Toxina botulínica é opção para tratar paralisia cerebral espástica

Médico espanhol, autoridade no tema, visitou BH e mostrou avanços na técnica

por Carolina Cotta 13/08/2015 10:05

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Euler Júnior / EM / D.A Press
O médico Pascual-Pascual, que avalia o garoto Anthony Gabriel na AMR, diz que as indicações da toxina variam de caso para caso, mas o ideal é iniciar as infiltrações antes que comecem as deformidades (foto: Euler Júnior / EM / D.A Press)
Tendências no tratamento da paralisia cerebral espástica foram discutidas nesta quarta-feira (12/08) na sede da Associação Mineira de Reabilitação (AMR), que recebeu o neuropediatra Samuel Ignacio Pascual-Pascual, referência mundial no tratamento da espasticidade em crianças. Professor do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da Universidade Autônoma de Madrid, membro do Serviço de Neurologia Pediátrica e chefe da Unidade de Doenças Neuromusculares e Movimento do Hospital Universitário La Paz, na capital espanhola, Pascual mostrou avanços na abordagem da contratura muscular de causa neurológica, muito frequente em crianças com paralisia cerebral, a partir de infiltrações de toxina botulínica. O encontro reuniu médicos da AMR, Ortopédico BH e Hospital da Baleia.

A paralisia cerebral tem manifestações clínicas muito variadas, mas, em geral, é caracterizada por uma dificuldade motora em consequência de uma lesão cerebral que pode ocorrer durante toda a fase de desenvolvimento do Sistema Nervoso Central (SNC), do momento da concepção até os 2 anos de idade. Para ser considerada paralisia cerebral essa lesão neurológica não pode ser progressiva. Segundo a Associação Brasileira de Paralisia Infantil, a criança vai apresentar mudanças decorrentes de seu crescimento e amadurecimento, mas a lesão em si é estacionária, ou seja, não vai piorar, mas também não vai desaparecer. Não há, portanto, cura para o problema, mas o tratamento pode melhorar o comprometimento motor.

Na Paralisia Cerebral Espástica, o tipo mais comum, os músculos têm, ao mesmo tempo, a força diminuída e o tônus aumentado, o que se chama espasticidade. Os pacientes apresentam os músculos enrijecidos, o que dificulta os movimentos. Os músculos mais tensos crescem menos e, por isso, a criança, com o tempo, pode desenvolver encurtamentos musculares, conhecidos como contraturas. O crescimento dos ossos, influenciado pela tensão dos músculos, também pode ser alterado, evoluindo para as deformidades. Além disso, o desenvolvimento motor, a aquisição das atividades motoras como sentar, engatinhar e andar, é atrasado de forma leve, moderada ou grave.

A espasticidade não é exclusividade da paralisia cerebral. Também pode ocorrer em doenças neurológicas que provocam lesão das células do sistema nervoso, responsáveis pelo controle dos movimentos voluntários, lesões medulares, esclerose múltipla, acidente vascular cerebral (AVC) entre outros. Segundo Pascual-Pascual, em crianças com paralisia cerebral, a espasticidade quase sempre leva a deformidades nos ossos, músculos e tendões. As indicações da toxina variam de caso para caso, mas segundo o especialista, o ideal é iniciar as infiltrações antes que comecem as deformidades. “Quanto antes, melhor. É comum iniciarmos as aplicações entre os 4 e 5 anos, mas o uso da toxina no tratamento de espasticidade é autorizado a partir dos 2 anos”, explica.

MAIS CONHECIMENTO
Em Belo Horizonte, segundo o ortopedista César Lima, o primeiro uso da toxina botulínica para tratamento da espasticidade ocorreu em 1995. O medicamento, em si, não é uma novidade, mas a forma como é administrado vem mudando ao longo dos anos. Segundo o ortopedista Leonardo Cury Abrahão, gerente clínico da AMR, muitos mitos e tabus em torno da toxina foram quebrados. “Quando existir espasticidade no quadro de paralisia cerebral há indicação da toxina, mas ela não tem sido usada de forma adequada. Há uma dificuldade de acesso, mesmo ela sendo disponível no Sistema Único de Saúde (SUS). Também falta conhecimento dos profissionais e dos pacientes”, lamenta.

Para Pascual-Pascual, as pessoas ainda relacionam a toxina com um veneno muito potente, o que, de fato ele é. “Mas na medicina usamos doses mínimas. Esse fármaco vem sendo muito bem utilizado em todo o mundo, com segurança”, explica. A experiência e novos estudos reconfiguraram o modelo de tratamento com a toxina. Quando começou a adotá-la, na década de 1990, as infiltrações, por exemplo, eram a cada um ou dois anos. Hoje, já se sabe que é seguro e eficaz utilizá-la em uma periodicidade de quatro a seis meses. “Nossos estudos também mostram que a combinação da toxina com outras técnicas é o que tem promovido os melhores resultados. Estamos avançando, conhecendo doses, periodicidade e músculos mais apropriados para o tratamento com a toxina”, explica.

MULTIÚSO
Apesar de ter se tornado mais conhecida a partir dos seus benefícios estéticos, a toxina botulínica vem ajudando a medicina na abordagem de doenças variadas. Segregada por bactérias que se desenvolvem em enlatados ou em alimentos mal conservados, começou a ser usada com fins terapêuticos em 1980, promovendo um relaxamento de músculos oculares, eficaz no tratamento de estrabismo. Em 1989, foi publicado o primeiro trabalho mostrando seus benefícios também no tratamento de distúrbios de movimento, especificamente nos casos de espasticidade. Hoje, também é adotada no tratamento de esclerosemúltipla, mal de Parkinson, tiques nervosos, cefaleias, hiperidrose e até bruxismo.

CAUSAS
A origem da Paralisia Cerebral pode ser pré-natal (as lesões ocorrem antes do nascimento, em decorrência de algumas doenças da gestante que podem comprometer a formação das estruturas neurológicas do feto, como diabetes, pressão alta e infecções virais, além do uso de álcool, drogas e tabaco); perinatais (as lesões ocorrem no período que vai do começo do trabalho de parto até seis horas após o nascimento, influenciadas pela prematuridade, baixo peso, trabalho de parto muito demorado e outras situações que predispõem o sistema nervoso imaturo a não efetuar essa adaptação coma rapidez suficiente); e pós-natais (quando infecções como a meningite, traumas cranianos e tumores podem comprometer o sistema nervoso ainda em desenvolvimento).