De maneira geral, os vidros bioativos são usados para diversos fins, como procedimentos cirúrgicos e odontológicos, por atuarem na regeneração óssea. Entretanto, esses materiais cristalizam durante o processamento, o que impede a obtenção de peças 3D e fibras, restringindo o uso clínico às formas de partículas e granulados. Daí a importância do desenvolvimento do F18, uma composição vítrea que resultou em material com baixa tendência à cristalização e alta bioatividade, possibilitando a obtenção de fibras e tecidos para serem aplicados em úlceras na pele, queimaduras, lesões cutâneas, regeneração de ossos e fraturas.
A patente do novo produto foi registrada este ano e deverá passar por uma série de etapas até chegar aos pacientes, incluindo testes clínicos em humanos e a liberação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para que uma empresa comercialize o produto.
O pesquisador Murilo Camuri Crovace, pós-doutorando do Laboratório de Materiais Vítreos (LaMav) do Departamento de Engenharia de Materiais da UFSCar, conta que a instituição já concedeu o licenciamento para três pesquisadores, incluindo ele. A invenção pode render à empresa desses pesquisadores, de acordo com avaliação de Crovace, royalties pagos pela indústria de cosméticos que variam entre 2% e 10%.
“É muito variável, depende do produto e da fase em que se encontra a pesquisa. Importa, por exemplo, se já foram realizados testes clínicos e negociação com empresas interessadas. Mas, certamente, a ordem de grandeza é de poucos a muitos anos”, ressalva Rodrigues, que comenta o fato de nos Estados Unidos, esse tempo, em média, não ultrapassar 10 anos. A professora admite também que apenas empresas grandes têm condições de bancar o trâmite necessário para emplacar um produto biomédico no mercado.
Dentes
Na UFSCar, diferentes aplicações já foram pensadas para os vidros bioativos. Há 12 anos, por exemplo, os pesquisadores registraram uma técnica que pode ajudar pacientes com hipersensibilidade dentária crônica, dor aguda desencadeada pela ingestão de alimentos e bebidas quentes ou geladas, provocada pela retração das gengivas. Chamado vitrocerâmico, o material é um biossilicato obtido pela cristalização controlada de um vidro especial, que recebe tratamento térmico.
Como é bioativo, o vidro (em pó), ao entrar em contato com fluidos corporais, como a saliva e o plasma sanguíneo, forma partículas que se unem a ossos, dentes e cartilagens. Nesse caso, ao aderir aos dentes, a substância impede a exposição da dentina depois da retração das gengivas, e o paciente deixa de sentir dor. Segundo os pesquisadores, o produto tem capacidade de curar 90% dos pacientes acometidos pelo incômodo, como mostraram testes feitos da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo em Ribeirão Preto.
Outra aplicação possível do vitrocerâmico está na área de implantes dentários. O biossilicato diminui o tempo de espera entre a fixação do parafuso de titânio e a fixação da prótese que substitui o dente original. De acordo com Murilo Crovace, esse tempo, hoje, em média de seis meses, cai pela metade. Ou seja, o paciente ficaria menos tempo em uma situação que causa desconforto e constrangimento. Esse produto, como os demais citados, ainda não está disponível para comercialização. Um longo processo também o espera até que possa ser usado pelos dentistas especializados.
Ossos e olhos
Os biovidros foram usados ainda no desenvolvimento de ossos artificiais para microimplantes no ouvido médio humano.
O mesmo material também pode ser usado para implantes oculares, substituindo os chamados olhos de vidro. A bioatividade possibilita a aderência aos tecidos circundantes ao olho, fazendo com que a prótese acompanhe os movimentos do olho preservado — os produtos convencionais são fixos. “Com a prótese que criamos, o paciente recupera o movimento do olho, porque o biossilicato se liga aos tecidos ao redor da cavidade ocular”, explica Murilo Crovace.
A proposta dos pesquisadores ao desenvolver a aplicação desse material vitrocerâmico é não só proporcionar uma melhor resposta biológica, com maior conforto e melhor padrão estético, como também garantir menor custo. O implante orbital está sendo avaliado em um estudo clínico, realizado por pesquisadores do Departamento de Oftalmologia da Faculdade de Medicina da Universidade Estadual Paulista (Unesp), câmpus Botucatu, com cerca de 30 pacientes que passaram por procedimentos de remoção de um dos olhos em função de traumas graves. De acordo com um relatório preliminar, feito pela equipe cirúrgica responsável pelo teste, até o momento nenhum dos pacientes apresentou complicações pós-operatórias ou sinais de inflamação, abertura de sutura e extrusão do implante mais de seis meses depois da cirurgia..