Embora pouco compreendida, a relação entre a obesidade e o câncer de mama já era bem estabelecida pelos médicos. Mulheres que estão acima do peso são um grupo bastante representativo entre as pessoas que sofrem desse tumor e também tendem a apresentar os mais agressivos. Para compreender melhor esse fenômeno, pesquisadores estudaram amostras de tecido adiposo retiradas dos seios de pacientes e observaram como a obesidade influencia diretamente na matriz extracelular das mamas.
Foi possível notar que a estrutura que reveste e dá suporte às células havia sofrido um processo chamado fibrose, similar ao que ocorre durante a cicatrização. Se comparadas com o tecido mamário de pacientes de peso saudável, as células de mulheres obesas apresentaram fibras de colágeno mais grossas e endurecidas.
A inflamação causada pela obesidade havia deixado o tecido mais rígido, mudando completamente a configuração das células e a maneira como elas se comportam. Esse novo formato seria ideal para o desenvolvimento de cancros. “Os nossos dados mostram que o endurecimento dos tecidos de tumores e dos mamários é similar”, diz Claudia Fischbach, professora da Meinig School of Biomedical Engineering da Cornell University, nos Estados Unidos, e uma dos autores do trabalho.
Potencializador
Em testes in vitro, a equipe observou que células pré-cancerosas cultivadas em tecidos adiposos afetados pelo excesso de peso tinham uma tendência maior a desenvolver tumores malignos do que aquelas que cresciam em tecido magro. Isso indica que a obesidade pode não somente promover o surgimento de tumores, como também aumentar a agressividade da doença.
“Esse estudo fornece uma importante peça adicional que ajuda a integrar o que sabíamos sobre obesidade e câncer de mama em um cenário unificado”, ressalta Charlotte Kuperwasser, professora de biologia molecular e química na Tufts University School of Medicine e pesquisadora do Molecular Oncology Research Institute, ambos nos Estados Unidos. “Essa pesquisa fornece uma forma de olhar para esses mecanismos bem estabelecidos sob uma nova luz”, completa a especialista, que não participou do estudo.
A nova compreensão da relação entre gordura e câncer de mama poderia mudar, por exemplo, como são feitas as cirurgias de reconstrução de mama. O uso habitual de tecido adiposo para a modelagem do seio, ressaltam os autores do estudo, pode oferecer um risco às pacientes que já se recuperaram do tumor. “Implantar o tecido adiposo obeso pode ativar o câncer de mama residual depois da mastectomia e, assim, promover a recorrência”, acredita Fischbach. “Parece que materiais sintéticos para a reconstrução das mamas podem ser seguros e, portanto, poderiam ser usados como uma alternativa.”
Dieta reverte o processo
O experimento norte-americano também foi reproduzido em ratos modificados geneticamente para acumular peso ou que apenas receberam uma dieta hipercalórica. Nas células mamárias das cobaias, os cientistas notaram uma concentração incomum de miofibroblastos, componentes que surgem na cicatrização e causam o espessamento do tecido. Quando submetidas a uma dieta, as cobaias tiveram o número de miofibroblastos reduzido no tecido mamário, indicando que o processo de endurecimento pode ser revertido.
Os resultados reforçam a antiga recomendação dos médicos de que mulheres com câncer de mama mantenham o peso saudável para combater os tumores, e ainda mostra como uma alimentação equilibrada pode ser uma importante forma de prevenção ao tumor. De acordo com dados do Fundo Mundial para Pesquisa em Câncer (WCRF), 22% dos casos da doença registrados no Brasil poderiam ser prevenidos com a adoção de bons hábitos alimentares, a redução do consumo de álcool e uma rotina fisicamente ativa.
Um estudo realizado recentemente no país indica que obesas e mulheres com sobrepeso têm 2,5 vezes mais chances de desenvolver o câncer de mama. O levantamento com 190 pacientes atendidas em duas clínicas de Salvador mostrou ainda que a proporção de obesas entre as mulheres diagnosticadas com o carcinoma era de 27,9%, mais do que o dobro da parcela de pessoas com problema de peso e que não sofriam da doença (13,1%).
Os números mostram que, além de hipertensão, diabetes e complicações cardiovasculares, a obesidade pode contribuir para a formação do câncer de mama, assim como dificultar o seu diagnóstico. “Quanto maior a obesidade, maior o risco”, alerta Cesar Machado, um dos coordenadores do estudo e integrante da Sociedade Brasileira de Mastologia.
De acordo com o especialista brasileiro, o perigo seria ainda maior para quem passou da menopausa. “A informação chega justamente no critério preventivo para essas mulheres, quando elas vêm fazer a mamografia de rastreamento. Elas precisam ser orientadas a perder peso como uma forma de prevenção”, acredita Machado.