Pesquisas anteriores deram pistas sobre a relação entre o hormônio do estresse e a demência. “Elas têm demonstrado que a depressão aumenta o risco de demência, mas nós não sabemos muito sobre como isso ocorre. Níveis elevados desse hormônio têm sido encontrados em depressivos, e a teoria é de que o cortisol tem um efeito tóxico no hipocampo, área do cérebro que desempenha um papel importante na memória”, explicou Lenore J. Launer, pesquisadora do Instituto Nacional sobre Envelhecimento em Bethesda (EUA) e uma das autoras do estudo.
Para checar as relações, o grupo de cientistas analisou amostras de saliva de 4.244 voluntários com, em média, 76 anos e sem demência. As coletas foram realizadas de manhã e à noite. Os participantes também foram submetidos a uma varredura do cérebro para avaliar o tamanho do órgão e realizaram testes de memória e de pensamento. Juntando os dados, concluiu-se que a parcela de idosos com níveis mais altos de cortisol tinha um volume menor do cérebro — condição atrelada a maiores chances de demência —, e a composta por idosos com níveis menores do hormônio tinha o órgão maior e se saiu melhor nos testes cognitivos.
Os cientistas, porém, têm dúvidas sobre como o nível de cortisol e o tamanho do cérebro se relacionam. “Uma vez que esse estudo apenas olhou para um instante no tempo, não sabemos o que vem primeiro: os altos níveis de cortisol ou a perda de volume cerebral”, explicou Launer. A equipe acredita que mais pesquisas são necessárias para esclarecer melhor também a influência do cortisol sobre a demência, mas eles reforçam que desvendar essa associação poderá ajudar a prevenir e combater um preocupante problema de saúde.
“É possível que a perda do volume cerebral que ocorre com o envelhecimento leve a uma menor capacidade do cérebro de parar os efeitos do cortisol, que, por sua vez, leva a mais perda de células cerebrais. Entender esses relacionamentos pode nos ajudar a desenvolver estratégias para reduzir os efeitos do cortisol no cérebro”, adianta a autora. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que, no mundo, haja 47,5 milhões de pessoas afetadas por demência senil.
Além da tensão
Mauro Roberto Piovezan, neurogeriatra do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (UFPR), conta que estudos anteriores demonstraram que, em situações de estresse, a reação de liberação de cortisol também pode causar alterações no corpo que estão ligadas à memória. “Existe até uma associação com o Alzheimer. Testes já mostraram que pacientes com esse problema de saúde têm níveis maiores de cortisol”, complementa.
Piovezan, porém, destaca que outros fatores podem interferir no desenvolvimento da demência. “Há outros causadores, como o diabetes, a hipertensão e o colesterol alto. Podemos falar apenas por alto, mas existe a chance de que haja uma interação entre todos esses fatores levando à perda cognitiva”,diz.
Márcia Chaves, neurologista e professora da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), aponta outras alternativas também em desenvolvimento e focadas em prevenção à demência. “Já sabemos que pessoas com melhor desenvolvimento cognitivo, que têm mais escolaridade e melhor padrão nutricional apresentam menos chances de ter o problema. Porém, o que se investiga por décadas ainda não foi encontrado: uma forma de saber o que exatamente causa essa doença”, explica.
Obesidade
Um estudo publicado na edição de ontem da revista médica Molecular Psychiatry comprova que estar obeso ou acima do peso ideal após os 50 anos pode agilizar o desenvolvimento do Alzheimer. Segundo a equipe formada por estudiosos norte-americanos, canadenses e taiwaneses, a cada ponto a mais no índice de massa corporal (IMC), há uma aceleração de 6,7 meses do mal neurodegenerativo. Os pesquisadores chegaram ao número após analisar 1.400 pessoas sem comprometimentos cognitivos ao longo de 14 anos. Dessas, 142 tiveram Alzheimer e apresentaram, na sexta década de vida, um IMC mais elevado.
Lembranças de traumas reforçadas
Outro estudo recente revelou mais um papel desempenhado no corpo pelo cortisol. Segundo pesquisa publicada na revista Neuropsychopharmacology, ele também fortalece memórias ligadas a experiências assustadoras. Cientistas da Alemanha chegaram a essa conclusão após analisar o efeito do hormônio em humanos enquanto memórias negativas eram consolidadas no cérebro deles.
As recordações de experiências emocionais geralmente somem com o tempo, mas, em pessoas que sofrem de ansiedade e de transtorno de estresse pós-traumático, por exemplo, elas podem retornar e, no caso de vivências negativas, assombrá-las. Trabalhos anteriores haviam mostrado que o cortisol reforça a consolidação de memórias. Com base nessas informações, a equipe de cientistas resolveu analisar minuciosamente como ele atua no caso das lembranças ruins.
Para isso, analisaram voluntários durante três dias. No início do experimento, os participantes envolveram-se em uma tarefa na qual precisavam associar formas geométricas enquanto sofriam um choque elétrico desconfortável. No segundo dia, alguns dos participantes receberam um comprimido de cortisol; e outros, um placebo. Em seguida, foram mostradas mais formas geométricas, também associadas ao estímulo elétrico. No terceiro dia, testou-se a memória criada pelas formas geométricas e os choques. Os participantes que ingeriram o cortisol se lembraram da forma associada e ligaram a situação com o medo mais do que a equipe do placebo.
Os pesquisadores acreditam que o resultado comprova que a vivência de um evento terrível, ocorrido durante a liberação de um alto nível do hormônio do estresse, faz com que a memória desse momento seja fortemente reconsolidada. “Os resultados podem explicar por que certas memórias indesejáveis não se desvanecem, como nos casos de ansiedade”, declarou, em comunicado, Oliver Wolf, psicólogo e professor da Ruhr-Universitat Bochum.
Análise precisa ser aprofundada
“O estudo é interessante, mas foi feito com pessoas normais e em horários específicos, apontando que níveis altos do cortisol ocorrem à noite, influenciando também no volume cerebral. Porém, a quantidade desse hormônio não foi monitorada em mais períodos ao longo do dia, o que indica que o nível dele pode influenciar a ocorrência da doença, mas não comprova uma ligação entre os dois, ou seja, não podemos considerar esse parâmetro como um marcador da demência. É necessária uma avaliação maior e também com mais voluntários.”
Márcia Chaves, neurologista e professora da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)