O número de casos entre mulheres mais jovens tem crescido em função dos hábitos da vida moderna, que incluem má alimentação, mas também o adiamento da maternidade e, consequentemente, da amamentação, fator protetor contra o câncer de mama. O aumento da expectativa de vida também tem colaborado para a detecção de mais casos entre mulheres idosas. Mas não só o fato de viverem mais anos: muitas vão abandonando as visitas periódicas aos ginecologistas, como se lhes fosse impossível ter câncer de mama.
Maria Helena foi diagnosticada ano passado. Na época, com 82 anos. “Fiquei uns quatro anos sem ir ao mastologista. Descuidei. Não sei se por comodismo ou pela idade mesmo. Achei que já estava velha e que isso já nem pudesse mais acontecer. Um dia, passei a mão no meu seio e senti um caroço. Já fui pro médico imaginando que seria câncer. Estava tudo tomado, tirei a mama toda”, lembra Maria Helena, que não teve indicação da quimioterapia em função da idade avançada.
Segundo o cirurgião plástico e mastologista Thadeu Provenza, superintendente da Associação de Prevenção do Câncer na Mulher (Asprecam), a maior incidência de câncer de mama é entre os 50 e 69 anos. Depois o número de casos começa a cair. “Com o envelhecimento, vem um relaxamento. Falta informação: muitas acham que já não correm risco, mas há também um certo cansaço com tantos cuidados com a saúde. O câncer de mama em idades mais avançadas ocorre em menor volume, mas ocorre”, alerta.
Situação semelhante acomete mulheres mais jovens. O número de casos é menor se comparado com a faixa etária dos 50 aos 69 anos, mas o câncer de mama está cada vez mais precoce. O número de mulheres operadas entre os 40 e 49 anos tem aumentado, assim como os diagnósticos com menos de 40, e mesmo com menos de 30 anos. O oncologista Amândio Soares, da Oncomed-BH, chama atenção para o fato de o câncer de mama poder ocorrer em qualquer época, apesar de a idade ser o principal fator de risco.
MODELO DE VIDA
Por que, então, tantos casos de mulheres com 28, 30, 32 anos enfrentando uma doença que no passado era mais comum na meia-idade? A resposta pode estar no estilo de vida atual. “Hoje, aos 30, a mulher está se organizando profissionalmente, não tem filhos e por isso nunca amamentou. No passado, aos 35, já tinham tido toda sua prole. Estudos revelam que amamentar por doze meses diminui o risco de desenvolver o câncer de mama em 4,3%”, explica Amândio.
A questão é que, tão jovens, muitas mulheres não passaram pela mamografia. Para o mastologista Thadeu Provenza, isso reforça a importância do diagnóstico baseado em um tripé que inclui os exames de imagem (entre eles, a mamografia e o ultrassom), o exame clínico (no ginecologista ou mastologista) e o autoexame da mama. “Na medicina, quando se somam métodos, aumenta-se a possibilidade de diagnósticos. As mulheres devem fazer o autoexame mensalmente, e o exame clínico da mama e a mamografia uma vez por ano”, alerta.
REDE PÚBLICA
A auxiliar de confeitaria Viviane Bispo não teria descoberto o câncer se não tivesse o hábito de fazer o auto-exame. Aos 34 anos, ela não teria indicação para fazer mamografia. “Tive, inclusive, muita dificuldade para conseguir a aprovação do exame no Sistema Único de Saúde (SUS)”, conta. Em outubro do ano passado, Viviane percebeu um nódulo e foi ao posto. “O médico chegou a dizer que não era nada grave e que pediria a mamografia e o ultrassom por via das dúvidas. Por ter menos de 40, eles nem queriam liberar”, lamenta.
No Programa Estadual de Controle do Câncer de Mama, para ampliar o acesso da população entre 40 e 69 anos aos exames de mamografia de rastreamento para detecção precoce da doença, as mulheres nessa faixa etária podem solicitar o encaminhamento à mamografia e agendá-la na Unidade Básica de Saúde sem mesmo passar por uma consulta. Para as mulheres que estão fora dessa faixa etária, é ofertada a mamografia diagnóstica, caso haja indicação da equipe de saúde, conforme suspeita clínica, tornado-se prioritária.
