Crianças podem usufruir dos benefícios da meditação

A prática melhora o foco e proporciona qualidade de vida em várias fases do crescimento

por Renata Rusky 07/09/2015 09:30

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Marcelo Ferreira/CB/D.A Press
Angélica Brunacci com as filhas Sofia, 10 anos, e Laura, 7: um momento para desacelerar (foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)
A vida anda tumultuada para todo mundo. Os adultos vivem cheios de compromissos, presos no trânsito, correndo de um lado para o outro e cheios de preocupações. Fica quase impossível não inserir os filhos nesse contexto. Agitadas pela rotina da cidade grande e pela biologia (o ritmo delas é naturalmente mais acelerado), elas podem ficar arredias, ter insônia e até ser diagnosticadas com transtornos, como o de deficit de atenção.

Muitos pais tentam canalizar a energia do filho colocando-o em diversas atividades extracurriculares. A agenda cheia, no entanto, pode causar efeito contrário. Às vezes, tudo que a criança precisa é de momentos para relaxar. É nesse contexto que entram práticas como a meditação. Ela ajuda a resolver certos desequilíbrios de comportamento, o que faz com que alguns médicos a recomendem.

De acordo com a psicóloga Cinthia Vanessa Venâncio, a meditação para crianças pode contribuir para treinar a atenção, além de exercitar o autoconhecimento. “Falta de concentração é o deficit mais comum na infância e na adolescência ultimamente. Uma prática terapêutica que ajude na aquisição dessa capacidade, sem recorrer ao uso de psicotrópicos, é sempre válida”, pondera Cinthia.

As pequenas Laura, 7 anos, e Sofia Viegas, 10, estudam em turnos diferentes, o que torna a rotina familiar um pouco agitada. A caçula define o momento da semana reservado à ioga como “quando ela pode se libertar”. A intenção dos pais delas, Angélica Brunacci e Diego Viegas, era exatamente essa. “Queríamos que fosse um espaço para elas desacelerarem”, explica a mãe.

Sofia conta que, antes da ioga, sentia dificuldade para pegar no sono. Deitava na cama e não conseguia dormir. A situação era mais frequente ainda aos domingos, depois do fim de semana agitado. Relaxar quando se deitava na cama era custoso. A experiência da meditação é descrita por muito como simples, mas difícil. Sofia conta que, no início, não conseguia se concentrar e acabava pensando em outras coisas. Aos poucos, ela e também a irmã decoraram vários mantras e, hoje, trocam conhecimentos.

Embora pratique ioga apenas uma vez por semana, Sofia leva a experiência para o cotidiano. “Na escola, às vezes fico nervosa com alguma coisa ou algum colega me chateia. Eu tento parar, respirar e meditar um pouco, mas nem sempre dá tempo”, reclama. Laura conta que a mãe encomendou um colchonete apropriado, de modo que elas possam praticar em casa também.

Os pais duvidaram um pouco da maturidade de Laura para a prática. Ficaram surpresos quando viram que, entre os meditantes, há crianças até mais novas. Como tudo é feito de forma lúdica, funciona com todos eles. “Claro que outros fatores devem ter favorecidos, mas consideramos o ioga como um muito importante. A facilidade de comunicação aumentou, ela deixou de ter dificuldade para fazer trabalhos manuais sozinha e ficou mais independente”, relata Diego.

“Os exercícios físicos e de respiração servem para preparar o corpo para meditar confortavelmente. Eles mantêm o corpo firme e alinhado para meditar. Além disso, mesmo durante eles, medita-se”, explica Tereza Perez, professora de educação física e de ioga. Ela conta a história de um monge que perguntou ao mestre se ele podia fumar enquanto meditava. A resposta foi não. Minutos depois, o monge viu outro monge meditando e fumando e questionou a atitude. O mestre respondeu que ele não podia fumar enquanto meditava, mas podia meditar enquanto fumava.

No início, meditar não é mesmo tão simples. Brenda dos Santos, 10 anos, conta que não conseguia manter os olhos fechados e sentia vontade de rir. Durante a meditação na ioga, são cantados mantras, muitos em outras línguas, e ela achava aquilo superengraçado. Com o tempo, acostumou-se. “A professora pede para pensarmos em coisas boas”, conta. Ainda assim, a parte preferida dela é após a prática, quando a turma faz arte. Apesar da timidez, ela exibe sem modéstia algumas das coisas que já produziu na aula: uma luminária, uma pintura com giz de cêra derretido e um olho de deus — objeto da cultura indígena mexicana feito aos deuses para proteger as crianças.

A mãe de Brenda, a produtora Flor dos Santos, percebeu diferenças positivas no comportamento da menina ao longo do tempo. “Como toda criança, ela é muito agitada, mas passou a conseguir ficar mais tempo focada em uma coisa só”, relata. Além disso, as reclamações a respeito do excesso de conversa na escola cessaram.

