O idoso brasileiro está vivendo mais, mas a qualidade desses anos ainda deixa a desejar. A informação faz parte do último relatório Global AgeWatch Index, que avalia os melhores lugares para se viver na terceira idade. Entre as 96 nações analisadas pelo índice divulgado ontem, o Brasil figurou no 56º lugar. O documento mostra que, no país, os cidadãos acima de 60 anos têm, em média, 21 anos a mais pela frente. O índice é compatível com a média mundial. No entanto, a falta de acesso a serviços básicos como transporte e segurança compromete a qualidade de vida da população da terceira idade no Brasil.
A longevidade é apenas um dos 13 indicadores considerados no trabalho que avalia anualmente a qualidade de vida dos idosos no mundo. O levantamento leva em conta quatro categorias de fatores que afetam aqueles que passaram dos 60 anos: a segurança de renda, a saúde, características de um ambiente propício para os idosos e condições de emprego e de educação. Em primeiro lugar no ranking, está a Suíça, seguida pela Noruega, pela Suécia e pela Alemanha.
O relatório mostra que o Brasil se destaca pelo seu amplo programa de previdência, que atende a 86% dos seus idosos e mantém grande parte da população mais velha fora da linha da pobreza – na maioria dos países de baixo e médio rendimento, apenas uma em cada quatro pessoas acima dos 65 anos recebe uma pensão. A colocação do país também representa uma tímida melhora em relação ao levantamento global realizado no ano passado, quando o Brasil estava no 58º lugar da lista mundial. O país conquistou o 12º lugar entre os países latino-americanos e ficou em segundo entre as nações do grupo Brics – formado ainda por China, Rússia, Índia e África do Sul – atrás apenas dos chineses.
No entanto, o posicionamento do Brasil na lista foi prejudicado por problemas que afetam não somente os idosos, mas também cidadãos brasileiros de outras faixas etárias. “O Brasil não é tão bom em fornecer um ambiente propício para o envelhecimento. O medo de crimes e o acesso ao transporte público são grandes questões para os idosos brasileiros”, analisa Asgar Zaidi, professor de políticas sociais internacionais na Universidade de Southampton e um dos autores do levantamento global. O trabalho foi coordenado pela HelpAge International, organização que se dedica a melhorar a vida de pessoas na terceira idade.
Além de planos de aposentadoria e de acesso universal à saúde, o trabalho revela que os melhores países para se envelhecer também investem há décadas em mudanças sociais e ambientais voltadas especialmente para os idosos. Dos 21 anos de vida que o brasileiro dispõe depois que atinge a terceira idade, apenas 16 são considerados “saudáveis” pelo relatório internacional. “O Brasil tem um sistema de saúde que presta uma atenção universalizada. Então, é notável que, mesmo com tantos benefícios, nós não conseguimos ficar numa posição melhor no índice. Isso chama a atenção para o fato de que as nossas soluções não estão atendendo aos nossos problemas. Avançamos, mas talvez não estamos conseguindo dar um sentido de vida, um valor social para o idoso”, acredita Otávio Nóbrega, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia no Distrito Federal.
De acordo com o especialista, idosos com pior qualidade de vida não são necessariamente os mais doentes. Cidadãos da terceira idade sofrem com questões como o abandono, a falta de uma ocupação e a carência por atividades que atendam às suas necessidades especiais. “A qualidade de vida é, provavelmente, mais determinada pelo ambiente social do que propriamente pelo estado geral de saúde. Hoje, uma premissa muito importante não é somente evitar o envelhecimento e as morbidades, mas também tentar remediar e controlar as limitações físicas, intelectuais e cognitivas que podem ocorrer com o envelhecimento”, aponta Nóbrega, que também é professor na Universidade de Brasília (UnB).
