O grande porém acerca da prática do slingar ainda se ampara em uma ideia equivocada de que dar colo é criar crianças dependentes, paradigma não sustentado pelo conhecimento científico produzido sobre a infância que mostra que quando o bebê tem suas necessidades atendidas, ao contrário do que se pensa, se sente mais confiante e esse sentimento vai favorecer o desenvolvimento da independência e da autonomia.
Membro da Sociedade Mineira de Pediatria, a pediatra neonatologista Mariana Vasconcelos Barros Poggiali afirma que o colo é uma necessidade física do bebê. “Além de ser importante para o desenvolvimento da criança, só faz bem, mas já na maternidade, as mulheres costumam ouvir que o colo deixaria o bebê mal acostumado. Na verdade, o colo reforça o vínculo e facilita a comunicação entre mãe e filho ou mãe e filha”, observa.
Ainda segundo a especialista, “a contenção do bebê próximo ao corpo da mulher tranquiliza e acalma a criança. O bebê escuta os batimentos cardíacos da mãe e esse contato simula um pouquinho a vida intrauterina”, salienta. A pediatra reforça que alguns bebês precisam de mais colo que outros e, especialmente nesses casos, o sling é uma forma de suprir essa necessidade e liberar os braços da mãe para outras tarefas.
Maira Pinheiro, 25 anos, é doula e consultora de babywearing. A mãe de Betânia, de 1 ano e 3 meses, prefere ser apresentada como ‘consultora de carregar bebês’ porque considera a expressão em inglês excludente. Ela conta que foi na gravidez que começou a ler a respeito dos benefícios do sling e se deparou com o conceito de exterogestação. “É a ideia de que o bebê humano nasceria imaturo. Comparado com outros mamíferos, o bebê humano é o mais dependente de cuidados e atenção para se alimentar, se locomover e se acalentar. Essa noção me pareceu muito interessante por justificar o colo enquanto um imperativo fisiológico, uma necessidade física do bebê”, explica.
A jovem diz que, já nos primeiros dias do puerpério, começou a usar o sling. “Nunca fiz um cabo de guerra com a necessidade de colo da minha filha. Funcionou e funciona ainda hoje”, afirma. Como vive sozinha em São Paulo com a filha, sem o apoio da mãe ou da avó paterna, ela precisava sair e também “queria encontrar pessoas”. “Com nove dias de vida da Betânia saí de casa com ela no carregador. O sling é a forma como eu me entendo como mãe, ou seja, continuo sendo mãe onde quer que eu esteja. Quando Betânia completou três meses voltei para a faculdade de Direito e ela ia comigo. O sling é uma ferramenta do meu dia a dia”, sintetiza.
A consultora de sling lembra que os carregadores de pano surgiram como uma solução funcional da humanidade que precisava se locomover. “É um patrimônio das mulheres e originário das práticas tradicionais das culturas indígenas e africanas”, diz. Para ela, na releitura contemporânea, o sling insere a mãe no espaço público. “Numa sociedade machista que pressiona para uma maternidade discreta e na qual as crianças não são bem-vindas nos espaços coletivos dos adultos porque fazem bagunça, choram e brincam, slingar é resistir”, acredita.
Presidente interina da Babywearing Brasil, a bióloga Luciana Ivanike é mãe de três meninas, Daniela, de 9, Alice, de 5, e Catarina, 3. Para ela, o acesso à informação de qualidade é o grande propulsor da disseminação do sling entre as famílias brasileiras. “O sling é ergonômico e respeita a fisiologia do bebê. A criança fica posicionada de uma forma que a coluna e a pelve não sejam forçadas. Para a mãe, o conforto é o melhor benefício. Os slings conseguem distribuir o peso do bebê ao longo do corpo da mulher, respeitando também a fisiologia muscular da mãe”, aponta.
Apesar de no Brasil ainda não existirem estudos sobre os benefícios do sling, fora do país a informação científica produzida já enumera os aspectos positivos para o bebê e sistematiza conhecimento sobre os cuidados e segurança. Intitulada ‘Increased carrying reduces infant crying: a randomized controlled trial’, a pesquisa de autoria de Hunziker e Barr mostra que os bebês que são carregados no sling choram 43% menos que os bebês que não são carregados. Durante a noite, o choro é 54% menor entre os que são carregados e os que não são.
Além dos benefícios cognitivos e emocionais de suprir a necessidade de colo da criança, o sling também atua positivamente no desenvolvimento motor: os movimentos de quem carrega o bebê num sling também estimulam a movimentação da criança que precisa resistir com o próprio corpo ao caminhar do adulto. Assim, o carregador estimula o equilíbrio e melhora o ponto de vista da criança em relação ao mundo já que, no caso dos carrinhos, os bebês enxergam na altura dos joelhos dos adultos.
Maira Pinheiro lembra ainda que os carrinhos de bebê enfrentam as mesmas dificuldades de locomoção que os cadeirantes, sejam as calçadas esburacadas, a falta de rampas e o excesso de degraus. “Uso em casa para lavar louça, fazer faxina e para dar colo quando a Betânia precisa. Quando o bebê é colocado junto ao corpo de quem o carrega ele passa a observar o que aquela pessoa está fazendo. É um estímulo multidirecional”, diz.
Segurança
Existe mais de um modelo de sling e a indicação varia de acordo com a idade (veja arte). A pediatra Mariana Vasconcelos Barros Poggiali afirma que o uso do carregador de pano requer alguns cuidados e sugere que as famílias busquem orientação especializada. Como regra geral, ela afirma que o mais seguro é que a cabecinha do bebê esteja sempre para fora, com queixo para cima e nariz e boca livres. “A mãe ou pai devem sempre se certificar de que o sling está bem fixado ao corpo para evitar quedas”, afirma.
