Limpar a casa pode trazer paz de espírito e equilíbrio no dia a dia

De acordo com a filosofia budista, compartilhada por pessoas comuns, manter o ambiente limpo é ter as energias sempre renovadas

por Ludymilla Sá 04/10/2015 10:06

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Mesmo com um filho pré-adolescente e uma vida agitada, a designer gráfica Carla Aquino procura manter a casa sempre limpa. Ela acredita que o lar é o templo do corpo, lugar onde as energias são renovadas, e, por isso, precisa ser purificado diariamente. Carla não é budista, mas segue, ainda que indiretamente, os preceitos do budismo em relação à limpeza do ambiente em que vive com a família.

Os monges dedicam boa parte do seu tempo à faxina, porque a consideram um aprimoramento espiritual. É comum, por exemplo, estudantes dos ensinos fundamental e médio, no Japão, se encarregarem da faxina de suas escolas, algo inconcebível no Ocidente. E muito mais gente do que podemos imaginar pensa assim. Longe de ser um fardo, varrer a poeira do chão é retirar a sujeira da alma para pessoas comuns, que tentam encontrar harmonia e serenidade na arrumação de sua morada.
Edésio Ferreira/EM/D.A/Press
Para a designer gráfica Carla Aquino, manter o lar sempre limpo faz com que esteja em paz (foto: Edésio Ferreira/EM/D.A/Press)
O monge Keisuke Matsumoto trata do assunto de forma bastante leve em seu livro Manual de limpeza de um monge budista, lançado recentemente pela Editora Planeta. Best-seller na Espanha, Itália e Japão, a publicação traz reflexões filosóficas para inspirar e estimular o leitor a cuidar melhor do local onde mora. Matsumoto, que é japonês, ensina como encontrar uma sensação de plenitude na organização do quarto, reciclagem do lixo ou limpeza do banheiro. E sempre com uma reflexão filosófica.

Para o monge, a limpeza da casa purifica o espírito: “A tradição do budismo no Japão não é muito monástica. Na verdade, não separamos vida monástica da vida secular. Na tradição budista no Japão, consideramos que o que você faz em sua vida, seja o que for, é uma prática para melhorar o espírito", explica Matsumoto, em entrevista ao Estado de Minas.

 

EM/Arte
(foto: EM/Arte)
E continua: "A partir desse ponto de vista, qualquer atividade é fundamental para a vida, e a limpeza é uma delas. Na cultura japonesa, a atividade de limpeza tem sido altamente reconhecida como uma atividade importante na vida”.

 

ORGANIZAÇÃO A correria do dia a dia não é desculpa para não manter o espírito harmônico, segundo o monge. “Não importa a velocidade com que o mundo sofre suas mudanças. Humano é humano. O mundo em que você vive depende de como você vive a sua vida. Ou seja, a forma como você vê o mundo reflete na maneira como você vive esse mundo. Não é impossível atingir a plenitude em um mundo, se você, conscientemente, viver a sua vida de forma mais organizada.”

É isso que Carla Aquino tenta fazer. Para ela, apesar da correria do dia a dia e a obrigação de educar o filho, Gabriel, de 13 anos, sempre há tempo para manter o equilíbrio entre o material e o espiritual por meio da limpeza. “É difícil, admito, porque ele é pré-adolescente e essa é uma fase delicada, mas passível de aprendizagem. Tento ensinar a ele que manter um quarto desorganizado é o mesmo que manter a alma desorganizada. E isso reflete nas relações com escola, amigos, família... Manter um ambiente limpo faz com estejamos em paz, evita estresse e traz tranquilidade.”

 

Saberes adquiridos dos mais velhos
Deixar a louça para lavar no dia seguinte? Nem pensar. Todos os dias, mesmo cansada fisicamente da rotina frenética de trabalho, a bailarina Flávia Soares não dorme antes de deixar a cozinha arrumada. Ela é professora de patrimônio cultural e designer popular da Escola Livre de Artes Arena da Cultura (ELA) e responsável por uma oficina em que discute a importância da limpeza do lar com mulheres das comunidades da Grande BH.

