A professora aposentada da Secretaria de Ensino do Distrito Federal acredita sofrer de hipersensibilidade eletromagnética (ou EHS, na sigla em inglês). “Sempre que pegava o celular, sentia meu corpo como um fio em que ficava passando uma corrente. À noite, isso não me deixava dormir”, conta Marilde, que tirou o máximo de eletrodomésticos de casa, na Asa Sul, e abandonou de vez o telefone móvel. A EHS ainda não é reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como uma doença e divide médicos e pesquisadores com relação a causas e sintomas.
Há especialistas que veem com ceticismo o problema, como Jan Alexander, diretor-geral adjunto do Instituto Norueguês de Saúde Pública. “Não temos nenhuma base para dizer que os sintomas são imaginários, mas há um grande número de estudos sugerindo que eles devem ter outras causas que não os efeitos causados por campos eletromagnéticos em torno de telefones celulares, transmissores sem fio e outros equipamentos sem fio”, diz.
Presidente do Centro de Pesquisa e Informação Independente sobre Radiação Electromagnética não Ionizante, na França, Pierre Le Ruz não acredita que a EHS tenha origem psiquiátrica. Segundo ele, o tecido cerebral humano contém magnetossomos, ímãs naturais que reagem quando se deslocam em contato com um campo elétrico. “Eles fornecem feedback para o cérebro. Algumas pessoas vão interpretar esse sinal como uma libertação de hormônios de estresse, o que pode causar sofrimento e até mesmo leucemia e tumores”, disse em entrevista à agência France-Press.
O relatório Bioinatividade 2012, assinado por 29 pesquisadores, estima que de 3% a 5% da população mundial sofram com a EHS. Os investigadores afirmam que os riscos para a saúde a partir de campos eletromagnéticos e tecnologias sem fio (radiação de radiofrequência) aumentaram substancialmente desde 2007. O documento é resultado da análise de 1.800 estudos científicos e, entre as conclusões expostas, está a de que a exposição a esses ambientes pode levar a reações inflamatórias e alterações no sistema imunológico.
No relatório, também foram apresentados estudos que associam a radiação do telefone celular e de computadores portáteis com conexão wi-fi a danificações no DNA do esperma que resultariam em deformidades dos espermatozoides e até mesmo na infertilidade masculina. Em mulheres grávidas, essa mesma radiação poderia alterar o desenvolvimento cerebral do feto, alertaram os autores.
Sem alarde
Coordenador do Laboratório de Dependências Tecnológicas da Universidade de São Paulo (USP), Cristiano Nabuco avalia que esses alertas devem ser encarados com cautela. “Esse tipo de estudo é embrionário. Apesar de haver muitas pesquisas na área, ainda não temos uma evidência concreta dos malefícios dessas ondas. Em testes envolvendo ratos e radiação do celular, o resultado foi altamente significativo para lesão neural”, complementa.
O Instituto Norueguês de Saúde Pública instaurou uma comissão em 2012 para avaliar as ameaças à saúde vindas de campos electromagnéticos de baixo nível gerados por transmissores de rádio. As análises indicaram que eles estavam 50 vezes abaixo do nível capaz de provocar o aquecimento do tecido humano ou a estimulação das células nervosas. Desse modo, o grupo de especialistas não encontrou evidências de que esses campos ao redor de telefones celulares e de outros transmissores podem causar problemas como cânceres e alterações nos sistemas endócrino e imunológico.
O pesquisador da Universidade Federal do Rio Grande do Sul Álvaro Salles, porém, estuda o impacto das ondas eletromagnéticas sobre os homens e adverte que elas podem, sim, ser absorvidas pelos tecidos biológicos. Segundo ele, parte dessa absorção pode resultar em aquecimento dos tecidos. “Existe um limite térmico para que ocorra dissipação adequada desse aquecimento antes que o calor provoque danos a essas células. Outra parte da energia eletromagnética absorvida pode causar efeitos não térmicos, como alterar a barreira hematoencefálica. Esses efeitos podem ocorrer em níveis de exposição substancialmente abaixo daqueles correspondentes aos térmicos, ou seja, a população está desprotegida em relação a eles”, alerta.
Segundo o especialista brasileiro, a sensibilidade maior ao eletromagnetismo pode até ser uma vantagem. “Por perceberem mais a existência desses campos, as pessoas têm a possibilidade de evitá-los. Tendo em vista a larga disseminação desses ambientes na sociedade moderna, talvez essa percepção adicional possa ser muito importante na preservação da saúde ao menos dessa parte da população. Em outras palavras, podem haver males que vêm para o bem”, cogita.