Para prevenir problemas nas articulações do quadril (displasia de quadril), as famílias devem estar atentas à posição correta de colocar o bebê no sling. “As pernas não devem ficar penduradas em relação ao resto do corpo”, ressalta.
A consultora Maira Pinheiro explica que a posição correta para colocar o bebê no sling se assemelha à posição fetal: “o bebê dever ser colocado na vertical com as pernas flexionadas como se estivesse acocorado. As pernas ficam para fora do tecido e os joelhos estão mais altos que o bumbum, aproximadamente à altura do umbigo da criança, em uma abertura de aproximadamente 45 graus. A coluna deve ficar em forma de C”.
Desde recém-nascido o bebê já poderia ir para o sling, mas a pediatra Mariana Vasconcelos Barros Poggiali aconselha o uso a partir dos quarto mês de vida, quando o bebê ganha mais firmeza do pescoço e da cabeça.
Maira Pinheiro afirma que, para mulheres com problema de coluna, o carregar de pano é ainda mais indicado por distribuir equilibradamente o peso da criança.
Para cólicas e ganho de peso
A nutricionista Dircelene Araújo, 31 anos, é mãe de Clara, 6 meses, e decidiu começar a slingar quando iniciaram as cólicas da filha. “Foi a solução. Nos primeiro dias de vida da Clara, eu estava extremamente cansada e o sling foi uma das coisas que mais ajudou. Além de facilitar o colo, não me causa cansaço nenhum. Eu indico para qualquer pessoa e costumo dizer que foi a melhor aquisição do enxoval”, afirma.
Ela conta que usa o sling para fazer atividades com a filha dentro e fora de casa e que, mesmo suas amigas mais próximas que já são mães, acham o carregador de pano algo ainda “diferente”. “Na rua, as pessoas já chegaram a me perguntar se não machuca, se não faz mal para a coluna do bebê”.
A consultora Maira Pinheiro concorda que outro problema comum enfrentado pelas famílias adeptas do sling no Brasil é a importunação nos espaços públicos. “Tem gente agressiva que acusa a mãe de preguiçosa ou faz alarde de que o bebê está se sufocando. Tem também quem vê uma criança ‘amarrada’ à mãe e mesmo assim sente liberdade para tocar, mexer e oferecer alimentos”, relata.
Dircelene Araújo diz ainda que precisa enfrentar a visão de que “o colo vai fazer da minha filha uma criança manhosa, dependente e que vai dificultar o desmame. Vou continuar a amamentação até quando eu puder e ela quiser. Eu dei um tempo na minha vida profissional para cuidar da Clara e sou julgada também por isso”, observa.
A educadora física Olívia Lima, 35 anos, é mãe de Antônio, 2, e descobriu o sling ainda na gestação, quando pesquisava sobre a ‘retomada’ do uso de fralda de pano por algumas famílias. “Como não dirijo, o carregador de pano é uma importante alternativa para circular com o Antônio tanto a pé, quanto de ônibus ou metrô”. Ela brinca que não sabe o que seria de sua coluna se não fosse o slingar e conta que ainda é difícil passar despercebida pelas pessoas quando está com o filho num sling. “As reações são as mais diversas, desde o ‘que delícia’ ao ‘seu bebê deve estar com o corpo doendo’”, relata.
Para ela, o sling ajuda o bebê a se acalmar mais facilmente e Olívia acredita que é por que a criança se sente mais segura estando junto ao corpo da mãe. “Quando ele era menor e não estava em um ambiente que não era o dele, Antonio dormia no sling com a maior facilidade. Já pulei dois carnavais com ele no sling”, conta.
A educadora física conta também que o uso do carregador de pano ajudou o filho a ganhar peso no segundo mês de vida. “Antônio nasceu com 39 semanas, mas no primeiro mês de vida chegou a ter peso considerado de bebê prematuro. Apesar de a pediatra não ter detectado nenhum problema em relação à amamentação, ela me sugeriu a complementação com fórmula. Antes de buscar essa alternativa, fui ao Banco de Leite da Maternidade Odete Valadares e, na sala de espera, vi um cartaz que explicava sobre o Método Canguru. Comecei então a mantê-lo bem aquecido e grudadinho ao meu corpo, mesmo em casa, com o auxílio do sling. Do primeiro para o segundo mês, Antônio já entrou na curva de peso correspondente à idade dele”, relata.
O Método Canguru é utilizado em hospitais com bebês prematuros e consiste em mantê-los em contato pele a pele com a mãe ou o pai. A Organização Mundial de Saúde já declarou que a técnica equivale aos procedimentos convencionais para combater a mortalidade infantil, como a incubadora, mas oferece vantagens adicionais porque favorece a lactação, humaniza o cuidado neonatal e fortalece os vínculos dos bebês com os pais.
Aprendizado
Maira Pinheiro afirma que slingar é um processo de aprendizagem. “Se deparar com uma faixa de pano de 5 metros e nada mais pode ser intimidador no início, mas muitas brasileiras estão produzindo conteúdo para ajudar mães iniciantes. O atendimento presencial também facilita muito o processo de aprendizagem”, conta. A consultora diz também que já existem profissionais especializados no atendimento às mulheres com alguma limitação física e para bebês com necessidades especiais.
A Babywearing Brasil está preparando um curso de formação em consultoria de babywearing e, segundo a presidente interina Luciana Ivanike, a ideia é orientar fabricantes de sling sobre qual a melhor forma de instruir as mães que desejam usar seus carregadores de pano. “O sling é um acessório que facilita a vida, mas deve ser usado com responsabilidade”, alerta.
Maira Pinheiro ensina dois tipos de amarração do sling:
Amarração básica wrap:
Como amamentar no wrap:
Amarração básica Mei tai: