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Maria Elena, que é coordenadora geral do projeto e, como tal, responsável direta pela pesquisa, explica que testes em roedores comprovaram que a redução da quantidade de aminoácidos não alterou a ereção. “Devido à sua toxidade, se usássemos o peptídeo inteiro, seriam observados efeitos colaterais no sistema nervoso e no coração”, observa a professora. “Trabalhamos no assunto há cerca de 10 anos. Já tivemos uma tese de doutorado e uma de mestrado defendidas no assunto, além de estudantes de pós-doutorado trabalhando no tema. Começamos a trabalhar com a toxina isolada diretamente do veneno.”
Ela conta, ainda, que o grupo está trabalhando com pesquisadores da faculdade de Farmácia da UFMG numa formulação do peptídeo sintético (Pn-PP19), não tóxico, para ser administrado por aplicação tópica. “Isso é, seria via adesivo, por exemplo, que poderia ser colocado na virilha. Esse tipo de administração permite usar quantidades menores da substância e também evita possíveis efeitos colaterais para o organismo. Embora não tenhamos detectado nenhum efeito colateral nos animais, com doses até 100 vezes superiores às utilizadas para a potenciação da função erétil.” A aranha armadeira, ganhou esse nome pela posição típica que assume ao atacar, e se concentra, principalmente, na Região Sudeste, mas pode ser também encontrada em outras regiões do Brasil.
A professora ressalta que tudo começou há tempos, quando homens picados por esse tipo de aranha e também por alguns escorpiões apresentaram como um dos sintomas o priapismo, uma ereção prolongada e dolorosa. “O veneno da aranha é constituído por uma mistura de proteínas e é bastante tóxico. O grupo da Fundação Ezequiel Dias, nosso colaborador, purificou a molécula responsável pelo priapismo, que foi chamada PnTx2-6. Mas, essa pequena proteína, que tem 48 aminoácidos (como se fossem 48 continhas em um colar) é também muito tóxica (1,4 microgramos, que corresponde a 0,000001g, mata 100% dos animais injetados, em geral, camundongos, que são utilizados nos testes de toxidade). Estes pesam, em média, 20 gramas e a toxidade é, em geral, proporcional ao peso corporal.”
INOVAÇÃO
Maria Elena salienta que os estudos farmacológicos com a toxina foram feitos na UFMG por seu grupo. “Publicamos alguns trabalhos, mostrando que essa toxina é capaz de fazer com que ratos hipertensos, velhos ou diabéticos, recuperem total ou parcialmente a capacidade erétil. Todos esses animais apresentam disfunção erétil, – há técnicas no laboratório para medir esse efeito nos animais. Assim, a toxina da aranha mostrou ser muito ativa e teve efeito diferente dos medicamentos já utilizados como do tipo Viagra, o que abria perspectivas para pacientes que não podem utilizar tal medicamento ou mesmo que não respondem a ele. O grande problema é que a molécula (PnTx2-6) é muito tóxica e causa dor, conforme verificamos no laboratório, por meio de experimentos.”
A pesquisadora explica que a inovação foi que o grupo sintetizou no laboratório uma parte desta molécula que, por estudos de bioinformática, indicavam que seria a parte ativa. “Assim, obtivemos um peptídeo (pequena proteína) de 19 aminoácidos lembrando que a molécula original, vinda do veneno da aranha, tem 48 aminoácidos e é mais complexa na sua estrutura. Ao testarmos a molécula sintética, então chamada PnPP-19 (de Phoneutria nigriventer potentiator peptide-19 aminoácidos), verificamos que ela também potencia a ereção nos animais, (ratos e camundongos) e o melhor, não mostrou nenhuma toxidade. E, além do mais, a molécula não causa nenhuma dor. Verificamos que, ao contrário, esse peptídeo tem propriedades analgésicas. Ele também não gera nenhuma alteração no coração, o que é muito positivo, pois os medicamentos vigentes são desaconselhados para alguns indivíduos que apresentam problemas cardíacos.”
O efeito do veneno já está aprovado, segundo garante a professora. “Temos publicação mostrando isso e, o mais importante, com a substância (peptídeo) purificada do veneno. Isso foi em 2008, quando publicamos na revista científica internacional Toxicon. O efeito do veneno (visto pela picada da aranha em homens) já era conhecido há tempos, mas nosso grupo purificou a partir do veneno (que tem centenas de outras moléculas) o peptídeo, que causa esse efeito e mostrou como ele age no organismo. A primeira notícia desse trabalho com a toxina foi divulgada erroneamente como tendo sido feito nos EUA. O que ocorreu é que nossa aluna foi fazer um estágio na Universidade da Georgia, em Augusta e levou o trabalho (feito aqui) em um congresso lá mesmo nos Estados Unidos. Divulgaram erradamente que era um trabalho de lá.”
Liberação para venda
Maria Elena não tem ideia de quando esse remédio estará à venda no mercado. “Não podemos prever, a tecnologia tem que ser transferida para uma indústria. Já pedimos a patente, mas, antes de ser um medicamento, há ainda um longo caminho. Há a exigência de vários testes ainda dos órgãos controladores, como Anvisa, entre outros. É um processo caro e a Universidade não tem como patrociná-lo. É preciso que uma indústria farmacêutica assuma essa parceria. No momento temos algumas indústrias interessadas e há uma negociação mediada pela Coordenadoria de Transferência e Inovação Tecnológica, escritório da universidade, que cuida de patentes e da transferência de tecnologia para o setor privado.”
Maria Elena salienta que até agora não foi detectado nenhum efeito colateral, nem toxidade, mesmo usando doses até 100 vezes superiores àquelas necessárias para potenciar a ereção. “Uma análise histológica de vários tecidos de animais injetados com o peptídeo sintético não mostrou nenhuma alteração. Os animais também não mostraram nenhuma toxidade com este peptídeo, ao contrário da toxina que mata, dependendo da dose injetada”. Ela acredita que o medicamento possa ser usado tanto em adultos, quanto idosos. “Pensamos que sim, embora nossos testes até agora tenham sido feitos somente em animais. Numa próxima etapa é que serão feitos em seres humanos, logicamente seguindo todos os princípios éticos e regulamentos prescritos pelos órgãos reguladores.”
“Trabalhamos em pesquisa básica, com bioquímica e farmacologia, procuramos entender os mecanismos de diversas moléculas com ação biológica. Isto pode dar grande contribuição para entender os mecanismos de drogas, mas nem sempre tem uma aplicação direta, imediata, apesar de grande relevância e até gerar a aplicação algum dia. Se alguma destas novas moléculas de estudo mostra efeito potencial para ser utilizada como um fármaco, poderá gerar uma contribuição ainda mais efetiva. Nosso país necessita urgentemente de desenvolver esta área de biotecnologia para se tornar um dia mais independente e de certa forma competitivo no mercado dos fármacos. Uma das possibilidades que estamos estudando é verificar a ação em fêmeas. Sabe-se que há uma demanda pelas mulheres de medicamentos que aumentem o desejo sexual. Nossos estudos iniciais indicam que o peptídeo sintético (PnPP-19) tem, provavelmente, ação em fêmeas também. Mas os resultados são ainda preliminares e necessitam confirmação”, ressalta Maria Elena.
RECONHECIMENTO
“Nas pesquisas, além do Laboratório de Veneno e Toxinas Animais (LVTA) do qual faço parte e que conta com vários estudantes de iniciação científica, mestrado, doutorado e pós-graduado, há professores da Faculdade de Farmácia da UFMG, Departamento de Química da UFMG envolvidos, além de pesquisadores da Fundação Ezequiel Dias (Funed). Nossa ex-doutoranda Kênia Nunes, que atualmente está nos EUA, também continua nossa colaboradora, além de um grupo europeu que colaborou também num dos trabalhos que publicamos recentemente na revista cientista Journal of Urology. Ficamos motivados com o comentário da Nature Reviews Utology sobre o artigo que publicamos. Sabemos que o grupo Nature tem grande prestígio no meio científico internacional e isso significou reconhecimento da Ciência que fazemos por aqui. A aranha com cores da bandeira do Brasil ilustrou esse reconhecimento e deu identidade ao trabalho.”