Desigualdade
Os idosos representam hoje 12,3% da população mundial, que tem mais de 900 milhões de pessoas com 60 anos ou mais. Até 2030, espera-se que esse número aumente para 1,4 bilhão, um índice que deve disparar para 2,09 bilhões até 2050. A queda drástica na taxa reprodutiva e o aumento de longevidade são os principais responsáveis pela recente inversão da pirâmide etária. Pela primeira vez na história, existem mais pessoas na terceira idade do que crianças com menos de 5 anos. Em duas décadas, serão mais idosos do que crianças e adolescentes de até 15 anos.
“Em todos os países, a proporção de pessoas mais velhas está crescendo. Até 2050, 46 dos 96 países desta lista terão 30% ou mais de suas populações com 60 anos ou mais. Temos apenas 35 anos para nos prepararmos”, alerta em um comunicado Toby Portar, chefe-executivo da HelpAge International. O maior impacto deve ocorrer nos países em desenvolvimento, onde o crescimento da população idosa ainda está em aceleração, mas as políticas da terceira idade não estão consolidadas. No Brasil, por exemplo, a expectativa de vida saltou de 48 para 73 anos nas últimas cinco décadas. Até 2060, o número de cidadãos com 60 anos ou mais deve saltar de 20 milhões para 73,5 milhões, o equivalente a um idoso a cada 10 habitantes.
Essa súbita transformação etária tem afetado as nações menos industrializadas de uma forma negativa. O Global AgeWatch Index revela que a lacuna que separa a expectativa de vida entre países desenvolvidos e nações em desenvolvimento aumentou. Em 1990, idosos viviam, em média, 5,7 anos a mais do que aqueles que envelheciam em regiões com condições menos favoráveis. Em 2012, a diferença pulou para 7,3 anos. Enquanto um japonês com mais de 60 anos tem uma expectativa de vida média de 26 anos, um idoso no Afeganistão sobrevive por apenas mais 16 anos.
LONGEVIDADE Além da grande desigualdade de condições para os idosos que moram em diferentes países, o relatório também revelou um grave contraste entre homens e mulheres que envelhecem. Estima-se que 73,5% dos homens com mais de 60 anos sejam economicamente ativos, um índice bem superior aos 46,8% das idosas que têm representação significativa na economia. Os dados são conflitantes com a longevidade feminina, em média, oito anos mais longa do que a dos homens. “Principalmente para as gerações de idosos de hoje, a realidade é que a mulher era, e ainda é, a responsável principal pela gestão da família, incluindo os cuidados dos filhos, sogros, pais e esposos. É por esse motivo que muitas vezes têm carreiras descontinuadas, com menos tempo contribuindo ao sistema previdenciário e, consequentemente, com menos recursos financeiros”, analisa Ina Voelcker, coordenadora técnica do Centro Internacional de Longevidade do Brasil (ILC-Brazil).
As mulheres com idade igual ou superior a 50 anos já representam 23,6% da população feminina mundial, um índice que tende a crescer. Para garantir uma boa qualidade de vida para as futuras idosas, é necessário promover hoje a igualdade de gênero no âmbito da educação e no mercado de trabalho. “É preciso criar mecanismos que garantam que a mulher possa manter sua atividade profissional ao mesmo tempo que cuida de filhos ou de familiares idosos. Também são necessárias mudanças sociais para que o homem possa dividir as tarefas domésticas com a mulher”, aponta Ina.
ENTREVISTA
Wilson Jacob Filho
Diretor do Serviço de Geriatria do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP)
Por que a população idosa tem crescido tão rapidamente no mundo?
Nós temos diminuído a mortalidade em idades mais jovens. Então, os países onde a população idosa aumenta são aqueles que melhor controlam a mortalidade infantil e a juvenil.
Isso aconteceu primeiro nos países desenvolvidos e agora está acontecendo nos países em desenvolvimento, fazendo com que a probabilidade de envelhecer aumente.
Que tipos de cuidados especiais exigem os idosos?
