“Não quero saber se o idoso tem hipertensão ou diabetes. Não quero saber de doença. Quero saber da sua funcionalidade”, explica a enfermeira gerontóloga do HC-UFMG Raquel Souza Azevedo, que participou do desenvolvimento do projeto. Raquel explica que a ideia foi criar uma avaliação que desse autonomia ao paciente para que ele mesmo pudesse identificar seus problemas. Tanto que a avaliação pode ser feita via internet e, a partir do resultado, verifica-se a necessidade de se procurar um geriatra, assim como são sugeridas atitudes para melhorar a qualidade de vida.
O questionário tem 20 perguntas e aborda temas como autopercepção da saúde, capacidade para fazer atividades (tomar banho sozinho, fazer tarefas domésticas, sair sozinho para fazer compras, administrar o próprio dinheiro), humor (se há tristeza ou desânimo para fazer coisas consideradas interessantes), memória, visão, audição, capacidade aeróbica e muscular, continência esfincteriana (se ocorre escape de urina ou fezes) e de marcha (quedas). As respostas são pontuadas e, ao final, é avaliado o grau de risco do idoso, conforme a pontuação, que pode chegar a 40 pontos. Até 6, o idoso é considerado robusto e não precisa de um geriatra; de 7 a 14, ele tem vulnerabilidade moderada e pode procurar um geriatra, mas sem pressa; e, a partir de 15 pontos, tem alta vulnerabilidade e precisa procurar um geriatra de imediato.
“Muitas vezes, chega aqui um idoso em grau de vulnerabilidade avançado e a família achando que é da idade, o idoso pensando que é normal. Não é normal um idoso cair. Se fosse, todos cairiam. Então, esse idoso vai ser encaminhado para tratamento”, acrescenta Raquel. “Assim como a queda tem o esquecimento. Se eu lhe pergunto se você esqueceu de pagar uma conta, pode acontecer; mas se esquecer de almoçar ou de tomar banho, por exemplo, é um indício de algo errado”, acrescenta a enfermeira, enfatizando que o esquecimento é grave quando atrapalha o dia a dia e chega a ser percebido por outras pessoas.
Outro problema sério enfrentado pelo idoso é a polifarmácia, que é o uso excessivo de medicamentos. O site inclusive dá uma lista dos medicamentos que não devem ser usados pelo idoso. Sabendo disso, ele pode discutir com o médico que receitou e evitar a automedicação.
SEM IDADE
O geriatra Edgar Nunes de Moraes, coordenador do Centro de Referência do Idoso do HC-UFMG e responsável pelo projeto que levou ao IVCF-20, ressalta que outro objetivo do questionário é acabar com o mito de que existe idade para se procurar um geriatra. “A preocupação com uma velhice saudável tem que começar na vida intrauterina e durar para sempre. E também não é segredo que, para se ter uma vida saudável, é preciso ter boa alimentação, praticar atividade física etc. Mas não há idade para se procurar um geriatra. Pode haver um idoso de 80 anos que não precisa, enquanto outro de 60 precisa muito”, enfatiza.
“O idoso pode ser hipertenso, diabético e ter outras doenças e estar muito bem, sem precisar de um geriatra; enquanto um idoso sem nenhuma doença pode estar acamado. Este, sim, precisa de um geriatra. Mas infelizmente, muitos médicos só olham a doença e não se preocupam com o estado geral do idoso”, diz Moraes, alertando para o excesso de remédios e internações que podem acabar por piorar o estado geral de saúde da pessoa, que na terceira idade pode ser de alta vulnerabilidade.
Daí uma das funções do IVCF-20, que é apontar quando o idoso é vulnerável e, portanto, precisa do acompanhamento de um profissional especializado (o questionário pode ser impresso e entregue ao médico que acompanha o paciente em outros problemas). A boa notícia é que, segundo Moraes, apenas de 10% a 20% dos idosos apresentam alta vulnerabilidade e têm necessidade do acompanhamento geriátrico. De 20% a 30% estão no grupo intermediário e 60% são considerados idosos robustos e não precisam de um profissional específico.
Poucos geriatras Professor há 25 anos da Faculdade de Medicina da UFMG, Edgard Moraes lembra que a geriatria não é disciplina obrigatória. “Não conseguimos ensinar geriatria para todos. Então, o médico se forma sem saber o que é a saúde do idoso”, lamenta. Além disso, poucos são os que se especializam na área. Ainda de acordo com ele, no Brasil há apenas 1 mil geriatras para 27 milhões de idosos, sendo que em Minas Gerais há apenas 100, o que reforça a necessidade de mais especialistas nessa área e de se direcionar ao profissional da geriatria o idoso que de fato precisa de cuidados.
OPERADORA ADOTA MÉTODO
Os frutos do projeto desenvolvido pelo HC/UFMG já estão sendo colhidos, não apenas por médicos e pacientes, mas também pelo mercado. O Índice de Vulnerabilidade Clínico-Funcional 20 (IVCF-20) foi adotado pela Unimed-BH. O objetivo, segundo a empresa, é estruturar planos de cuidado diferenciados, conforme o perfil e as necessidades dos idosos. Ainda de acordo com a Unimed-BH, uma campanha está sendo realizada, convidando médicos cooperados a aplicar o questionário em seus pacientes.