Jair Amaral/EM/D.A Press
Flávia Soares diz que todos os cômodos têm um significado e precisam de atenção especial; lores, cristais e outros tipos de pedras podem ajudar a equilibrar as vibrações (foto: Jair Amaral/EM/D.A Press)
Entre uma comunidade e outra, a profissional passa boa parte do dia dentro de ônibus coletivo até chegar a casa, já tarde, quando vai encontrar os quatro filhos adolescentes, descansar e recarregar as energias. “A casa é um templo onde você habita. A limpeza não é apenas necessária, ela tem de ocorrer porque é o lugar onde você equilibra a energia do corpo e toda a sua aura, é onde descansa o seu espírito”, afirma.

E a cozinha, para Flávia, é um dos lugares sagrados desse templo. Por isso, o ambiente deve estar sempre limpo. “Na cozinha, há todos os temperos, é onde trabalhamos a nossa culinária, que é carregada de saberes dos nossos ancestrais. Dormir com a cozinha suja é acordar com a cabeça pesada. Acho que devemos respeitar essa questão dos saberes adquiridos dos mais velhos. Quando você vai ao interior, por exemplo, as cozinhas estão sempre limpas, com todas as coisas no lugar. A senhorinha só vai dormir quando lava o último copo.”

Como nos preceitos budistas, a limpeza da casa significa purificação do espírito para a bailarina. Por isso, todos os cômodos têm um significado e precisam de uma atenção especial. “O quarto, por exemplo, é onde descansa o espírito, e a limpeza tem de ser diferenciada. Quando me perguntam como limpo o meu quarto, conto que passo um pano com sal grosso para descarregar. Afinal, na cama, a gente descarrega toda a energia adquirida durante o dia.”
CORAÇÃO DA CASA O banheiro também recebe atenção especial na casa de Flávia, sendo considerado por ela “o coração da casa”. No lar da bailarina, há sempre flores, cristais e outros tipos de pedras que podem ajudar a reequilibrar as energias do sanitário. “No banheiro, lavamos a alma, renovamos as energias. É essencial que se tenha alguns objetos que possam ajudar nessa rotatividade de energia.”

Queimar folhas cheirosas, que trabalham a leveza e a serenidade do lar e equilibram as energias do ambiente, como alecrim do campo, é hábito na casa da bailarina.

Para manter tudo em harmonia, diante da correria diária, Flávia conta com a ajuda dos quatro filhos. “Tenho esse hábito desde sempre. Então, eles convivem com isso desde pequenos. Comecei desenvolvendo alguns conceitos, como o dos sapatos. Nunca deixei entrar em casa de sapatos, porque eles trazem toda a sujeira da rua. Para incutir qualquer valor em criança, a gente tem de começar pelos fundamentos. Em casa, os sapatos ficam do lado de fora, sobre uma esteira e com a parte maior voltada para a parede.”

O hábito de deixar os sapatos do lado de fora é herança dos japoneses e também pode significar higiene espiritual. “Quando você tira os sapatos, você se liberta de todas as energias impuras da rua. Tirando os sapatos sujos e os deixando do lado de fora, você evita que essas energias invadam a harmonia do seu lar”, afirma a bailarina.
Edésio Ferreira/EM/D.A/Press
A fotógrafa Neuseli Simões dá atenção especial à cozinha e ao quarto na hora da limpeza (foto: Edésio Ferreira/EM/D.A/Press)
Tudo no devido lugar
Luciana Soutto é maquiadora e cabeleireira. Neuseli Simões, fotógrafa. Com profissões diferentes, mas com agendas igualmente agitadas, ambas têm a mesma filosofia de vida: manter a casa organizada e limpa e praticar sempre o desapego. Para as duas, só assim é possível viver bem, mantendo o corpo e o espírito em harmonia e equilíbrio.

Na casa de Luciana, nada fica fora do lugar. Na de Neuseli, igualmente. Elas sabem onde todas as coisas estão guardadas e são capazes de achá-las até no escuro, como a maquiadora faz questão de destacar. “A limpeza e a organização facilitam muito a minha rotina. Sempre sei onde as coisas estão. Quando acaba a energia elétrica, por exemplo, só faz diferença porque não vou enxergar, mas sou capaz de achar qualquer coisa. E tudo isso é bastante positivo, porque evita o estresse. Claro que a gente conta com elementos externos, que, vez ou outra, fogem do controle, mas, de uma forma geral, a organização nos ajuda a ter uma vida mais tranquila.”

O lar de Luciana está sempre impecável. E, para ela, isso representa qualidade de vida, apesar de sempre ser taxada de sistemática por pessoas mais próximas.

