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Collinge e Brandner fizeram uma descrição detalhada das alterações nos oito órgãos. As pessoas haviam recebido hormônio do crescimento entre 1958 e 1985 e, posteriormente, desenvolveram a DCJ, doença provocada por uma espécie de proteína mutante, chamada príon. Além das alterações cerebrais inerentes à DCJ, sete dos examinados tinham depósitos de beta- amiloide, o que levou os cientistas a imaginarem que essas proteínas, ou talvez as células precursoras delas, possam ser transmitidas da mesma forma que os príons. Nesse caso, pelas injeções de hormônio do crescimento oriundo de cadáveres.
Baseado nisso, não é impossível pensar que a doença de Alzheimer possa ser transmitida por meio de equipamentos médicos, uma vez que proteínas patológicas são resistentes a procedimentos de esterilização. “São resultados que valem a reflexão. Já sabíamos que os príons e a DCJ (doença de Creutzfeldt–Jakob) podem ser passados por procedimentos médicos, e nossos achados nos fazem pensar se isso é relevante para o Alzheimer e o Parkinson. No entanto, precisamos de mais pesquisas. Não é o caso de criar qualquer tipo de alarde”, assegura Collinge.
Novo protocolo
Professor de neurobiologia molecular da Kings College London, também no Reino Unido, Roger Morris conta que, entre 1958 e 1985, mais de 1,8 mil pessoas receberam um tratamento que pode ter resultado em contaminação que desencadearia o Alzheimer. As novas regras médicas, garante o especialista, evitam esse tipo de problema. “Medidas já foram postas em prática para evitar mais casos em que uma possível transmissão de Alzheimer ocorreria por tabela”, diz. Hoje, utiliza-se hormônio do crescimento sintético e poucos países ainda dependem da substância obtida de doadores falecidos.
Morris acredita que a pesquisa estimulará mais pesquisas sobre os elementos comuns de doenças neurodegenerativas devastadoras e, com isso, proporcionará novos insights e oportunidades para o desenvolvimento terapêutico. Ele ressalta que o estudo, de forma alguma, significa que a ciência e a medicina mudarão o olhar sobre o Alzheimer, deixando de vê-lo como uma doença particular, algumas vezes relacionada à idade e outras à genética, para abordá-lo como infecção transmitida. “Mas o estudo é um marco por fornecer, pela primeira vez, evidência em humanos de um mecanismo de propagação da doença que já sabíamos existir a partir de estudos experimentais em ratos: as beta-amiloides formadas nos cérebros de pacientes com Alzheimer, se injetadas no cérebro normal, infectam também o hospedeiro”, ressalta.
Origem complexa
Caso a beta-amiloide seja transmitida como os príons, como indica o estudo britânico, não se trata de um indicativo de que se manifestaria como Alzheimer, segundo Otávio Castello, diretor do Departamento Científico da Associação Brasileira de Alzheimer. “Não dá para dizer isso porque essas placas não são suficientes para explicar a doença”, pondera.
Sabe-se hoje apenas que os depósitos de beta-amiloide explicam uma parte da gênese da morte do tecido cerebral. “Nos últimos congressos, os pesquisadores já afirmam que está na hora de subir o rio porque deve existir alguma coisa antes desse acúmulo da beta-amiloide. Ele não é a causa do Alzheimer”, conta o geriatra. Se a origem do mal permanece desconhecida, nenhuma hipótese é descartada. “E é exatamente por isso que o artigo especula se a origem poderia ser algo transmitido. Todo mundo procura um vírus ou uma coisa diferente para explicar isso”.
Ainda que os pesquisadores do Reino Unido tenham encontrado acúmulo de beta-amiloide no cérebro dos pacientes, não detectaram alteração na proteína tau, outra característica do Alzheimer. “O artigo relata observações, mas não há comprovação científica”, diz Castello. “É muito perigoso falar que Alzheimer é transmissível porque a pesquisa não afirma isso em nenhum momento, só indica que há uma possível transmissibilidade de um acúmulo de proteína, o que não é o que provoca a doença.” Para o geriatra, entretanto, o estudo levanta “uma lebre” entre as pessoas que pensam sobre a doença. “Elas vão ter mais elementos para raciocinar”, justifica.
Um alerta para os médicos
“Foi acionado um sinal de alerta em 1985 para a doença de Creutzfeldt–Jakob (CJD) iatrogênica em adultos jovens e pacientes de meia-idade que, quando crianças, usaram hormônio do crescimento para baixa estatura. Dos 1.848 pacientes documentados, 38 desenvolveram a CJD. Desde então, a administração desse hormônio obtido de um pool de hipófises de cadáveres foi proibida. Em resumo, não se trata de resultados incipientes, mas consistentes, que mostram que devemos estar atentos à possibilidade de desenvolvimento concomitante de patologia amiloide e, talvez, patologia tau nos casos de doença priônica transmissível por materiais biológicos ou instrumentos usados em procedimentos médicos. Devemos estar atentos quanto à procedência desses materiais, no caso dos biológicos; quanto aos mecanismos de síntese empregados; e quanto aos materiais cirúrgicos usados em alguns procedimentos bem específicos, pois os meios de transmissibilidade já citados são robustamente sugeridos por esse estudo.”
José Ibiapina Siqueira-Neto, coordenador do Setor de Neurologia Cognitiva do Hospital Universitário Valter Cantídeo, da Universidade Federal do Ceará, e membro da Academia Brasileira de Neurologia