas. "Não há, pois, nenhuma justificativa para obrigar a USP a produzi-la sem garantia de qualidade."
Não uso
Em documento divulgado nesta terça-feira, 3, a Academia Brasileira de Ciências (ABC) alertou para os riscos do consumo da fosfoetalonamina sintética como um método para o tratamento do câncer e recomendou que o produto não seja usado em seres humanos. O texto, assinado pelos diretores João Batista Calixto e Mauro Martins Teixeira, explica que o processo de aprovação de um medicamento, controlado no Brasil pela Anvisa, pode durar até 12 anos, pois deve passar por diversas etapas de testes em laboratório e em organismos vivos.
A fosfoetalonamina não passou por todas essas etapas que, segundo a ABC, são indispensáveis para que a molécula se torne um medicamento com provas científicas de eficácia e segurança. Além disso, o manifesto explica que não existe um tipo único de câncer e que, para cada caso particular da doença, há a necessidade de demonstração da eficácia clínica do medicamento e de compará-lo com outras terapias já existentes.
A entidade recomenda que a fosfoetanolamina não seja utilizada em seres humanos até que estudos científicos pré-clínicos e clínicos sejam conduzidos para avaliar sua segurança e eficácia, como é exigido por todas as agências reguladoras internacionais, incluindo a Anvisa.
O médico cancerologista Renato Meneguelo, um dos detentores da patente do produto, disse que as cápsulas são de um composto resultante da sintetização da fosfoetalonamina e diferente do produto original. Ele espera que os testes confirmem as propriedades da substância contra alguns tipos de câncer. Sobre a ação do CRF, reconheceu que o Instituto de Química da USP não é o local mais adequado para fazer o produto final. .