A pesquisa envolveu modelos animais com quatro variedades da demência. Os autores notaram que a exclusão genética da GPR3 promoveu melhorias cognitivas e removeu sinais da condição no cérebro. No entanto, ainda que válidos, testes com cobaias não refletem exatamente o que ocorre na cabeça humana, fazendo necessário que mais investigações procurem indicativos da dinâmica do processo em pessoas, ressaltam os cientistas. Apesar disso, o estudo oferece alternativas para testar um alvo suspeito de participar do desencadeamento do Alzheimer em tipos diferentes de modelos animais.
Liderados pela pesquisadora Amantha Thathiah, os cientistas acreditam ter construído um caso forte para convencer a indústria farmacêutica a lançar um programa de produção de novos medicamentos. “O desenvolvimento de remédios para Alzheimer realmente é um dos maiores desafios da última década”, contextualiza Otávio Castello, geriatra e diretor científico da Associação Brasileira de Alzheimer (Abraz). “Um estudo publicado no ano passado mostra que 99,6% das pesquisas conduzidas na última década (Leia para saber mais) para encontrar remédios contra DA falharam”, completa o especialista.
Segundo o médico, esse é o contexto mais importante para interpretar a pesquisa belga. “O problema todo hoje é: será que estamos endereçando as pesquisas para as moléculas certas? Estamos fazendo drogas que atuam nos processos corretos da mudança bioquímica da doença?”, pontua Otávio Castello. “Tem até gente que questiona se a teoria da deposição de placas beta amiloide está correta, de tanto que as tentativas de achar remédio dão errado.”
Mas, desta vez, os pesquisadores estão estimulados pelo fato de que cerca de metade de todas as drogas disponíveis no mercado mira receptores de proteínas como a GP3R. São os chamados receptores acoplados a uma proteína G. Além disso, autópsias em cérebros de doadores mortos com Alzheimer revelaram que um subconjunto importante de pacientes apresenta níveis elevados de GPR3 e que esse quadro clínico foi associado ao avanço da doença. “Os próximos passos serão determinar se a modulação farmacêutica da GPR3 funciona. Coletivamente, esses estudos ilustram a promessa de mirar a GPR3 como uma oportunidade terapêutica para a descoberta de uma droga para o Alzheimer”, disse Amantha Thathiah.
Interrupção
Não existe cura para o Alzheimer, o tipo mais comum de demência, e os tratamentos com fármacos amenizam a progressão da doença. Por isso, a maior parte dos pesquisadores busca não apenas aliviar os sintomas, mas também frear o desenvolvimento da enfermidade antes mesmo das manifestações dos primeiros sinais dela. “Para interromper esse processo de destruição do cérebro, eles buscam o que chamamos de drogas modificadoras do curso da doença. A gente não tem nenhum remédio hoje que faça esse tipo de trabalho”, explica Otávio Castello.
A pesquisa de Amantha Thathiah abre portas, inclusive, para a modulação genética, abordagens que já estão presentes nas terapias oncológicas. “Algumas linhas de pesquisa de Alzheimer também buscam esse ângulo, e esses autores descobriram que ligar e desligar a proteína da gênese da doença afeta a manifestação dela. Isso significa que, além de apontar um alvo, o estudo aponta para um alvo que tenha certa pegada de terapia genética”, acrescenta o geriatra.
Otávio Castello, porém, considera a pesquisa muito inicial e alerta que medicamentos nessa linha demorarão até serem usados clinicamente. “A cada 100 remédios desenvolvidos, 0,5% chega às prateleiras”, explica. “A maior parte dos estudos da Science Translational Medicine são assim: abrem portas, cruzam fronteiras e levantam reflexões nas pessoas. Mas não necessariamente apontam para algo que vai se concretizar em pouco tempo”, considera o especialista brasileiro.
EUA na liderança
Entre 2002 e 2012, foram realizados 413 testes para o desenvolvimento de medicamentos para a doença do Alzheimer, sendo 78% deles financiados por empresas farmacêuticas. Os Estados Unidos são a região do mundo com mais ensaios. A maior parte dos experimentos foca em melhorar a cognição (36,6%), seguida por estudos de moléculas que podem alterar o curso da doença (35,1%) e de imunoterapias com o mesmo efeito (18%).
A taxa de sucesso global durante o período foi de 0,4%, ou seja, os medicamentos falharam em 99,6% das vezes. O levantamento foi feito por pesquisadores do Cleveland Clinic Lou Ruvo Center for Brain Health, nos EUA. Mais de 46 milhões de pessoas no mundo sofrem de demência, e os casos devem saltar para 131,5 milhões em 2050 devido ao envelhecimento da população, estima o The World Alzheimer Report 2015, do Alzheimer’s Disease International.