Pessoas idosas são diferentes de adultos, e precisam de cuidados especiais, principalmente os de prevenção, para evitar que elas fiquem doentes. Quando elas adoecem, é necessário haver o controle adequado das doenças que são geralmente crônicas, que não terão cura. Cabe a nós ter políticas de saúde que permitam prevenir e, quando não for possível, detectar precocemente as doenças e tratá-las para evitar que elas se compliquem.
Como investir na qualidade de vida na terceira idade?
O idoso, para envelhecer com qualidade, tem de estar incluído na sociedade. Ele tem de ter o seu espaço para continuar pertencendo à sociedade. Temos de garantir que ele tenha espaço, tenha opinião, seja respeitado e tenha oportunidades. Do mesmo jeito que convido a criança a entrar na sociedade com a educação, eu faço esse mesmo trabalho com o idoso, impedindo que ele seja excluído. Tenho de dar razão e função para seus anos de vida.
A longevidade é apenas um dos 13 indicadores considerados no trabalho que avalia anualmente a qualidade de vida dos idosos no mundo. O levantamento leva em conta quatro categorias de fatores que afetam aqueles que passaram dos 60 anos: a segurança de renda, a saúde, características de um ambiente propício para os idosos e condições de emprego e de educação. Em primeiro lugar no ranking, está a Suíça, seguida pela Noruega, pela Suécia e pela Alemanha.
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No entanto, o posicionamento do Brasil na lista foi prejudicado por problemas que afetam não somente os idosos, mas também cidadãos brasileiros de outras faixas etárias. “O Brasil não é tão bom em fornecer um ambiente propício para o envelhecimento. O medo de crimes e o acesso ao transporte público são grandes questões para os idosos brasileiros”, analisa Asgar Zaidi, professor de políticas sociais internacionais na Universidade de Southampton e um dos autores do levantamento global. O trabalho foi coordenado pela HelpAge International, organização que se dedica a melhorar a vida de pessoas na terceira idade.
Além de planos de aposentadoria e de acesso universal à saúde, o trabalho revela que os melhores países para se envelhecer também investem há décadas em mudanças sociais e ambientais voltadas especialmente para os idosos. Dos 21 anos de vida que o brasileiro dispõe depois que atinge a terceira idade, apenas 16 são considerados “saudáveis” pelo relatório internacional. “O Brasil tem um sistema de saúde que presta uma atenção universalizada. Então, é notável que, mesmo com tantos benefícios, nós não conseguimos ficar numa posição melhor no índice. Isso chama a atenção para o fato de que as nossas soluções não estão atendendo aos nossos problemas. Avançamos, mas talvez não estamos conseguindo dar um sentido de vida, um valor social para o idoso”, acredita Otávio Nóbrega, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia no Distrito Federal.
De acordo com o especialista, idosos com pior qualidade de vida não são necessariamente os mais doentes. Cidadãos da terceira idade sofrem com questões como o abandono, a falta de uma ocupação e a carência por atividades que atendam às suas necessidades especiais. “A qualidade de vida é, provavelmente, mais determinada pelo ambiente social do que propriamente pelo estado geral de saúde. Hoje, uma premissa muito importante não é somente evitar o envelhecimento e as morbidades, mas também tentar remediar e controlar as limitações físicas, intelectuais e cognitivas que podem ocorrer com o envelhecimento”, aponta Nóbrega, que também é professor na Universidade de Brasília (UnB).
Desigualdade
Os idosos representam hoje 12,3% da população mundial, que tem mais de 900 milhões de pessoas com 60 anos ou mais. Até 2030, espera-se que esse número aumente para 1,4 bilhão, um índice que deve disparar para 2,09 bilhões até 2050. A queda drástica na taxa reprodutiva e o aumento de longevidade são os principais responsáveis pela recente inversão da pirâmide etária. Pela primeira vez na história, existem mais pessoas na terceira idade do que crianças com menos de 5 anos. Em duas décadas, serão mais idosos do que crianças e adolescentes de até 15 anos.