Amara Hurtado e Mariana Faria ensinam ioga kundalini para crianças a partir de 3 anos. Elas garantem que os pequenos saem das aulas relaxados e transformados. O trabalho que elas desenvolvem inclui meditar, fazer algumas posições da ioga, e, depois, expressar-se por meio da arte. “Nós colocamos essa parte mais lúdica da arte porque o fazer criativo é importante. Crianças menores não se importam de pintar o céu de rosa, por exemplo, ou de desenhar algo abstrato e dizer que é um macaco. Já as maiores, sim. A gente trabalha, então, para que elam se sintam orgulhosas do que fizeram. Sem expectativas, comparações ou julgamentos”, explica Mariana.

"Temos que considerar a meditação e as técnicas de respiração aprendidas com ela como recursos para o controle da ansiedade e da raiva” - Amara Hurtado, professora


Experiência no Ensino Médio
Muitas pessoas defendem a prática da meditação nas escolas. Em Brasília, ela é ensinada a alunos de ensino médio de algumas escolas da rede pública desde 2007. Atualmente, estudantes das escolas Elefante Branco, Escola Classe 407 Norte, Escola Classe 209 Sul, Escola Classe 413 Sul, Escola Classe 204 Sul, Escola Classe 8 do Cruzeiro, Escola Classe 5 do Cruzeiro, Centro de Ensino Fundamental 1 da Vila Planalto e do Centro de Ensino Fundamental 2 de Brasília fazem duas aulas de educação física por semana no Centro Integrado de Educação Física (Cief), na 907/908 Sul. Entre as modalidades disponíveis, está a ioga.

Ana Rayssa/Esp. CB/D.A Press
No começo, Brenda sentia vontade de rir. Hoje, o momento de silêncio é muito proveitoso (foto: Ana Rayssa/Esp. CB/D.A Press)
A ONG americana Fundação David Lynch, que leva a meditação transcendental para diversas escolas dentro e fora dos Estados Unidos, além de para prisões, abrigos para pessoas de rua e grupos de veteranos de guerra e de pessoas com HIV, investe em diversas pesquisas sobre os benefícios da meditação transcendental no ambiente escolar. Quantitativamente, nas escolas em que instaurou-se o chamado Quiet Time, a necessidade de substituição de professores diminuiu, bem como as suspensões, as faltas e as brigas de alunos. As notas a a quantidade de alunos graduados aumentaram.

Cidinha Ulhoa e Tereza Perez não têm dados qualitativos, mas, todo ano, a procura pela ioga é grande. As duas mantêm turmas diárias. Elas contam que sempre fazem uma pesquisa no início do ano para descobrir por que eles querem fazer a modalidade e, no fim do período, fazem uma autoavaliação. Segundo elas, as crianças maiores e, sobretudo, os adolescentes se sentem estressados, ansiosos ou depressivos por causa das cobranças nos estudos. “É um período estressante e este é o momento em que eles podem olhar para dentro, melhorar a autoestima, descobrir a paz interior e aprender estratégias para se sentir bem fora daqui também”, menciona Cidinha.

Pelo Brasil, existem outros pequenos projetos que incluem a prática no ambiente escolar, no entanto, na maior parte, ela é colocada como atividade extracurricular. Em Rio Claro (SP), as escolas municipais têm uma parceria com a prefeitura na qual são oferecidas aulas de ioga durante a educação física. Professora do projeto, Amanda Faria conta que há dias mais fáceis e mais difíceis no trabalho. “Há vezes que só conseguimos ficar cinco minutos meditando, em outras conseguimos a aula inteira, por 40 minutos”, relata. Para ela, a experiência é fundamental. “Sem saber se concentrar, elas têm dificuldade de aprendizado”, pondera.

O líder espiritual Dalai Lama já disse que, se todas as crianças praticassem meditação, a violência acabaria em apenas uma geração. Além disso, trata-se de um caminho para uma vida mais verdadeira. “Quanto mais as crianças se conhecerem e se perceberem no meio, menos o ambiente vai influenciar o comportamento delas”, resume Amanda Faria. Segundo ela, muitas crianças vivem em lugares que não são favoráveis à expressão e elas acabam se sentindo culpadas. Na meditação, o olhar é voltado pra si e ocorre a quebra da perspectiva que o outro deposita. Sem dúvida, um incremento para a autoestima.

Respira que passa

De acordo com a professora Amara Hurtado, a rotina muito corrida interfere na respiração, que fica em descompasso e faz com que corpo, espírito e mente se desconectem. Portanto, a respiração seria uma das importantes chaves para o autoconhecimento, a harmonia e o controle emocional. A meditação trata da respiração consciente. Segundo Amara, ela ativaria células do corpo, principalmente as glândulas hormonais. A psicóloga Cinthia também considera o benefício: “Temos que considerar a meditação e as técnicas de respiração aprendidas com ela como recursos para o controle da ansiedade e da raiva”.

A professora de educação física e de ioga Cidinha Ulhoa explica que, quando uma pessoa fica muito preocupada com o futuro, fica com a respiração curta; quando é muito apegada ao passado, tem a região abdominal e pulmonar contraída. Nos dois casos, não se respira direito, portanto não se usa a capacidade completa dos pulmões e o cérebro fica menos oxigenado do que poderia. O ato de meditar é focar no presente e permanecer nele.