No SUS, a recomendação é que as mulheres que tiveram resultados normais na mamografia realizem o exame a cada dois anos. Mas, para Thadeu Provenza, o ideal é que fosse anual, inclusive após os 69. O especialista reforça, ainda, a importância do exame clínico por um médico. “Há um certo desleixo. No SUS, as mulheres já não passam mais por esse exame. Os profissionais pararam de avaliar e passaram a encaminhar diretamente para a mamografia. É como se a clínica não tivesse mais valor, só a tecnologia”, critica.
Abordagem direcionada
Nunca houve tanto diagnóstico, mas nos últimos anos a abordagem terapêutica do câncer de mama também passou por uma revolução com o maior conhecimento do comportamento biológico da doença. Segundo Amândio Soares, o câncer de mama tem comportamentos diferentes em cada mulher, e isso demanda abordagens individualizadas. O tratamento clássico envolve cirurgia para retirada do tumor, radioterapia e tratamento sistêmico (veja quadro).
A maioria das mulheres já tem acesso a esses recursos, tanto no SUS quanto na medicina suplementar, quando a doença é inicial. No caso da doença metastática, as drogas-alvo ainda não estão disponíveis no SUS. “Elas aumentam a sobrevida de maneira substancial, mas é um tratamento muito caro”, explica Amândio, segundo o qual o tratamento segue nessa direção: mais conhecimento do subtipo do câncer para uma abordagem cada vez mais direcionada.
A radioterapia é indicação em cerca de 90% dos casos (quando a retirada da mama é total, nem sempre precisa de rádio). Segundo o rádio-oncologista Miguel Torres Leite, chefe do programa de tratamento da doença na Radiocare do Hospital Felício Rocho, essa parte do tratamento vem depois da cirurgia para atuar em células tumorais residuais, mas, se houver também indicação de quimioterapia, a rádio torna-se o final do processo.
São três tipos de radioterapia: intraoperatória (feita durante a cirurgia, em dose única, mas possível na minoria dos casos), de curta duração (todos os dias, por cerca de três semanas e meia) e convencional (seis semanas de tratamento com sessões diárias). “Hoje, a radiação é bem superficial. Conseguimos irradiar a mama e proteger órgãos internos. Com a radioterapia guiada por tomografia, faz-se o cálculo exato da área a ser irradiada”, explica Torres Leite.
Ana Carolina Calabró Queiroga, de 40 anos, teve o diagnóstico cinco anos atrás, após sentir um nódulo no autoexame, confirmado pela mamografia. “Como era muito nova, optaram por retirar toda a mama e fazer a reconstrução imediata”, lembra. Ana passou por 16 sessões de químio e terminou com a radioterapia. Como seu tumor era positivo a um hormônio, fez ainda o tratamento endócrino por mais um ano. Ainda hoje, cinco anos depois, precisa tomar um medicamento.
Tratamento sistêmico
Quimioterapia
Após tratamento cirúrgico, frequentemente é necessário recorrer à quimioterapia adjuvante, com o objetivo de aumentar as chances de cura. Há vários esquemas disponíveis, variando em função do comportamento biológico do tumor e o estágio da doença.
Hormonioterapia
Quando o tumor tem um receptor hormonal positivo (geralmente é menos agressivo), a paciente pode se beneficiar de uma terapia endócrina. Essa medicação atua bloqueando o receptor hormonal da célula tumoral, impedindo que as células sofram efeitos desse hormônio.
Agentes biológicos (drogas-alvo)
20 % dos cânceres de mama têm nas superfícies das células a expressão de um receptor, o HER-2, relacionado a uma doença mais agressiva. As drogas-alvo atuam nesse receptor e impedem a proliferação do tumor.
DEPOIMENTO
“Nunca imaginei que teria um câncer. Até que ele chegou e, com ele, a descoberta de que em minha família materna já existiam dois outros casos. Sempre fui ao médico fazer minhas revisões, mas, sendo tão jovem, nunca me pediram uma mamografia. Tenho um filho de 2 anos e dois meses. Amamentei até os 22 meses e quando interrompi fui logo fazer meus exames. E lá estava: câncer de mama e axila. Meu caso é hormonal, seguramente por mudanças hormonais da gravidez. Acabo de começar a quimioterapia. Ainda me falta um ano inteiro, mas estou forte e confiante.”
Danielle de Paula, de 33 anos, massagista desportiva