“Em todos os países, a proporção de pessoas mais velhas está crescendo. Até 2050, 46 dos 96 países desta lista terão 30% ou mais de suas populações com 60 anos ou mais. Temos apenas 35 anos para nos prepararmos”, alerta em um comunicado Toby Portar, chefe-executivo da HelpAge International. O maior impacto deve ocorrer nos países em desenvolvimento, onde o crescimento da população idosa ainda está em aceleração, mas as políticas da terceira idade não estão consolidadas. No Brasil, por exemplo, a expectativa de vida saltou de 48 para 73 anos nas últimas cinco décadas. Até 2060, o número de cidadãos com 60 anos ou mais deve saltar de 20 milhões para 73,5 milhões, o equivalente a um idoso a cada 10 habitantes.
Essa súbita transformação etária tem afetado as nações menos industrializadas de uma forma negativa. O Global AgeWatch Index revela que a lacuna que separa a expectativa de vida entre países desenvolvidos e nações em desenvolvimento aumentou. Em 1990, idosos viviam, em média, 5,7 anos a mais do que aqueles que envelheciam em regiões com condições menos favoráveis. Em 2012, a diferença pulou para 7,3 anos. Enquanto um japonês com mais de 60 anos tem uma expectativa de vida média de 26 anos, um idoso no Afeganistão sobrevive por apenas mais 16 anos.
LONGEVIDADE Além da grande desigualdade de condições para os idosos que moram em diferentes países, o relatório também revelou um grave contraste entre homens e mulheres que envelhecem. Estima-se que 73,5% dos homens com mais de 60 anos sejam economicamente ativos, um índice bem superior aos 46,8% das idosas que têm representação significativa na economia. Os dados são conflitantes com a longevidade feminina, em média, oito anos mais longa do que a dos homens. “Principalmente para as gerações de idosos de hoje, a realidade é que a mulher era, e ainda é, a responsável principal pela gestão da família, incluindo os cuidados dos filhos, sogros, pais e esposos. É por esse motivo que muitas vezes têm carreiras descontinuadas, com menos tempo contribuindo ao sistema previdenciário e, consequentemente, com menos recursos financeiros”, analisa Ina Voelcker, coordenadora técnica do Centro Internacional de Longevidade do Brasil (ILC-Brazil).
As mulheres com idade igual ou superior a 50 anos já representam 23,6% da população feminina mundial, um índice que tende a crescer. Para garantir uma boa qualidade de vida para as futuras idosas, é necessário promover hoje a igualdade de gênero no âmbito da educação e no mercado de trabalho. “É preciso criar mecanismos que garantam que a mulher possa manter sua atividade profissional ao mesmo tempo que cuida de filhos ou de familiares idosos. Também são necessárias mudanças sociais para que o homem possa dividir as tarefas domésticas com a mulher”, aponta Ina.
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Wilson Jacob Filho
Diretor do Serviço de Geriatria do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP)
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Isso aconteceu primeiro nos países desenvolvidos e agora está acontecendo nos países em desenvolvimento, fazendo com que a probabilidade de envelhecer aumente.
Que tipos de cuidados especiais exigem os idosos?
Pessoas idosas são diferentes de adultos, e precisam de cuidados especiais, principalmente os de prevenção, para evitar que elas fiquem doentes. Quando elas adoecem, é necessário haver o controle adequado das doenças que são geralmente crônicas, que não terão cura. Cabe a nós ter políticas de saúde que permitam prevenir e, quando não for possível, detectar precocemente as doenças e tratá-las para evitar que elas se compliquem.
Como investir na qualidade de vida na terceira idade?
O idoso, para envelhecer com qualidade, tem de estar incluído na sociedade. Ele tem de ter o seu espaço para continuar pertencendo à sociedade. Temos de garantir que ele tenha espaço, tenha opinião, seja respeitado e tenha oportunidades. Do mesmo jeito que convido a criança a entrar na sociedade com a educação, eu faço esse mesmo trabalho com o idoso, impedindo que ele seja excluído. Tenho de dar razão e função para seus anos de vida.