O calor súbito no rosto e o aperto na garganta anunciam o que está por vir: lágrimas começam a brotar e, com elas, vêm a respiração pausada e os soluços. Seja na companhia de alguém ou em uma situação íntima, o choro parece ser uma experiência catártica, que lava os sentimentos incômodos de dentro para fora. Por vezes, esse processo deixa a pessoa sem fôlego, mais cansada do que ficaria depois de praticar um exercício aeróbico. Mas, assim como uma longa corrida, terminar uma boa sessão de choro também deixa uma sensação de alívio, que, aos poucos, substitui a tristeza que vertia pelos olhos.
Essa montanha-russa emocional, garante a ciência, é perfeitamente natural e tem um efeito benéfico que justifica qualquer rosto inchado ou maquiagem borrada. Um experimento feito recentemente mostrou que, embora as lágrimas tragam à tona sentimentos negativos em um primeiro momento, provocam um efeito similar ao de um exercício de relaxamento. No estudo, 60 pessoas participaram de uma sessão de cinema digna de, ao menos, alguns olhos marejados. Em cartaz, os filmes Sempre ao seu lado, que conta a história real de um cão japonês que passou anos esperando em vão pelo dono falecido, e A vida é bela, produção ganhadora do Oscar em que Roberto Benigni interpreta um judeu confinado com o filho pequeno num campo de concentração nazista.
Depois de ver os filmes, os voluntários foram questionados sobre como se sentiam. Os 28 participantes que deixaram escapar algumas lágrimas admitiram que não se sentiam tão bem quanto estavam antes da exibição. Porém, quando essas mesmas pessoas foram entrevistadas novamente uma hora e meia depois, elas afirmaram que haviam mudado completamente de humor e que se sentiam ainda melhores do que estavam antes de assistirem às obras. Já quem não se emocionou com a história de Benigni nem com a do solitário cão não demonstrou qualquer mudança de ânimo.
Os resultados, acreditam os autores do experimento, explicam por que pesquisas que procuram medir os efeitos das lágrimas podem apresentar conclusões contraditórias. Enquanto alguns trabalhos apontam para o efeito relaxante do choro, outros mostram que as lágrimas não trazem nada mais do que tristeza. A nova pesquisa sugere que os dois efeitos podem surgir: alívio emocional após um momento inicial de desânimo. “Esses resultados indicam que chorar pode ter um efeito terapêutico nas pessoas”, ressalta Asmir Gracanin, pesquisador da Universidade de Tilburg, na Holanda, e principal autor do novo estudo, publicado recentemente na revista Motivation and Emotion.
Como a conclusão do estudo se baseia apenas no relato dos participantes, os autores não descartam a possibilidade de o alívio retratar uma falsa sensação positiva influenciada pela recente onda de tristeza. “Pode ser que as pessoas gostem dessas mudanças e que as sintam ou ao menos se lembrem delas como alívio, embora isso seja um simples retorno ao estado inicial”, especula Gracanin. “Precisamos de mais estudos como esse. Em vez de perguntar às pessoas como elas se sentem, seria útil medir o comportamento que reflete seu humor. Isso é o que planejamos fazer em breve”, adianta o pesquisador.
Evolução
O experimento comportamental pode não encerrar o debate sobre um dos mais intrigantes comportamentos humanos, mas reforça antigas teorias que defendem o efeito transformador das lágrimas. No século 4 a.C., o filósofo Aristóteles afirmava que o choro pode livrar a mente de emoções suprimidas. Charles Darwin acreditava que as lágrimas traziam alívio para aquele que as produz, embora, para o naturalista, esse fosse um efeito incidental da liberação de fluidos. Para Freud, os olhos marejados eram resultado de reflexos involuntários que levavam à liberação dos sentimentos.
Ao longo do último século, diversos estudos se dedicaram a medir componentes químicos das lágrimas, mudanças hormonais, variações nas atividades do sistema nervoso e até mesmo a altura dos gemidos das pessoas acometidas por uma boa crise de choro. Um estudo de biólogos evolucionistas da Universidade de Tel Aviv defende que o choro é um tipo de mecanismo que demonstra submissão e abaixa as defesas do indivíduo, desfocando sua visão e colocando-o numa posição pouco ameaçadora. O comportamento, acreditam os especialistas, teria sido essencial para o fortalecimento das primeiras relações interpessoais e para a formação de comunidades.
