O estudo, publicado na revista Neurology, da Academia Americana de Neurologia, foi feito com dados de 138.782 pessoas que participaram de seis pesquisas epidemiológicas realizadas na Suécia, na Finlândia, no Japão e nos Estados Unidos. Ao longo de três a 17 anos, elas foram acompanhadas e seus registros médicos, coletados. Os cientistas, então, classificaram os empregos em quatro grupos, baseados no nível de controle que os trabalhadores tinham sobre suas atividades e a dificuldade que enfrentavam, como prazos apertados e desgaste mental. Horas de trabalho e demandas físicas não entraram na conta.
As categorias criadas foram: trabalho passivo (baixa demanda e baixo controle, como artesãos e zeladores), baixo nível de estresse (baixa demanda e grande nível de controle, como cientistas e arquitetos), alto nível de estresse (alta demanda e pouco controle, como garçons e enfermeiros) e trabalhos ativos (alta demanda e alto controle, como médicos, professores e engenheiros). Nos seis estudos epidemiológicos avaliados, entre 11% e 27% dos participantes encaixaram-se na categoria de alto nível de estresse.
Ao analisar os registros médicos dessas pessoas, os pesquisadores encontraram uma forte associação entre o estresse e a ocorrência de derrames.
A avaliação de subgrupos indicou que as mulheres estão em desvantagem: comparadas aos homens na mesma situação, o risco de elas sofrerem um derrame é 33% mais alto. De acordo com Dingli Xu, coautora do estudo, muitos mecanismos podem estar por trás da associação entre trabalhos estressantes e ocorrência de derrame. “Em primeiro lugar, os trabalhadores podem estar buscando formas não saudáveis de lidar como o estresse, adotando comportamentos como tabagismo, se alimentando mal, reduzindo as atividades físicas... Tudo isso é fator de risco bem conhecido para derrames”, observa.
A neurologista, contudo, alerta que é urgente investigar a relação de forma mais aprofundada. “Mesmo aqueles que mantêm hábitos saudáveis, mas têm um posto laboral muito estressante, apresentam 25% de risco maior. Então, isso mostra que apenas o comportamento pouco saudável não explica totalmente o risco aumentado de derrame em pessoas com alto nível de estresse”, observa.
Dingli Xu acredita que, quando perene, a forte pressão do trabalho pode levar a perturbações na produção de substâncias endócrinas no sistema nervoso central. Isso elevaria a resposta inflamatória, um processo que, entre outras coisas, desestabiliza as placas ateroscleróticas, acelera o envelhecimento celular e estimula a secreção de cortisol — tudo isso, fatores biológicos associados ao derrame.
Influência cultural
A neurologista especializada em derrames Jennifer J. Majersik, da Universidade de Utah, nos Estados Unidos, conta que está habituada a ouvir de seus pacientes a pergunta se o estresse favorece o derrame. “A dúvida é particularmente comum quando o derrame ocorreu em meio a um evento difícil da vida ou com uma pessoa jovem que trabalha ou estuda demais”, diz. “Até agora, eu não tinha como responder a meus pacientes preocupados, mas esse artigo publicado na Neurology joga luz sobre essa importante questão”, diz.
Na avaliação de Majersik, há algumas limitações na metodologia do novo estudo, que, por exemplo, não levou em conta as diferenças culturais dos participantes, provenientes de quatro países. Contudo, ela está convencida de que há uma associação forte entre estresse e problemas cardiovasculares e isquêmicos. “O porquê disso nós não sabemos ainda. É possível que a pressão do mercado de trabalho aumente hábitos insalubres, como foi observado no estudo chinês, além de provocar alterações metabólicas, como as vistas na síndrome metabólica.
Dingli Xu, da Universidade Médica de Gangzhou, concorda que é necessário aprofundar a investigação. “As diferenças culturais podem, sim, ter uma influência em como as pessoas percebem o estresse. Por exemplo, já foi relatado que os médicos alemães percebem seu trabalho como mais estressante que os australianos, e a forma de lidar com isso é significativamente diferente entre eles”, ilustra. “Nós também precisamos avaliar outras fontes de estresse, como a percepção de injustiça no trabalho, a discrepância entre dedicação e salário... Mas esses aspectos são muito pouco explorados em estudos populacionais. Então, não tínhamos dados suficientes para incluir em nossa meta-análise. Com certeza, pesquisas futuras terão de levar essas variáveis em consideração.”
Duração também influencia
Autor de outro estudo que associa trabalho e risco de derrame, Mika Kivimaki, professor de epidemiologia da Universidade College London, no Reino Unido, afirma que a quantidade de horas no escritório também precisa ser considerada — um aspecto que não foi contemplado no estudo chinês.
Em agosto, Kivimaki publicou uma meta-análise na revista Lancet que incluiu 25 estudos da Europa, dos EUA e da Austrália, totalizando 528.908 homens e mulheres. Foi constatado que indivíduos que trabalham 55 horas ou mais por semana têm um risco 33% maior de sofrer acidentes vasculares, se comparado àqueles que dedicam de 35 a 40 horas. “Nosso foco não foi o estresse, foi a carga horária. Mas não nos surpreendeu saber que aqueles que trabalhavam mais de 55 horas eram os que se sentiam mais estressados.
O médico acredita que parte da explicação reside no fato de que a maior parte dos postos de trabalho exigem uma postura sedentária, seja sentado ou em pé. “É possível que parte dos efeitos das horas trabalhadas sobre a saúde se relacione simplesmente ao tempo maior de sedentarismo. Ou podemos inferir que a falta de atividade aliada ao estresse aumente a produção de hormônios inflamatórios que acabam estimulando a formação de coágulos nas artérias”, diz. .