Rotina de limitações
Apesar da possibilidade de a hipersensibilidade eletromagnética proteger as pessoas de possíveis danos à saúde, os relatos da maioria das pessoas que têm o problema são cheios de limitação e de dor. É o caso do casal Emilie, 48 anos, e Jean-Jacques, 57, que se mudaram para uma região isolada no interior da França para fugir das ondas eletromagnéticas. Antes de partirem para o exílio tecnológico, a situação era desesperadora, conta a ex-arquiteta em entrevista à agência France-Press. “Comecei a ter fortes dores de cabeça, náuseas e perda de habilidades motoras. Estava perdendo meu cabelo em punhados.”
Os dois vivem em uma casa sem luz elétrica e longe de linhas de celular. O mais próximo que se aproximam da tecnologia é quando saem de casa, uma vez na semana, para fazer compras no mercado, que fica a 15km da propriedade. No único passeio, usam grandes capas que os protegem da radiação.
Na luta para o reconhecimento da hipersensibilidade eletromagnética como uma doença, a bióloga e jornalista americana Kim Goldberg mantém um blog chamado Refugium, onde transcreve depoimentos de artistas que sofrem com essa condição e a usam como temática de seus trabalhos. “Entrelaçar essas histórias é minha própria jornada através da pesquisa como escritora investigativa e bióloga para lutar contra forças maiores que impulsionam a proliferação da tecnologia sem fio”, explica Kim, no blog.
Em um dos relatos publicados, Jakki Moore, da Irlanda, conta que é extremamente sensível à eletroenergética e usa computadores o mínimo possível. “Sou uma daquelas pessoas que continuamente recebem choques ao tocar em maçanetas (…) Portanto, 99% minha arte é criada somente com as mãos. Relutantemente, também sou parte da era do computador e sucumbo à internet somente para enviar e-mails e promover minha arte. Se houvesse outro caminho, não faria isso.”
Cat Leonard, da Austrália, conta que, “a cada momento de cada dia”, seu corpo é “bombardeado com radiações eletromagnéticas.” “Não podemos vê-las e nós não as sentimos, mas somos atacados em quantidades imensuráveis de ondas. Minha pintura mostra o louvor equivocado a uma tecnologia que é, ao mesmo tempo, brilhante e sinistra.”
Para onde ir
No site, há a indicação de lugares livres de radiação eletromagnética no mundo. Os locais estão espalhados pela América do Norte, Europa e Oceania. Da longa lista apurada pela jornalista, se destacam a Tasmânia — na ilha localizada a 150 milhas ao sul do continente australiano, as torres de celular e até mesmo as linhas de transmissão de energia são poucas e distantes entre si —; a cidade de Olvera — que se tornou o primeiro município da Espanha a se declarar livre de poluição eletromagnética —; e o Dome Spa em Grass Valley, casa localizada nas montanhas de Sierra Nevada, nos EUA, que tem como um de seus objetivos divulgar técnicas para lidar com a hipersensibilidade eletromagnética.
Como evitar
O professor Cristiano Nabuco dá algumas dicas para evitar os possíveis efeitos nocivos das ondas eletromagnéticas:
1. Evite o contato direto do corpo com o telefone celular, o computador e outros eletrônicos (a maioria dos fabricantes, inclusive, sugere que as pessoas mantenham sempre alguns centímetros de distância dos aparelhos). Procure carregar seus equipamentos em mala, bolsa ou qualquer outro lugar que respeite esse distanciamento
2. Prefira sempre usar fones de ouvido ou o aparelho na modalidade viva voz, mas não se esqueça de manter o telefone longe da barriga, caso seja mulher
e esteja grávida
3. Se puder, prefira enviar mensagens de texto em vez de fazer ligações
4. Não durma com o telefone sob o travesseiro ou perto de você, como na mesa de cabeceira
5. Se o seu filho for usar um telefone celular ou um tablet, mude para o modo avião,
pois é mais seguro
6. Limite o tempo de uso do celular a no máximo dois minutos. Prefira o telefone fixo para chamadas de longa duração
7. Se você não puder usar a função viva voz, considere usar um fone de ouvido
8. Evite fazer chamadas em carros, elevadores, metrôs e ônibus. Qualquer material que contenha metal fará com que as ondas aumentem a intensidade
9. Não use o celular quando o sinal for fraco ou estiver viajando a velocidades altas, como de carro ou de trem. Nessas situações, aumenta a emissão de ondas do aparelho como tentativa de se conectar a uma nova antena de retransmissão