Essa hipótese é similar à defendida por Ad Vingerhoets, pesquisador e autor de Why only humans weep? Unraveling the mysteries of tears (Por que somente os humanos choram? Desvendando os mistérios das lágrimas, sem publicação no Brasil). Para o psicólogo, as lágrimas teriam a função de sinalizar um pedido instintivo de ajuda, resultado evolutivo dos tempos em que nossos ancestrais precisavam comunicar a presença de uma ameaça, sem, no entanto, chamar a atenção de um possível predador.
A estratégia de sobrevivência seria reforçada pela capacidade altamente desenvolvida que os humanos têm de interpretar sinais faciais discretos demais para outras espécies notarem, como uma simples lágrima rolando pelo rosto de um colega ou de um familiar. “Nossos bebês são criaturas muito desamparadas por um longo tempo quando comparados com outras espécies. Quando ainda somos muito dependentes dos outros, é importante ter um sinal que os estimula a nos ajudarem”, acredita o especialista, que também participou do trabalho realizado por Gracanin e equipe.
Colírio do cérebro
O uso desse “lubrificante” natural e social, ressaltam especialistas, é praticado desde a gestação, quando expressões ligadas ao choro podem ser identificadas no rosto de bebês em formação. Embora lágrimas não sejam visíveis em exames de ultrassom, as imagens frequentemente mostram os fetos fazendo as mesmas caretas que serão usadas para se comunicar com a mãe dali a algumas semanas. No momento do nascimento, o grito do bebê é um importante sinal de saúde.
Conforme crescemos, esse comportamento natural ganha o estigma de fraqueza, instabilidade emocional ou até mesmo de uma possível intenção manipulativa. Mesmo assim, as pessoas mantêm o instinto que trazem da infância e podem exprimir sentimentos em momentos íntimos, quando as lágrimas ganham outro significado: a exorcização da aflição que afeta o humor e o comportamento. “O cérebro chora, independentemente do processo cognitivo. O cérebro precisa chorar para a regulação emocional”, defende Armindo Freitas-Magalhães, diretor do Laboratório de Expressão Facial da Emoção da Universidade Fernando Pessoa, em Portugal.
De acordo com o pesquisador e autor do livro O poder das lágrimas, as gotas salgadas produzidas pelos olhos em um momento emocional são “o colírio do cérebro”, que ajuda na recuperação dos estados psicológicos de tensão. Portanto, ele afirma que esse comportamento não deveria ser reprimido por homens ou mulheres, sejam eles adultos ou crianças. “As lágrimas representam um poder que foi sendo alterado ao longo da história, desde o tempo em que chorar era demonstração de fraqueza até aos dias de hoje, quando a tolerância perante as lágrimas chega ao ponto de considerá-las um vestígio de verdade e de vantagem.”
Essa montanha-russa emocional, garante a ciência, é perfeitamente natural e tem um efeito benéfico que justifica qualquer rosto inchado ou maquiagem borrada. Um experimento feito recentemente mostrou que, embora as lágrimas tragam à tona sentimentos negativos em um primeiro momento, provocam um efeito similar ao de um exercício de relaxamento. No estudo, 60 pessoas participaram de uma sessão de cinema digna de, ao menos, alguns olhos marejados. Em cartaz, os filmes Sempre ao seu lado, que conta a história real de um cão japonês que passou anos esperando em vão pelo dono falecido, e A vida é bela, produção ganhadora do Oscar em que Roberto Benigni interpreta um judeu confinado com o filho pequeno num campo de concentração nazista.
Depois de ver os filmes, os voluntários foram questionados sobre como se sentiam. Os 28 participantes que deixaram escapar algumas lágrimas admitiram que não se sentiam tão bem quanto estavam antes da exibição. Porém, quando essas mesmas pessoas foram entrevistadas novamente uma hora e meia depois, elas afirmaram que haviam mudado completamente de humor e que se sentiam ainda melhores do que estavam antes de assistirem às obras. Já quem não se emocionou com a história de Benigni nem com a do solitário cão não demonstrou qualquer mudança de ânimo.