 

"Sou metódica e acabo transferindo uma má impressão para as pessoas mais próximas. Mas, para mim, isso representa saúde e qualidade de vida. Mesmo trabalhando fora, com uma agenda bem intensa, faço questão de limpar minha casa todos os dias", ela diz.

 

"Moro em um lugar onde há muita poeira. Então, se chegar alguém a minha casa, vai encontrá-la sempre limpa, não vou tomar susto”, brinca.

Para manter a organização, Luciana teve de convencer o marido, Jonathan, de que viver em um ambiente limpo e mais organizado significa ter uma melhor qualidade de vida. “Namorei muitos anos antes de casar – quase 10. E, quando nos casamos, logo no primeiro dia, disse para ele: 'Seu armário está todo arrumado, é a primeira e a última vez que faço isso. Viu como se faz? Espero que você o mantenha assim’. E lá se vão oito anos juntos. Posso dizer que ele vai muito bem nesse quesito.”

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Luciana Souto diz que faz questão de manter a casa impecável (foto: Edésio Ferreira/EM/D.A/Press)
Ao contrário de Luciana, Neuseli mora sozinha, o que facilita bastante a manutenção da casa limpa e, consequentemente, energizada, como ela afirma. “Em um ambiente limpo, a possibilidade de proliferação de fungos e bactérias é menor. Consequentemente, a circulação do ar melhora, e a energia flui melhor. Tudo contribui para uma boa qualidade de vida.”

Para a fotógrafa, a cozinha e o quarto merecem atenção especial na hora de limpar o lar. “A cozinha é o local onde preparamos e fazemos as nossas refeições. É necessário que ela esteja sempre limpa e organizada. Já o quarto tem de estar sempre limpo, porque, com a correria diária em que vivemos, merecemos ter uma noite tranquila e aconchegante, para renovarmos as energias para o novo dia.”

DICAS DE TV A publicitária e professora Flávia Pellegrini também não abre mão da limpeza e organização, mesmo tendo em casa uma bebê de 1 ano, a Olívia, e uma menininha de 4, a Cecília. Ela admite que ficou um pouco mais difícil manter a ordem na casa, mas sempre faz o possível para as coisas não saírem do controle. Até porque a casa organizada facilita a rotina de uma mãe que também precisa trabalhar fora. “Adoro assistir a programas na TV que dão dicas de organização, para pôr em prática em casa”, conta.

Pellegrini também pratica o desapego. Para ela, é importante para fortalecer o espírito. “Tento sempre organizar os brinquedos das meninas. Quando elas ganham coisas novas, substituo as antigas e faço doações. Faço isso também com livros, repassando aos meus alunos. A gente precisa pôr as coisas para circular, para viver melhor e mais feliz.”

 

Três perguntas para Keisuke Matsumoto

Editora Planeta/Divulgação
Keisuke Matsumoto - monge budista, autor do best-seller 'Manual de limpeza de um monge budista' (foto: Editora Planeta/Divulgação)

Por que a limpeza da casa pode purificar o espírito?

A tradição do budismo no Japão não é muito monástica. Na verdade, nós não separamos vida monástica da vida secular. Na tradição budista no Japão, consideramos que qualquer coisa que você faz em sua vida é uma prática para melhorar o espírito. A partir desse ponto de vista, atividades como a limpeza são fundamentais. Na cultura japonesa, a limpeza tem sido altamente reconhecida como uma atividade importante na vida.

 

Qual é o significado de manter os quartos limpos?

A limpeza é fundamental para ter uma vida melhor. Você pode não gostar de limpar, mas você deve gostar de espaços bem limpos. Por quê? Porque você vive a vida melhor, fisicamente e espiritualmente, em ambiente limpo do que em um bagunçado. O nosso coração está ligado ao nosso corpo. O nosso estado interno da mente reflete nosso estado externo do corpo.

 

Qual é o significado de desapego nesse contexto?

As pessoas tendem a pensar que, quanto mais têm, mais se tornam felizes. Mas a realidade é totalmente oposta. Quanto mais você tem, mais você fica obcecado. Se você acumular muito dinheiro ou itens para usar, sua mente se distrai e vai embora do aqui e agora. E o segredo da vida é viver feliz aqui e agora. Isso é o que milhares de gurus espirituais dizem, tanto na cultura ocidental, quanto na oriental. A verdade é que, quanto menos você tem, mais você aproveita a vida.