Os resultados, acreditam os autores do experimento, explicam por que pesquisas que procuram medir os efeitos das lágrimas podem apresentar conclusões contraditórias. Enquanto alguns trabalhos apontam para o efeito relaxante do choro, outros mostram que as lágrimas não trazem nada mais do que tristeza. A nova pesquisa sugere que os dois efeitos podem surgir: alívio emocional após um momento inicial de desânimo. “Esses resultados indicam que chorar pode ter um efeito terapêutico nas pessoas”, ressalta Asmir Gracanin, pesquisador da Universidade de Tilburg, na Holanda, e principal autor do novo estudo, publicado recentemente na revista Motivation and Emotion.
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Evolução
O experimento comportamental pode não encerrar o debate sobre um dos mais intrigantes comportamentos humanos, mas reforça antigas teorias que defendem o efeito transformador das lágrimas. No século 4 a.C., o filósofo Aristóteles afirmava que o choro pode livrar a mente de emoções suprimidas. Charles Darwin acreditava que as lágrimas traziam alívio para aquele que as produz, embora, para o naturalista, esse fosse um efeito incidental da liberação de fluidos. Para Freud, os olhos marejados eram resultado de reflexos involuntários que levavam à liberação dos sentimentos.
Ao longo do último século, diversos estudos se dedicaram a medir componentes químicos das lágrimas, mudanças hormonais, variações nas atividades do sistema nervoso e até mesmo a altura dos gemidos das pessoas acometidas por uma boa crise de choro. Um estudo de biólogos evolucionistas da Universidade de Tel Aviv defende que o choro é um tipo de mecanismo que demonstra submissão e abaixa as defesas do indivíduo, desfocando sua visão e colocando-o numa posição pouco ameaçadora. O comportamento, acreditam os especialistas, teria sido essencial para o fortalecimento das primeiras relações interpessoais e para a formação de comunidades.
Essa hipótese é similar à defendida por Ad Vingerhoets, pesquisador e autor de Why only humans weep? Unraveling the mysteries of tears (Por que somente os humanos choram? Desvendando os mistérios das lágrimas, sem publicação no Brasil). Para o psicólogo, as lágrimas teriam a função de sinalizar um pedido instintivo de ajuda, resultado evolutivo dos tempos em que nossos ancestrais precisavam comunicar a presença de uma ameaça, sem, no entanto, chamar a atenção de um possível predador.
A estratégia de sobrevivência seria reforçada pela capacidade altamente desenvolvida que os humanos têm de interpretar sinais faciais discretos demais para outras espécies notarem, como uma simples lágrima rolando pelo rosto de um colega ou de um familiar. “Nossos bebês são criaturas muito desamparadas por um longo tempo quando comparados com outras espécies. Quando ainda somos muito dependentes dos outros, é importante ter um sinal que os estimula a nos ajudarem”, acredita o especialista, que também participou do trabalho realizado por Gracanin e equipe.
Colírio do cérebro
O uso desse “lubrificante” natural e social, ressaltam especialistas, é praticado desde a gestação, quando expressões ligadas ao choro podem ser identificadas no rosto de bebês em formação. Embora lágrimas não sejam visíveis em exames de ultrassom, as imagens frequentemente mostram os fetos fazendo as mesmas caretas que serão usadas para se comunicar com a mãe dali a algumas semanas. No momento do nascimento, o grito do bebê é um importante sinal de saúde.
Conforme crescemos, esse comportamento natural ganha o estigma de fraqueza, instabilidade emocional ou até mesmo de uma possível intenção manipulativa. Mesmo assim, as pessoas mantêm o instinto que trazem da infância e podem exprimir sentimentos em momentos íntimos, quando as lágrimas ganham outro significado: a exorcização da aflição que afeta o humor e o comportamento. “O cérebro chora, independentemente do processo cognitivo. O cérebro precisa chorar para a regulação emocional”, defende Armindo Freitas-Magalhães, diretor do Laboratório de Expressão Facial da Emoção da Universidade Fernando Pessoa, em Portugal.
De acordo com o pesquisador e autor do livro O poder das lágrimas, as gotas salgadas produzidas pelos olhos em um momento emocional são “o colírio do cérebro”, que ajuda na recuperação dos estados psicológicos de tensão. Portanto, ele afirma que esse comportamento não deveria ser reprimido por homens ou mulheres, sejam eles adultos ou crianças. “As lágrimas representam um poder que foi sendo alterado ao longo da história, desde o tempo em que chorar era demonstração de fraqueza até aos dias de hoje, quando a tolerância perante as lágrimas chega ao ponto de considerá-las um vestígio de verdade e de vantagem.”